Miguel Sousa Tavares e os incêndios. “Tive vergonha de ser português"
20-10-2017 - 21:29
 • Maria João Costa

Escritor é o homenageado do “Escritaria” e o entrevistado do “Ensaio Geral”.

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Em entrevista ao “Ensaio Geral”, da Renascença, Miguel Sousa Tavares fala da actualidade e de como sentiu vergonha de ser português na sequência dos fogos que atingiram o país e defende benefícios fiscais para quem queira ir viver para o interior do país.

No seu trabalho como comentador tem uma exigência diária, lê muito. Perante a actualidade sente o dever de dar um olhar diferente, distante?

Tento fazer. Tento situar-me como comentador tanto no “Expresso” como na SIC num registo que não seja o da política de todos os dias, a pequena política. Eu nunca estive envolvido na politica, a politica partidária não me interessa. A mim o que me interessa é a substância da política. Como é que Portugal vai enfrentar o problema dos incêndios? Se de facto vamos mudar de paradigma de abordagem ou não. Interessa-me as ideias, não me interessa a conjuntura dos dias. O que me interessa é perceber se Marcelo e Costa, um de cada vez ou os dois ao mesmo tempo, se coincidem ou não no diagnóstico que é preciso fazer pela floresta e prevenção de incêndios.

Há uma oportunidade para Portugal em fazer essa reflexão, mas também passar à acção?

É mais do que uma oportunidade. É uma obrigação. Nós fomos enxovalhados aos olhos do mundo. Quem tenha lido a imprensa estrangeira nestes dias tinha vergonha de ser português. Eu tive vergonha de ser português. Portanto, não é uma oportunidade. É uma obrigação! Ou nós enfrentamos o lobby das celuloses ou continuamos - políticos, governantes, autarcas e jornalistas - a sermos comprados por eles e vermos o país a arder.

Mas o que diz a uma população do interior que tem num eucaliptal a sua única fonte de rendimento?

Essa é a armadilha das celuloses. Dizem: “Tens aqui dois hectares, isto não rende nada, já não fazes agricultura, se puseres eucalipto dentro de 5, 6 anos estás a vender-me a madeira e, se correr bem, tu ganhaste dinheiro mas se correu mal ardeu tudo... não te pagamos um tostão. É um problema cultural, muito profundo, mas leiam o que o arquitecto Ribeiro Teles disse há 41 anos. Ele disse tudo o que ia acontecer. É um mestre do pensamento que eu tenho. Aquele homem tinha razão e ninguém o ouviu. Lembra-se dele falar das hortas comunitárias urbanas? Hoje em dia é um sucesso. Ele disse que construímos auto-estradas em vez de plantarmos e que os espanhóis iam aproveitar as estradas para trazerem os produtos deles... tudo aconteceu! Quando falo em mudança de paradigma é o país que tem de voltar a ocupar o seu interior. Não pode ser só para fazer urbanizações para viverem os velhos da Europa reformados e campos de golfe. Temos de ocupar o interior. Quando despovoamos aquilo que levou anos a povoar, estamos a regredir séculos. Ou ocupamos o interior e pagamos por isso, em vez de dar privilégios todos os funcionários públicos que querem estar em Lisboa ou no Porto, pagamos para as pessoas estarem no interior por via fiscal ou então desistimos do país.

Leia aqui a segunda parte da entrevista sobre o seu lado de escritor.