25 jun, 2021 - 07:47 • Fábio Monteiro
O orçamento para a construção de uma moradia básica – três quartos, duas casas de banho, rasteira -, até dezembro do ano passado, era um; a falta de mão-de-obra podia complicar o calendário de execução, mas o montante seguia, mais ou menos, a média dos anos anteriores. Tudo mudou, porém, desde o início de 2021. O aumento dos preços das matérias-primas, devido à pandemia, desatualizou quase todos os orçamentos, deixando empresas do setor da construção civil asfixiadas.
Porquê? Bem, os valores orçamentados no início do ano não chegam agora para cobrir as despesas. E, em muitos casos, não há margem para renegociar.
“Começa a ser complicado. Ou a gente tem que parar as obras ou começa a perder muito dinheiro porque há coisas que aumentaram 50%”, conta Armando Magalhães, gestor da empresa de construção civil STARCASA, à Renascença. “Com as margens que a gente costuma trabalhar, no mínimo dá aí 30 ou 35% de prejuízo”, acrescenta.
Apesar de a China já ter anunciado que ia “desbloquear” o fornecimento na semana passada, para combater a inflação, o setor a construção não sente ainda mudanças. Armando já sente o mercado a mudar. “Já há pessoas que recorrem a nós porque há empresas que abandonaram as obras, empresas que pedem adjudicações altas e deixam a obra ao meio, o dinheiro acaba e não terminam as obras, abandonam as obras”, revela.
A conjuntura “é péssima” e muitos clientes parecem estar agora a acordar para um pesadelo a fazer lembrar a crise do subprime (2007 e 2008). “A maior parte das pessoas fazem empréstimos a contar com um determinado valor e agora não conseguem mais. Muita gente não vai conseguir. Vai ficar outra vez muita coisa no mercado como foi em 2008 e 2009”, aponta Armando Magalhães.
Para as empresas de construção, a situação também tem vários espinhos. “Ou a gente acaba a obra e perde dinheiro, e vamos segurando o pessoal a trabalhar, ou então temos que começar a mandar pessoal para casa e não acabar as obras”, diz o gestor da STARCASA. De forma a evitar o pior cenário, Armando assume que, para já, com alguns clientes mais pequenos, “terá que se assumir o prejuízo”. “Não há volta a dar”, frisa.
Martinho Silva, gestor da Siltipom – Construções, Lda, atesta o cenário traçado por Armando: há prejuízos no horizonte. “Vou começar a sentir nas obras que tenho agora a seguir. Nas anteriores, foi sendo diluído. O orçamento teve capacidade de diluir esse aumento de preços e não foi imputado ao dono de obra”, diz.
Por causa de uma obra “ajustada” em setembro do ano passado, Martinho já teve que conversar com o proprietário. “Foi falado com o dono de obra que eventualmente teriam que ser revistos alguns preços, porque os preços estavam a subir.” Martinho teve “sorte” de o cliente estar a par das flutuações do mercado.
A margem de lucro “tem de ser muito boa” para “se conseguir chegar ao fim e ainda sobrar alguma coisa”, avisa.
Até ao início de 2021, um orçamento da Diagonal, empresa de construção civil com sede no Cartaxo, tinha, por regra, a validade de três meses. Desta forma, um condomínio que quisesse pintar o prédio, por exemplo, tinha tempo para avaliar a proposta, fazer comparações, e conseguir o consentimento de todos os moradores. O aumento de preços dos materiais de construção, contudo, obrigou a Diagonal mudar o procedimento.
“A gente tem colocado uma validade em todos os orçamentos de 15 dias. Então, a gente tem avisado aos clientes também”, conta Pablo Moura, 31 anos, sócio-gerente da empresa Diagonal, em declarações à Renascença. Neste momento, só assim consegue “fazer contas” aos valores que terá de despender por obra.
Pablo, que mora em Portugal há três anos, dá o exemplo da flutuação de preços na remodelação de fechadas. “As tintas da CIN subiram 7% no último mês. Nós tivemos orçamentos que fizemos dois, três meses atrás, e que estão recebendo resposta de edificação agora. Orçamentos que foram feitos em abril, maio, e que estão a ser aceites agora e que a gente está a ter que rever os preços com o cliente, ter que fazer um reajuste na faixa dos 10%”, conta.
Alguns clientes, sem surpresa, ao receberem a notícia que os orçamentos têm de ser revistos não ficam contentes. E os próprios fornecedores andam de nervos em franja. “Uma quinzena está um valor, noutra quinzena está outro. Até os próprios fornecedores que estão a ficar sem cara para dizer que teve outro aumento”, diz o empresário.
Nos últimos meses, Martinho Silva, da Siltipom – Construções, Lda., adotou uma política ainda mais restritiva que a da Diagonal. Com a equipa de trabalho com o calendário preenchido, só está a aceitar dar orçamentos para depois de setembro ou outubro, momento em que espera que os preços já tenham descido e estabilizado.
Há pouco tempo, um cliente insistiu e pediu à mesma um orçamento. “Se quiser realmente o orçamento, eu não lhe vou dar até setembro, outubro, porque primeiro tenho que ver se as coisas vão continuar neste ritmo ou não, porque não vale a pena estar a dar-lhe um orçamento. Até porque a possibilidade de execução de obra seria no próximo ano. Não vale a pena estar a dar um orçamento para que tenha que ser revisto dali por dois ou três meses”, respondeu Martinho Silva.
O cliente “não gostou muito da conversa”. Mas o empresário diz que não podia fazer muito mais. “Estou a ver se isto passa, se normaliza. Não estou a dar orçamentos, nem sei como é que os hei de dar, porque eu dou um orçamento hoje e digo: ‘sim senhora tem validade de 15 dias’. Daqui por 15 dias os preços podem estar dez ou 15% mais caros do que aquilo que estava a dar naquela altura”, explica.
A economia quer arrancar, mas o travão de mão cont(...)