Praça dos Restauradores, 10 de abril. Passam poucos minutos das 15h30. Esmeralda e Ana Arruda aterraram em Lisboa há menos de 24 horas. Voaram de Dartmouth, nos Estados Unidos da América, acompanhadas pelos maridos, com um único propósito: estarem presentes na antestreia do filme “Revolução (sem) Sangue”, realizado por Rui Pedro Sousa, no cinema São Jorge.
O filme, adaptado do livro “Esquecidos em Abril”, exuma um capítulo pouco conhecido da história da revolução: a morte de cinco pessoas (quatro civis e um funcionário da polícia política) na Rua António Maria Cardoso, junto à sede da PIDE/DGS, já depois de Marcello Caetano ter sido retirado do quartel do Carmo.
As expectativas de Esmeralda e Ana são, por isso, elevadas. Para as duas emigrantes portuguesas (já reformadas), naturais da ilha de São Miguel, Açores, o filme é mais do que uma reconstituição histórica. São Irmãs de João Arruda, uma das vítimas, e encaram o momento como uma recuperação da memória. E uma tentativa de justiça póstuma.
“Por nós [família], o João nunca será esquecido. Infelizmente, pelo Governo português, foi completamente esquecido. Ainda hoje muitas pessoas não acreditam que houve mortos no 25 de Abril. Mas infelizmente houve. E o João foi um deles”, diz Esmeralda.
Passadas cinco décadas do dia “inicial inteiro e limpo”, como grafou Sophia, a ideia de que o 25 de Abril foi uma revolução sem sangue – como o título do filme ironiza – ainda persiste. Seja em manuais escolares ou em discursos políticos, é rara a menção às vítimas.
“Quando há as celebrações de Abril, a Presidência da República nunca, nunca menciona as vítimas. Eu vejo sempre. Mesmo quando trabalhava, gravava. Até hoje não houve ninguém da presidência que dissesse qualquer coisa sobre as vítimas. Nunca mencionam as vítimas. Para nós é um insulto. Para as vítimas de Abril é um insulto”, diz Esmeralda.
João Arruda, 20 anos, frequentava o curso de Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Tinha consciência política, participava em ações contra o Estado Novo, distribuía panfletos do PCP e MRPP. No espírito, era um revolucionário.
“O sonho dele era um Portugal livre, ele sonhava com o 25 de Abril”, garante Esmeralda.
O jovem açoriano provinha de uma família extensa (um de 13 irmãos), pobre e humilde. Frequentou o seminário de Angra do Heroísmo. Com 18 anos, veio para o continente estudar, ainda com o intuito de ser padre. Passou pela Universidade Católica de Braga, mas acabou por fugir ao sacerdócio.
Mais preocupado com política do que com religião, João mudou-se para Lisboa.
“Tinha medo da inteligência dele, porque ia além da idade dele. Confiava nele, mas tinha muito medo das coisas que ele fazia. Quando viajava [até aos Açores], dos livros [políticos] que trazia – que era tudo proibido. Mas éramos muito unidos. Ele era muito amigo das irmãs”, recorda Ana.