Abusos na Igreja. Grupo Vita apresenta este mês proposta de reparação às vítimas

12 fev, 2024 - 07:00 • Ana Catarina André

Um ano depois da divulgação do relatório da Comissão Independente, a equipa liderada pela psicóloga Rute Agulhas recebeu 71 pedidos de ajuda e fez 44 atendimentos. A 19 de fevereiro, vai entregar à Conferência Episcopal uma sugestão sobre as compensações às vítimas.

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O Grupo Vita vai apresentar à Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), no dia 19 de fevereiro, uma proposta sobre a reparação financeira às vítimas de abuso sexual na Igreja.

“A CEP pediu-nos para sugerir como é que o processo pode ser pensado. Fará depois a análise dessa proposta e decidirá ou não em conformidade”, adianta à Renascença a coordenadora do Vita. Rute Agulhas refere que, no início do mês, um grupo de juristas católicos elaborou, por iniciativa própria, um documento sobre o tema.

Esta terça-feira, dia 13 de fevereiro, faz um ano que a Comissão Independente para o Estudos dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, liderada pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, apresentou o relatório final. A investigação validou 512 testemunhos e calculou que, entre 1950 e 2022, tenha havido 4.815 vítimas de abusos na Igreja Católica. Pouco depois, a Igreja pediu que fosse criado um grupo autónomo de acompanhamento às vítimas, no caso o grupo Vita.

Em oito meses de funcionamento, essa equipa recebeu 71 pedidos de ajuda e fez 44 atendimentos, avança Rute Agulhas. “Temos mais atendimentos marcados para este mês de fevereiro e continuamos a sentir que, de uma maneira geral, há por parte das pessoas que nos procuram uma postura de confiança”, diz a psicóloga.

Do trabalho desenvolvido nos últimos meses, Rute Agulhas destaca ainda as diferentes ações de formação que foram sendo dadas junto das 21 comissões diocesanas e de cerca de 40 institutos religiosos.

“Temos já calendarizada para antes do verão uma formação inicial para catequistas, para professores de educação moral e religiosa católica e docentes de escolas católicas. Temos também um pedido da DGE [Direção-Geral da Educação]. Em paralelo, têm-nos vindo também a ser pedidas ações de sensibilização com catequistas e agentes pastorais”, conta a coordenadora do VITA, explicando que o objetivo é que estas pessoas possam ser, depois, agentes formativos.

A par destas ações, estão também a ser desenvolvidos cinco projetos de investigação, um dos quais sobre o modo como o tema dos abusos pode ser trabalho na catequese e outros dois sobre prevenção primária. “Todas as propostas que temos vindo a fazer têm sido sempre bem acolhidas pela Igreja”, garante

"Um exemplo para a sociedade"

Ainda antes da apresentação do relatório da comissão liderada por Pedro Strecht, a Conferência Episcopal Portuguesa criara uma equipa de coordenação nacional das comissões diocesanas de proteção de menores e adultos vulneráveis com o objetivo de “assessorar o trabalho de cada comissão diocesana [e] propor procedimentos e orientações comuns”.

Fazendo um balanço do trabalho desenvolvido no último ano, Paula Margarido, a atual presidente da equipa, elogia o trabalho da Conferência Episcopal Portuguesa como “um exemplo para a sociedade”.

“Estas práticas [de abuso sexual] existem e são transversais à sociedade, no seio da família, nas estruturas desportivas e na Igreja, e em Portugal, que nós saibamos, a única entidade que concretizou este trabalho foi a Igreja Católica que pediu à Comissão Independente um levantamento [de casos]”, afirma, em declarações à Renascença.

A responsável refere que, a par da criação do grupo Vita, no último ano “foram instalados processos e aplicadas medidas cautelares de afastamento” a alegados abusadores. Está a ser dado acompanhamento psicológico e psiquiátrico às vítimas e paga a medicação de que possam precisar.

“Agora vai ser concretizado todo um plano de prevenção, tendo em consideração o manual do grupo Vita”, diz Paula Margarido, lembrando que no último encontro das comissões diocesanas se constatou que nos meios rurais continua a haver mais reserva para sinalizar casos de abusos e que, por isso, “se torna urgente atuar junto dessas comunidades”.

Dessa reunião, realizada em Fátima, saiu também o compromisso de sistematizar todos os dados sobre o tema e de os divulgar duas vezes por ano. Na altura, Paula Margarido disse que, com a divulgação desta informação, se poderá aferir “processos que entram, processos que são arquivados, processos que são encerrados e com a respetiva motivação para o efeito”.

Mais vítimas com vontade de falar

Para além dos processos e mudanças na Igreja, o relatório acabou também por levar a que, no último ano, “um número significativo” de pessoas recorresse à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV).

“São adultos que nos pedem ajuda para situações que vivenciaram na infância. Nem todos foram vítimas no âmbito da Igreja Católica, [mas] em diferentes dimensões”, explica Carla Ferreira, responsável da rede Care desta organização. À Renascença, sublinha que o trabalho da Comissão Independente fez com que mais gente “ganhasse vontade” de falar sobre a sua história. “É um efeito do conhecimento desses resultados”, diz.

No último ano, mais vítimas de crimes de violência sexual na infância e adolescência procuraram a APAV. “Ainda estamos a fechar os elementos de 2023, mas em termos gerais posso adiantar que se mantém a tendência crescente de pedidos de ajuda [verificada] desde 2016”, afirma a especialista. De acordo com as estatísticas divulgadas o ano passado, entre 2021 e 2022 o número de crianças e jovens vítimas de crimes de violência sexual apoiadas pela APAV aumentou 32%.

Olhando ainda para o impacto do trabalho desenvolvido pela Comissão Independente a pedido da CEP, Carla Ferreira considera que “houve alguns progressos”. “Há uma maior atenção da comunidade e da sociedade”, diz, mencionando também as propostas legislativas que foram feitas para alterar os prazos de prescrição destes crimes.

“Ainda assim, não se pode dizer que houve mudanças mais a fundo. As respostas existentes acabam por ser mais ou menos as mesmas, não obstante ter sido criado um grupo específico de trabalho no âmbito da Igreja Católica”, lembra.

Na sequência do relatório divulgado a 13 de fevereiro de 2023, a ministra do Trabalho e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, terá prometido à Comissão Independente que seria feito um novo estudo sobre abusos sexuais a nível nacional, coordenado pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, atualmente presidida por Rosário Farmhouse.

A notícia avançada pela Visão, em março do ano passado, dizia ainda que a investigação abarcaria outras dimensões da socialização e não apenas o contexto eclesial. A Renascença contactou a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens, para perceber em que fase está este trabalho, mas obteve como resposta que não há ainda informação a divulgar. Já o Ministério do Trabalho e Segurança Social não deu - até publicação deste artigo - qualquer resposta às questões enviadas.

Ainda sobre esta investigação, a APAV defende que “é muito importante perceber o fenómeno do abuso sexual” e alerta para a necessidade de se realizar um estudo mais amplo sobre a criminalidade que todos os dias afeta as pessoas em Portugal. “Ainda não estamos na fase em que temos uma estratégia nacional de prevenção e capacitação para a violência, em particular para a violência sexual”, considera Carla Ferreira, que sublinha que “precisamos de continuar a investir numa sociedade intolerante a estas situações”.

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