Oiça a reportagem "Aqui não há cabazes para pobres. Há uma mercearia"

Foi assim durante anos. Todas as pessoas que recebiam apoio do Centro Padre Alves Correia (CEPAC), em Lisboa, juntavam-se em fila, à porta da instituição, para receber um cabaz alimentar. Na maior parte das vezes, limitavam-se a pegar na oferta, sem saber o que levavam, agradeciam a ajuda e voltavam para casa.

Por vezes, deparavam-se com ingredientes que não sabiam cozinhar – muitos são imigrantes vindos de África, habituados a outro tipo de dieta. Noutras ocasiões, ao abrir o saco, eram confrontados com produtos de que não gostavam. “Ao longo dos anos, fomos percebendo que tínhamos de trazer mais dignidade para esta resposta”, explica Ana Mansoa, diretora executiva do CEPAC.

A inquietação levou a instituição, que apoia 470 famílias carenciadas, a pôr fim aos tradicionais cabazes alimentares e a criar uma mercearia social, a que deram o nome de mercearia Sabura.

O novo espaço, pertencente à Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo, foi inaugurado no início de julho, em Lisboa, e permite que os beneficiários escolham, através de um sistema de créditos, os produtos a levar.

“Recebemos pessoas de 19 nacionalidades, com culturas, gostos e conhecimentos diferentes. Se por um lado, queremos trabalhar na formação e na aquisição de hábitos de consumo mais saudáveis, por outro lado, pretendemos trazer a pessoa para o centro”, diz a responsável, justificando assim o fim dos cabazes tradicionais.

Um novo paradigma

Logo à entrada da mercearia, situada no bairro da Estrela, em Lisboa, um painel indica o número de produtos a que cada tipo de agregado familiar tem direito.

Adelina Sambu, de 37 anos, olha com atenção para o quadro, antes de selecionar o que vai pôr no cesto. A guineense chegou a Portugal em 2019, para fazer um tratamento médico, ao abrigo de um protocolo de saúde entre os dois países e, como está desempregada, recorre a esta ajuda.

“Gosto da nova mercearia. Está bem organizada. É melhor do que antes. Aqui, podemos escolher o que levar”, diz Adelina, que teve de deixar os filhos na Guiné, para vir para Portugal.

"Passámos de uma abordagem paternalista para uma abordagem que visa empoderar as pessoas"

Ali perto, na sala onde foi montada a mercearia, está Celeste, voluntária do centro, que se prontifica a ajudá-la – é preciso verificar quantos pacotes de arroz e massa pode levar.

O processo é simples e, ao fim de poucos minutos, Adelina está na caixa. É José Mário Santos quem a atende e regista tudo o que vai levar. O empregado confessa que está a “ter alguma dificuldade” em adaptar-se ao novo modelo.

“É uma orgânica que exige maior rigor com a saída dos alimentos”, afirma. E garante: “Os clientes, esses, estão mais satisfeitos”.

Além de promover a autonomia dos beneficiários, Ana Mansoa considera que a mercearia trouxe uma “uma mudança de paradigma” no apoio que prestam.

“Passámos de uma abordagem paternalista para uma abordagem que visa empoderar as pessoas”, afirma a responsável, sublinhando que o projeto pretende também “promover a tomada de decisão consciente”.

Mais para a frente, o CEPAC quer estender este modelo a outras áreas de intervenção, como é o caso do apoio com vestuário, por exemplo. Mas não só: ”Pretendemos desenvolver projetos de formação e de acompanhamento por nutricionistas. Queremos, por exemplo, trabalhar com as pessoas algumas receitas com os alimentos que recebemos do Banco Alimentar.”