Guitarrista Ângelo Freire ama a guitarra, mas "alimenta-se mais do canto"

"Se um dia eu te disser" é o primeiro disco em que Ângelo Freire se estreia a cantar e a tocar. O guitarrista que já tocou com Ana Moura, Marisa e agora acompanha Sara Correia na guitarra portuguesa escreveu as letras de muitos fados que gravou. O disco nasceu na pandemia, e é lançado dia 16 de novembro.

10 nov, 2023 - 22:02 • Maria João Costa



Ângelo Freire criou "um disco dedicado ao amor". Foto: DR
Ângelo Freire criou "um disco dedicado ao amor". Foto: DR

Admite que não vai deixar de tocar guitarra portuguesa, mas atualmente Ângelo Freire anda com “mais vontade de cantar”. O resultado está no disco “Se um dia eu te disser”, que lançará no próximo dia 16 de novembro.

Em entrevista ao Ensaio Geral, da Renascença, o guitarrista, que desde os 14 anos acompanha nomes grandes do fado como Ana Moura e Marisa, diz que fez “um disco dedicado ao amor”. A história deste álbum começou a germinar durante a pandemia. O isolamento foi criativo para Ângelo Freire que percebeu que as histórias que tinha para contar, não interessavam só a si.

Agora que acompanha na guitarra portuguesa a Sara Correia, Ângelo Freire diz que se irá dividir entre esse trabalho e o de lançamento do disco. Para trás na memória está aquele que foi o seu primeiro álbum gravado. Tinha apenas 12 anos e a voz ainda não tinha mudado. Agora, quase 20 anos depois, lança um novo disco que apresentará em concerto dia 2 de dezembro no Salão Preto e Prata, do Casino do Estoril.

Como surgiu este disco "Se um dia eu te disser" que vai lançar a 16 de novembro?

Este disco em específico não estava pensado, mas eu já andava a pensar num disco há muitos anos, só que nunca tinha encontrado o conceito e a forma que fizesse jus às coisas que eu ia sentindo ao longo destes anos. Durante a pandemia, foram-me surgindo algumas melodias com características muito específicas. Até eu concluir que essas características tinham a ver com os fados tradicionais.

O que carateriza esses fados tradicionais?

Uma das principais características é não terem refrão. Os fados tradicionais têm uma estrutura melódica e harmónica que é sempre a mesma do início ao fim do tema. Ao ir mostrando isto ao Diogo Clemente, que foi um grande parceiro na construção deste disco, ele ia-me enviando alguns poemas para eu fazer músicas, porque me estava a sentir inspirado. Ele disse-me: “Eh pá, se estás a sentir-te inspirado, então vou enviar-te aqui umas coisas”. E foram nascendo as músicas.

Depois, naturalmente, houve músicas que foram sofrendo alterações poéticas, portanto meti outras letras nas mesmas músicas, isso tem a ver também com o nosso estado emocional. O disco foi todo composto mais ou menos durante a pandemia e, no ano passado, fui para o estúdio e gravei-o. Portanto, este é um disco que serve de homenagem aos fados tradicionais e aos guitarristas e fadistas.

Esse é o seu território, o do fado tradicional?

É, mas não é o meu único território. São, sem dúvida, as minhas raízes.

A pandemia foi, de facto, um terreno fértil para muitos artistas. O isolamento do processo de criação juntou-se ao isolamento obrigatório. Isso forçou a criação?

Acho que também teve a ver com isso, porque costuma-se dizer que nós compomos e escrevemos quando o nosso estado emocional está instável. Realmente durante a pandemia foi toda essa instabilidade que nos permitiu a criar. Por um lado, infelizmente, mas por outro lado, felizmente, porque através dessa instabilidade nascem obras, nascem discos, nascem canções, nascem poemas. Talvez tenha sido isso o principal motivo para que eu me sentisse mais criativo nessa altura.

Este é um disco em que toca e canta?

Eu toco neste disco. Estou a tocar a guitarra portuguesa, que é o meu instrumento principal. Estou a tocar também, viola de fado e alguns poemas também são meus, e estou a cantar naturalmente.

Cantar é um passo que para si faz sentido? É como completar o círculo do fado para quem toca guitarra portuguesa?

Eu já escrevo há uns anos, só que eu nunca estive muito habituado a revelar ao público as coisas que escrevia ou compunha. Por vezes, considerava bastante pessoais as coisas que escrevia. Grande parte delas são histórias que vivi ao longo dos anos.

É um disco dedicado ao amor, portanto, são histórias de amor, basicamente. Mas eu nunca me senti muito confortável, portanto, isto foi realmente um passo importante também, porque finalmente percebi que as coisas que nós compomos e escrevemos não são para ficar na gaveta. As coisas que nós escrevemos e compomos têm significados diferentes para as pessoas que ouvem. Para mim, podem ter um significado, e para as pessoas que ouvem pode ter o outro, bom ou mau, não importa, a arte é mesmo assim.

Até aqui a voz da guitarra portuguesa chegava?

Durante muitos anos chegou. Eu comecei este meu caminho primeiro a cantar, quando era mais pequeno. Comecei a cantar com sete ou oito anos. E logo a seguir é que comecei a tocar guitarra. E nunca larguei o meu lado de fadista.

Eu gravei um disco com 12 anos, e ali dos 13 para os 14 anos iniciei a mudança de voz, se calhar um bocadinho cedo demais, mas fez com que me afastasse um bocadinho do canto, mas não deixei.

Por consequência, dediquei-me bastante à guitarra e investi bastante na guitarra portuguesa, o que me abriu portas para que os outros me ouvissem. E muito cedo, com 14 anos, comecei a tocar com a Ana Moura, e depois com 17 com a Marisa e depois os últimos 12 anos com a Ana Moura, novamente, e agora com a Sara Correia, e no meio disso, houve outras vozes. Carlos do Carmo, Camané, o Ricardo Ribeiro, portanto, houve imensos fadistas para quem muito jovem, comecei a tocar.

Isso criou um destaque muito grande enquanto guitarrista, e a parte de cantor foi-se mantendo em segundo plano, mas nunca meti a possibilidade de deixar de cantar por causa da guitarra. Nestes seis últimos anos senti muito mais vontade de cantar, do que propriamente tocar instrumentais que, se calhar, era aquilo que as pessoas estavam à espera era que lançasse um disco de instrumentais, de guitarradas.

Só que eu tenho vindo a ter mais vontade de cantar, do que de tocar. Sendo que acompanhar fadistas é uma coisa que me alimenta muito e alimenta qualquer guitarrista. Portanto, é uma coisa que eu também não pretendo deixar de fazer.

Mas não vai deixar a guitarra portuguesa?

Não vou deixar de tocar, nunca. Mas nada disto quer dizer que eu, brevemente, não pense num disco de instrumentais, mas não é algo que me alimente, para já, musicalmente. Alimenta-me mais o canto, a composição e a escrita, e exorcizar isso através do canto, do que propriamente tocar instrumentais.

Que caminho fará este disco? Tem concertos marcados? Consegue conciliar isso também com outros concertos, com outros fadistas?

Vamos tentar. Neste momento, estou com a Sara Correia. Mas o meu objetivo é meter este disco na estrada. Eu já tenho um concerto marcado, que é o concerto de apresentação do disco, dia 2 de dezembro, no Salão Preto e Prata do Casino Estoril. E pronto a partir daí, é construir um caminho para este disco. Talvez, fazer concertos em auditórios em Portugal e depois, se tudo correr bem, levá-lo para o estrangeiro e tentar, dessa forma, conciliar com os outros artistas. Vamos tentar.