Militares em tarefas civis
06-08-2021 - 06:13

A Tunísia, única democracia que sobreviveu à “Primavera Árabe”, está em crise política. Em parte porque os militares tunisinos não souberam gerir a vacinação contra a Covid-19. Em Portugal, pelo contrário, a intervenção do vice-almirante Gouveia e Melo nesse processo é um importante êxito.

A Tunísia, onde começou há 11 anos a “Primavera Árabe”, era, até há pouco tempo, a única democracia que sobreviveu a essa “primavera”. Agora, porém, a Tunísia enfrenta uma crise constitucional suscetível de pôr em causa a democracia.

O Presidente tunisino, Kais Saied, suspendeu a Constituição, demitiu o primeiro-ministro e parece disposto a acolher algumas regras pouco consentâneas com a democracia representativa, em particular limitando a intervenção dos partidos.

Um dos fatores na origem desta deriva foi o forte crescimento das infeções pelo novo coronavírus na Tunísia.

O Presidente entregou às forças armadas do país a tarefa de vacinar a população, mas os militares falharam e o caos instalou-se, multiplicando-se os protestos.

Por cá, é geralmente reconhecido que foi feliz a nomeação do Vice-Almirante Gouveia e Melo para, com a sua equipa, conduzir o processo de vacinação. Este militar, um “fuzileiro dos submarinos”, trouxe racionalidade, ordem e eficácia a esse processo. E o vice-almirante mostrou saber comunicar com autoridade.

Note-se que o Vice-Almirante Gouveia e Melo nada teve a ver com a comunicação da Direção-Geral da Saúde sobre a vacinação dos jovens de 12 a 15 anos.

Uma desastrosa comunicação, que até ao fim de quase uma semana foi sucessivamente emendada e alterada, gerando confusão geral, confusão para a qual também contribuiu uma infeliz intervenção do Presidente da República, a partir do Brasil.

Parece haver quem se tenha sentido incomodado com o facto de o vice-almirante surgir habitualmente de uniforme “camuflado”. Não vejo qualquer motivo para incómodos. Trata-se de mais uma manifestação de autenticidade da parte de Gouveia e Melo, que não por acaso é adjunto para o planeamento e coordenação do Estado-Maior General das Forças Armadas.

Os militares portugueses deram-se mal quando se quiseram substituir aos políticos. Viu-se nos anos que se seguiram ao 28 de maio de 1926. E viu-se também no PREC (processo revolucionário em curso) depois do 25 de abril de 1974.

Felizmente, neste último caso, prevaleceu a sensatez dos militares que abriram caminho a uma democracia civilista em Portugal, sem tutelas militares. Assim, em 1982 foi extinto Conselho da Revolução.

Tal não significa, porém, que não se devam aproveitar os contributos que as Forças Armadas podem dar em tarefas não especificamente militares – como é patente no processo de vacinação e deverá sê-lo na proteção e combate contra incêndios florestais, por exemplo.

Não digo que, em Portugal, se deva ir tão longe como acontece no México. Aí, o presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO, como é conhecido), um civil, entregou aos militares mexicanos a construção e gestão de vias-férreas, bem como de portos, alfândegas, hospitais, etc.

O semanário “The Economist” apontou recentemente como principal motivo para AMLO envolver militares em tantas tarefas civis o desejo de obter “resultados rápidos”.

Talvez, mas parece um exagero. Entre nós não há exageros. Apenas o sensato aproveitamento em tarefas civis das aptidões dos militares.