O secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Costa, garantiu à Renascença que os dois irmãos de Vila Nova de Famalicão impedidos de transitar de anos por terem faltado às aulas de Cidadania e Desenvolvimento vão começar o ano letivo nos 7.º e 9.º anos.

O governante lembra que “o caso ainda está em apreciação no Tribunal Administrativo de Braga”, mas que “é vontade do Ministério da Educação” que estes alunos progridam.

"Atento o percurso escolar dos alunos e o facto de estarem a sofrer as consequências de uma decisão que lhes é imposta, devem ser encontradas as medidas para que os alunos progridam", justificou o governante, citando o despacho emitido pela tutela.

João Costa refere-se a este caso como sendo "um caso particular e por isso se prevê também no despacho a validação do percurso irregular. Basta ler o despacho. Se não cumprirem os planos de recuperação? Estamos a falar do cumprimento da lei. A sanção no âmbito do Estatuto do Aluno é a reprovação", detalha.

Em causa está a iniciativa dos pais destes alunos que decidiram recusar a frequência dos seus encarregados de educação na disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. O caso remonta ao ano letivo de 2018/2019, na altura os alunos frequentavam o 5º e 7º anos de escolaridade. Não foram a nenhuma aula da disciplina, mas por decisão do conselho de turma transitaram para o 6º e 8º. A meio deste ano letivo, a tutela advertiu que os alunos teriam de teria de ter um plano de reposição das aulas em falta.

A revelação foi feita durante um debate sobre este tema que juntou, na Renascença, o secretário de Estado e Manuel Braga da Cruz, antigo reitor da Universidade Católica Portuguesa e promotor de um manifesto “em defesa das liberdades de educação”.

Braga da Cruz congratulou o governante pela “abertura desta possibilidade de progressão, transitando de ano sem aproveitamento nesta cadeira".

Durante o debate, o professor universitário disse ainda admitir “que esta questão, devidamente discutida, possa um dia subir ao Tribunal Constitucional”, uma hipótese que o secretário de Estado considerou “saudável”.

Ainda assim, João Costa não se revê no argumento sobre alegada inconstitucionalidade.

"A protecção face à segregação, discriminação, saúde e respeito pelos outros está escrita na Constituição tal como o artigo 43º (Liberdade de aprender e ensinar). Se formos aos documentos e ao referencial de educação para a saúde, encontra exatamente isto – aceitação, respeito, tolerância e acolhimento", argumenta.

Manifesto não é contra igualdade de género

Neste debate, Braga da Cruz referiu-se ainda às intenções do manifesto, garantindo que o objetivo da iniciatiava não é "tornar a disciplina facultativa".

"Pode haver subscritores que o defendam e outros, como sei que há, que defendem a existência de uma cadeira obrigatória. Só se reivindica a possibilidade de uma objeção de consciência para algo que é obrigatória. Se for facultativo, não faz nenhum sentido exigir objecção de consciência", esclarece.

Argumentos que não convencem o secretário de Estado. "A objeção de consciência é regulamentada. Existe para os militares, médicos ou enfermeiros. Liberdade de consciência não tem uma implicação sobre objeção de consciência. Deixo isso para os constitucionalistas. É um debate interessante por si só. No nosso entendimento a objecção de consciência não se aplica [aqui]", reafirmou.

Na resposta, o professor universitário sublinha que a "obrigação do Estado é respeitar o papel educativo dos pais, mormente nestas questões que dizem respeito à vida privada e por isso mesmo assiste aos pais a liberdade de apresentar uma objeção de consciência. Está no âmago da cidadania. Não somos contra a cidadania. Ao proclamar a liberdade de consciência estamos a afirmar o valor primeiro que a cidadania obteve nos primórdios da cidadania", contesta.

João Costa revela ter outra leitura sobre o primado dos pais. "'Se não gosto deste tema, o meu filho não estuda; gosto daquele e o meu filho estuda'. Isto não é o que está previsto no que é citado sobre o primado dos pais na legislação. Desde sempre, a nossa legislação prevê o cumprimento da escolha do género da educação. Por isso a nossa legislação contém ensino público, ensino particular, ensino confessional, ensino doméstico, ensino individual e ensino à distância", responde.

Braga da Cruz acrescenta também que o manifesto "não se trata da questão da igualdade de género". "Ninguém é contra a igualdade de género. É-se contra a possibilidade do Estado programar a Educação ou admitir que outros se introduzam a coberto de uma disciplina de formação para a Cidadania a fazerem inculcação ideológica da ideologia de género", explica.

Ainda sobre a disciplina Cidadania e Desenvolvimento, Manuel Braga da Cruz garante que o guião da disciplina não tem sustentabilidade científica.

"Esta disciplina tem um guião de orientação. Quem lê esse guião fica perfeitamente consciente de que há uma orientação ideológica que não tem sustentabilidade científica, que é controversa do ponto de vista científico e que se quer apresentar como a via única para conseguir o respeito pela igualdade de género. E este é o problema que suscita a objecção de consciência", argumenta.

A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento começou a ser leccionada no ano letivo de 2017-2018 em 235 escolas, como projeto piloto, depois de ter sido apresentada, em setembro de 2017, a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania.