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Germano Almeida: Cabo Verde foi uma "sociedade escravocrata" à sua dimensão

29 fev, 2024 - 21:17 • Maria João Costa

O escritor, Prémio Camões 2018, tem um novo romance sobre a época colonial. No base do livro está a história real de um antigo governador português. Em entrevista à Renascença, o autor fala da importância de conhecer o passado, numa altura em que Cabo Verde discute se o país foi ou não uma sociedade escravocrata.

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“Infortúnios de um Governador nos Trópicos” (ed. Caminho) é o mais recente romance do escritor cabo-verdiano Germano Almeida. O Prémio Camões 2018 conta a história do coronel João da Mata Chapuzet, um antigo governador militar de Cabo Verde que foi traído pela mulher.

A história tem um lado real e foi proposta a Germano Almeida pelo historiador Daniel Pereira, “um rato de biblioteca” como lhe chama o autor. “Mandou-me um email dizendo: 'encontrei isto, achei interessante, mas eu não tenho o que fazer com isto, pode ser que tu possas fazer alguma coisa'”, conta em entrevista ao programa Ensaio Geral da Renascença.

Do historiador, Germano Almeida recebeu um documento sobre uma “querela com o governador, por causa da mulher que lhe disseram tinha estado a ser infiel”. O assunto interessou ao escritor.

“Os criados acompanhavam mais ou menos as infidelidades da senhora, estavam todos muito zangados com ela, mas sem coragem de ir contar ao governador, até que um deles acabou por ir”, conta o autor, que foi investigar mais sobre o caso na Torre do Tombo, em Lisboa.

No processo encontrou mais dados sobre o próprio governador português. “Ele tinha sido um dos grandes governadores de Cabo Verde”, aponta Germano Almeida, que percebeu no decurso da sua investigação o papel que o governador teve no combate à fome e pobreza no arquipélago.

“Estava uma grande quantidade de urzela guardada à espera de ser mandada para Portugal, e ele reuniu os maiores da ilha e convence-os a assinarem um documento em como deveriam mandar vender a urzela, e o seu resultado reverter a favor do povo de Cabo Verde e assim o fizeram”, conta o autor. O caso acabou por levar à demissão do governador.

“Os Infortúnios de um Governador nos Trópicos” é um romance passado no século XIX e descreve também a sociedade colonial da época. Questionado sobre a importância de escrever sobre esse passado, Germano Almeida considera fundamental.

“É muito importante conhecermos o passado, porque acho que conhecendo o passado podemos construir o futuro. É claro que há muitas confusões à volta disso. Costumo dizer que cada vez que aparece um livro sobre a questão colonial estamos a meter mais uma pedra, mais uma acha na descoberta da nossa identidade.”

Segundo Germano Almeida, “neste momento há uma grande discussão em Cabo Verde, se fomos ou não uma sociedade escravocrata”. “Em certa medida teremos sido uma sociedade escravocrata, à dimensão de Cabo Verde, uma terra pequena e pobre, e muito dependente das chuvas”.

É um erro dizer que Cabo Verde é África, e é um erro dizer que Cabo Verde é Europa, na medida em que não há uma só África, há diversas culturas e, de facto, nós somos mais uma cultura com muitos elementos europeus e portugueses e de forma nenhuma queremos negar” essa herança, aponta o autor.

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