Presidente do Técnico invoca mortos da Covid-19 para criticar fraude dos alunos nos exames
31-01-2021 - 18:30
 • João Carlos Malta

Representantes dos alunos reagiram com desagrado nas redes sociais, e há uma carta aberta ao presidente da instituição com fortes críticas ao sistema de ensino naquele instituto. "Não me parece adequado incitar ao terror como forma de combater a fraude", lê-se na petição com mais de três mil assinaturas na internet. Presidente da instituição ameaça com suspensão até cinco anos para os prevaricadores.

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A alegada prática de fraude de alguns alunos do Instituto Superior Técnico (IST), na época de exames que está a decorrer e termina em meados de fevereiro, levou o presidente da instituição a escrever um e-mail a criticar o comportamento irregular dos estudantes, invocando as mortes de Covid-19 no país, o esforço dos profissionais de saúde e os portugueses que estão a perder o trabalho, para enquadrar a especial censura de quem subverte as regras.

Os alunos, através da Associação de Estudantes do IST, já declaram não se reverem “na forma e no contexto como o comunicado foi apresentado”, transmitindo, na opinião destes, “uma imagem de uma responsabilidade unilateral”.

Mas há também uma petição a decorrer na internet, com mais de três mil assinaturas, em que uma aluna escreve uma carta aberta ao presidente Rogério Colaço. Nesse texto critica as palavras do líder do IST: “Referir não só os constrangimentos financeiros que a população em geral está a sentir e esforço dos profissionais de saúde, como também o luto das famílias pelos que a pandemia levou como forma de incitar ao exercício das capacidades morais dos alunos não me parece nem justo, nem ético”.

O período de confinamento a que o país está sujeito, fez com que as avaliações deixassem de ter condições para serem presenciais e tivessem de passar a fazer-se com recurso a meios digitais. A alteração está a levantar questões em relação às condições em que as mesmas avaliações são feitas, bem como à justiça e veracidade dos resultados.

A mensagem

Mas regressando ao comunicado do presidente do IST aos alunos, enviado a 29 de janeiro, a que a Renascença teve acesso, Rogério Colaço escreve a “toda a comunidade”.

Em três pontos, enquadra a comunicação. Neles diz que:

- “no momento em que, a cada dia que passa, centenas de famílias choram o luto de quem parte inesperadamente”;

- “no momento em que milhares de profissionais de saúde tombam de cansaço físico e psicológico para ajudar quem deles precisa”;

- “no momento em que centenas de milhares de portugueses ficam no limiar da subsistência por perderem os seus rendimentos”;

Deste contexto passa para a condenação de “quaisquer comportamentos que visem obter benefícios em proveito próprio tirando partido desta situação”. Os mesmos, defende, “são inaceitáveis”.

De seguida, escreve que “naquilo que respeita às circunstâncias em que passou a decorrer o atual período de avaliações em curso, devido ao momento dramático que o país atravessa, qualquer tentativa de fraude em avaliações será inquirida considerando todas as circunstâncias agravantes especiais da responsabilidade disciplinar”.

E termina a escrever que quem for apanhado nesta ilegalidade pode incorrer “até à pena máxima prevista no Regulamento disciplinar dos estudantes da Universidade de Lisboa, ou seja à “interdição da frequência da Universidade (…) até 5 anos”.

Estudantes reprovam presidente

Em resposta, a Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico (AEIST) afirma, em comunicado, que converge com o presidente do IST na necessidade de garantir a qualidade de avaliação, mas não se revêm no contexto como o comunicado foi apresentado.

Os alunos escrevem que a adaptação aos meios de avaliação online é fundamental para o sucesso e credibilidade do ensino no IST. “Reconhecemos também todos os problemas e dificuldades relacionados com esta transição, quer para o corpo docente quer para os alunos, nomeadamente a níveis de prazos, comunicação, proteção de integridade académica e adaptação dos métodos de ensino e avaliação”.

Ainda assim, alertam que são “visíveis casos de sucesso e várias unidades curriculares, casos estes que devem ser analisados e vistos como exemplo para a adaptação das restantes.”

Os estudantes dizem que vão comunicar aos órgãos de gestão do IST uma proposta para uma avaliação “justa, honesta e transversal, nunca pondo em causa o desempenho dos estudantes e os seus direitos”.

No fim do comunicado, é convocada uma Assembleia Geral de Alunos Extraordinária, “com o propósito de ouvir estudantes e definir uma posição perante a situação atual”.

Em redes sociais como o Twitter o tema está a ser amplamente discutido pelos alunos.

Noutra vertente, e sobre esta mesma polémica, está a decorrer uma petição pública, com uma carta aberta ao presidente do IST.

Revolta na internet

Escrita por alguém que se intitula de aluna da instituição, e já subscrita por mais de três mil pessoas, a petição começa por dizer: “Venho por este meio não só condenar o passado email recebido a 29 de Janeiro de 2021 relativo à fraude que se observa na nossa instituição”.

Na missiva, há críticas ao tom usado pelo líder do IST como também em relação à qualidade do ensino naquela instituição, e à falta de medidas que adaptassem aquele instituto ao ensino à distância e aos exames online.

“Devia-se ter preparado melhor toda esta situação. A polémica ronda em torno das avaliações, que, passando para online, dão azo a fraude e a dualidades de critérios entre as disciplinas. Mas questionemo-nos: será assim tão diferente do caso presencial? Um aluno que comete fraude em casa não cometerá fraude na faculdade? E a verdadeira questão é: Porque é que o aluno comete fraude, acima de tudo? Os alunos com a maiores médias do país? Será porque todos são vilões na história, ou será porque os métodos de avaliação estão, e sempre estiveram desadequados ao ensino providenciado pela instituição? Não desculpabilizo a fraude, os alunos devem mostrar os seus conhecimentos de uma forma limpa e rigorosa. Mas não estará o problema no facto dos conhecimentos não estarem a ser transmitidos?”, questiona.

Na mesma carta, refere que, “como aluna desta instituição há 5 anos, nunca esperei que o nosso líder atacasse os estudantes desta forma, acusando-os de beneficiar desta situação, como se o benefício fosse sequer possível num momento destes”.

A estudante diz ainda que “há alunos que não só estão a passar exatamente por essas três tragédias (morte de familiares, crise financeira e terem pais e irmãos a trabalhar como profissionais de saúde) como também estão a passar pela crise de ensino do IST. Para além de chorar os seus mortos, estão a trabalhar em quadruplicado porque os métodos de ensino não foram adequados, juntamente com os métodos de avaliação”.

E que, por isso, além de se preocuparem com os pais estarem sem salário há 10 meses, “estão também preocupados em passar às cadeiras, para não obrigar os pais a pagar mais um ano de propinas”.

“Para além de verem os seus familiares e amigos irem para a linha da frente lutar contra a pandemia, estão preocupados com a incerteza de como o semestre vai acontecer e as repercussões que terá nas suas teses, mestrados e carreiras. Não me parece adequado incitar ao terror como forma de combater a fraude. A melhor forma de combate é a prevenção e é isso que me leva ao próximo tópico: alteração dos métodos de avaliação e ensino”, remata.

[notícia corrigida - presidente do Técnico e não reitor, como inicialmente foi referido]