O preço da popularidade dos abacates num Algarve em seca
14-10-2020 - 09:00
 • Catarina Demony com Miguel Pereira e Rafael Marchante, agência Reuters

"Um desastre vai acontecer em breve", diz Mónica Viana, presidente da Regenerarte, uma associação ambientalista anti-monoculturas. "As alterações climáticas estão muito presentes e o Algarve não é exceção. Não queremos que as plantações de abacate continuem a expandir-se."

Como muitos dos britânicos a viver em Portugal, Richard Alan mudou-se para o Algarve assim que se reformou. Comprou uma quinta, casou com o amor da vida dele e plantou uma horta. Depois, começou a ficar sem água.

Alan e alguns ambientalistas culpam a produção de acabate, que registou um "boom" em anos recentes, por varrer um recurso já de si escasso, no contexto da seca na região, provocada pelas alterações climáticas.

Os abacateiros consomem quatro vezes mais água que as tradicionais laranjeiras do Algarve. Neste momento, os campos de produção de abacate cobrem cerca de 1.600 hectares do Algarve, quase o dobro da área que ocupavam em 2018.

Não muito longe da quinta de Alan, na vila de Barão de São João, nos arredores de Lagos, 200 hectares de campos de abacates sugam entre 3.5 e 4.1 milhões de litros de água por dia, dependendo da estação do ano.

"Tenho a certeza de que os lençóis freáticos ou estão a ir todos para os abacates ou então já evaporaram", diz Alan, que aos 74 anos recolhe água da chuva no telhado, nas raras ocasiões em que a chuva ali cai.

O poço do britânico está quase seco e a paisagem à volta da sua propriedade está ressequida.

"As pessoas vivem nesta zona porque querem estar perto da natureza. Mas sem água não há natureza", lembra Alan.

A cerca de 16 quilómetros de onde estamos, a barragem da Bravura, uma das principais barragens da região, está a 18% da sua capacidade, o nível mais baixo registado atualmente em Portugal. Num relatório recente, a comissão que monitoriza a seca na região já tinha revelado que as barragens do Algarve só têm água armazenada para aguentar até ao final do ano.

"Um desastre vai acontecer em breve", diz Mónica Viana, presidente da Regenerarte, uma associação ambientalista anti-monoculturas. "As alterações climáticas estão muito presentes e o Algarve não é exceção. Não queremos que as plantações de abacate continuem a expandir-se."

Pessoas como Viana defendem que aqueles que querem dedicar-se à agricultura devem optar por cultivar produtos endémicos da região, como as azeitonas, a alfarroba ou o sobreiro.

"Quando os abacates deixarem de ter o preço que têm agora, estas propriedades vão ser abandonadas, mas o seu impacto vai ficar", defende o advogado Rui Amores, especializado em Direito do Ambiente.

Os que produzem abacate na região reconhecem que há falta de água e alguns, para além de recorrerem a métodos que consomem menos água, já pediram ao Governo que intervenha.

"Ouro verde"

Usado em tostas, batidos e outras iguarias, o abacate tornou-se popular em anos recentes no mundo inteiro.

Em Lisboa, o restaurante Avocado House serve uma variedade de pratos a uma clientela sobretudo jovem que procura refeições saudáveis que possam ser fotografadas para o Instragram.

"Sinto que estas novas gerações estão completamente rendidas à comida saudável e o acabate está incluído", diz o dono do restaurante, Rui Barata. Mas não é só isso. Os abacates são altamente lucrativos.

Os agricultores vendem atualmente um quilo de laranjas por cerca de 50 cêntimos, enquanto um quilo de abacates tem um preço médio a rondar os 2.20 euros, de acordo com números da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve. Não só isso, como os preços de produção também são mais baixos no caso do abacate, por precisar de menos controlo de pragas.

"O abacate está na moda, é 'ouro verde'", diz José Campos, um jovem produtor de abacates. Como mais de metade dos 110 produtores de abacateiros do Algarve, também ele trabalha com a Trops, a maior comerciante de abacates de Espanha, empresa à qual vende tudo o que produz.

À Reuters, o representante da Trops em Portugal, Duarte Pereira, diz que 2.500 toneladas de abacates foram exportados para Espanha em 2019, e daí para outras partes do mundo.

Antecipa-se que esse valor duplique este ano. Mas a falta de água no Algarve ameaça suspender os sonhos dos produtores de abacates mais cedo do que o esperado.

"Se a questão da água não for resolvida, não sei se estas plantações terão futuro no Algarve", admite José Campos, pedindo às autoridades competentes que implementem soluções no terreno, entre elas bombear água dos rios para as barragens.

Pedro Valdas Monteiro, diretor regional de Agricultura e Pescas do Algarve, diz que, apesar do potencial para expandir a produção de abacates, a falta de água já está a afastar alguns investidores.

Duarte Pereira, da Trops, diz que, para fazer face ao problema, os produtores de abacate já estão a usar técnicas de poupança de água, como a irrigação gota a gota.

"Muitos dos nossos produtores são agricultores que sabem que a água é inestimável", diz o empresário. "Sem ela perde-se tudo isto."