Vários fiscalistas ouvidos pela Renascença discordam da interpretação da Autoridade Tributária, ao defender que a passagem de um crédito à habitação de um banco para outro implica a celebração de um novo contrato, e pedem ao Governo que clarifique o espírito da lei, em particular o do artigo n.º 78 E, relativo à dedução de encargos com imóveis.

De acordo com as edições de domingo do "Jornal de Notícias" e do "Diário de Notícias", em resposta a um pedido de informação vinculativa de um contribuinte, o Fisco concluiu que a transferência de crédito para outra entidade bancária corresponde à celebração de um novo contrato, penalizando por essa via os contribuintes que, tendo comprado casa até ao final de 2011, teriam direito a abater uma parcela de juros ao seu IRS.

Ernesto Pinto, fiscalista da Deco (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor), diz que os consumidores têm "todo o direito de continuar a deduzir os juros do encargo, porque o que está na origem de fazer a dedução foi a aquisição de uma determinada habitação".

Mesmo que tenha havido uma mudança transferência do crédito, "o título originário" é o "mesmo imóvel", sublinha o fiscalista da Deco.

Em 2012, foram alteradas as regras para essas deduções de juros e só têm direito os consumidores que contraíram crédito até ao final de 2011. Mas, em resposta a um pedido de informação vinculativa por parte de um contribuinte, o fisco terá considerado que ao transferir o crédito da casa para outro banco é como se tivesse sido celebrado um novo crédito e perdendo assim a possibilidade do deduzir juros no IRS, até ao limite de 296 euros.

Esta decisão do fisco é um "entrave à concorrência", segundo Ernesto Pinto. "Não vai permitir que os contribuintes mudem o seu crédito à habitação para uma outra instituição que tenha condições mais vantajosas, porque o contribuinte iria perder o benefício fiscal", explica.

O fiscalista apela ainda ao Governo que clarifique como os serviços da administração tributária devem agir nestas situações.

"Tem havido interpretação muito restritivas do que é a lei, algumas até inventivas, com o objectivo de beneficiar o erário público, porque os políticos têm despesa pública a mais e pressionam nesse sentido", analisa o também fiscalista Tiago Caiado Guerreiro.

A lei foi alterada durante a intervenção da "troika" e na governação de Passos Coelho. Para Tiago Caiado Guerreiro, este Governo "devia alterar esta situação, torná-la clara e deixar de beneficiar os bancos e o erário público com uma coisa que é claramente em prejuízo da confiança dos contribuintes".

Entre 2012 e 2015, diminuiu de forma assinalável o número de famílias a apresentar despesas da compra da casa na declaração de IRS mas, de acordo com o fiscalista Ernesto Pinto, da Deco, não têm chegado queixas de contribuintes à Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor.