Quem enterrou o lobby em Portugal?
Portugal já podia ter regulamentado o lobby em 2019. Ou em 2021.
Em 2015, o programa eleitoral do PS – com António Costa já no leme – indicava como objetivo a “regulação da atividade das organizações privadas que pretendem participar na definição e execução de políticas públicas, conhecida como lobbying”.
Porém, durante a legislatura da geringonça, nenhuma iniciativa (própria) saiu do papel.
Em 2016, o CDS-PP avançou com um diploma – que contou com o apoio do PS. O decreto n.º 311/XIII apenas foi a debate em 2019, todavia, e acabou vetado por Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente apontou “três lacunas essenciais”, em particular “o facto de o diploma não prever a sua aplicação ao Presidente da República”.
Somado a isto, contestou também “a total omissão quanto à declaração dos proventos recebidos pelo registado, pelo facto da representação de interesses” e o facto de a lei “não exigir a declaração, para efeitos de registo, de todos os interesses representados, mas apenas dos principais”.
À Renascença, Duarte Marques, antigo deputado do PSD, confessa que então ficou “surpreendido” com o bloqueio do Presidente da República. Marcelo deu argumentos “pouco profundos ou pelo menos pouco justificativos do que foi a sua posição”.
Então, o PS e CDS ainda tentaram emendar o diploma na Assembleia da República, mas as alterações nunca chegaram a ser aprovadas. Com as eleições legislativas de 6 de outubro de 2019, o regime para o lobby ficou pelo caminho.
Já em 2020, por iniciativa do PS (com o deputado Pedro Delgado Alves no leme do processo) e com o apoio do PAN e CDS, o tema regressou ao Parlamento. Dada a aritmética parlamentar, o projeto de lei 253/XIV/1 (já incluindo as emendas pedidas por Marcelo) tinha votos suficientes para passar.
No entanto, numa reviravolta de última hora, em novembro de 2021, na Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, o PS abandonou CDS e o PAN, juntou-se ao PSD e votou contra o diploma que ajudara a redigir.
“Um deputado do PS na altura, que não vou nomear, disse: ‘Quando os deuses [Rio e Costa] se juntam, normalmente dá asneira.’ Alguma coisa não correu bem. Neste caso concreto, deixou-nos a todos que queriam regulamentar a representação de interesses bastante desiludidos”, conta Duarte Marques.
Na época, o PSD era liderado por Rui Rio. E o líder social-democrata acreditava que a lei do lobby “atrapalhava, dificultava a capacidade de trabalho do Governo”.
“Um argumento legítimo, mas que não faz qualquer sentido. Até porque a experiência veio-nos dizer que a transparência tem como primeira vantagem separar o trigo do joio. Aquilo o que é tráfico de influências da representação legítima de interesses. E por outro lado criando possibilidades de acesso diferentes aos mesmos decisores”, argumenta Duarte Marques.
Cecília Meireles recusa a tese de que foram “circunstâncias conjunturais” – o fim de legislatura em 2019, o veto de Marcelo Rebelo de Sousa – que embargaram o diploma do lobby até hoje. “Se não, mal as legislaturas tivessem reiniciado, ter-se-ia avançado com isso. Acho que houve falta de vontade, sobretudo do partido que ultimamente tem maioria absoluta. Há uma natural falta de vontade”, atira.
E acrescenta ainda: “Acho que também há aqui uma questão geracional. Quem é mais velho vê a atividade com maior desconfiança e acha que não é esse o meio de fazer as coisas. E os mais jovens têm menos tolerância a um certo modo de fazer coisas, de quem conhece quem, que tem uma certa tradição em Portugal. E acho que as gerações mais novas são mais intolerantes em relação a isso. E bem.”
Por sua vez, João Simão recorda que a vontade política quanto ao tema do lobby nunca foi “unânime. E ainda hoje continua a não ser”.
Por exemplo: o Bloco de Esquerda e o PCP, “continuam a assumir-se contra a regulamentação da atividade”, mesmo após ser conhecida a investigação da Operação Influencer.
“A falta de regulamentação da atividade atualmente acaba por ser, por um lado, um misto de falta de vontade política, mas uma falta de vontade política que é, sobretudo, contextual. Tanto que, se não fosse a Operação Influencer, tenho sérias dúvidas de que todos os partidos que já anunciaram que vão apresentar propostas no sentido de regulamentar, o estivessem a fazer agora ou sequer o fizessem”, afirma.