Rui Moreira acusa Governo e Presidente da República de promoverem o imobilismo
20-07-2022 - 07:00
 • Susana Madureira Martins (Renascença), Margarida Gomes (Público)

Em entrevista ao programa "Hora da Verdade", da Renascença e do jornal "Público", o presidente da Câmara do Porto fala de um país "anquilosado", no qual todos recusam fazer "ruturas". O autarca adverte: "Sempre que o país começa a chegar a estes momentos, acaba sempre num pronunciamento militar."

O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, acusa o Governo e o Presidente da República de promoverem o imobilismo no país.

No momento do debate sobre o estado da Nação, Rui Moreira deteta no país um "imobilismo" que impede a resolução de problemas que estão identificados, de que são exemplo "uma crise séria a nível da saúde e uma crise séria a nível da justiça, seríissima".

"A maioria absoluta apoia-se exactamente nos modelos corporativos pré-existentes, ela fundamenta-se nisso, resulta disso mesmo, ou seja, resulta do imobilismo. E, como os nossos Governos resultam do imobilismo, isto não acontece. Por outro lado, a figura do senhor Presidente da República - e nós temos um Presidente da República particularmente popular - também, normalmente, não quer introduzir ruturas", aponta o autarca, numa passagem de uma entrevista ao programa "Hora da Verdade", da Renascença e do jornal "Público", que será divulgada na íntegra na quinta-feira.

Moreira considera que Portugal se revela cada vez mais "um país muito anquilosado" e adverte para as consequências deste tipo de quadro.

"Sempre que o país começa a chegar a estes momentos, acaba sempre num pronunciamento militar", alerta.

"Não é que eu queira que ele vá acontecer, nem vai acontecer, com certeza. Mas o facto é que nós nunca somos capazes de fazer transformações por nossa vontade", reforça.

Rui Moreira não acredite que a crise "desague" num pronunciamento", mas diz que "tudo isto fomenta, mais cedo ou mais tarde, o reaparecimento de focos populistas", se o país não for capaz de fazer mudanças.

Qual é o estado da Nação visto do Norte?

Para usar uma expressão do meu amigo professor Adriano Moreira, acho que nós estamos a ver um tempo de Estado exíguo, ou seja, o Estado, o Estado Social, nas suas várias funções, não é hoje capaz de desempenhar as suas tarefas na plenitude, não é capaz de ocupar o território e, portanto, aquilo que está a acontecer é que este Estado está a minguar nas suas competências.

Está-se a concentrar absolutamente na capital e, portanto, nós vivemos numa obsessão centralista em tudo, em tudo. Há uma verdadeira obsessão centralista e isso também tem impedido que haja transformações políticas. Nós não podemos ter partidos de índole regional. Nós não conseguimos alterar coisas que todos nós sabemos que têm de ser alteradas.

Veja bem a questão dos distritos. Os círculos eleitorais são por distrito. Já só há distritos para os círculos eleitorais e para futebol, já não há para mais nada. São as coisas que em Portugal não querem mudar. Quando nós, hoje, temos NUTS, temos NUTS 2, temos NUTS 3, fizemos todo este desenvolvimento. Ficámos todos agarrados a uma coisa que já não existe. Já não há governadores civis, os distritos já não existem a não ser para isto. E nós continuamos a votar desta maneira e, naturalmente, quando olhamos depois aos círculos eleitorais, olhamos aos círculos eleitorais do interior que elegem dois deputados.

É o caso de Portalegre, por exemplo...

Como é que uma pessoa de Portalegre se sente motivada para votar, se sabe que vão ser eleitos dois deputados? Qual é a influência que ele tem? Então, isto fará algum sentido? Portanto, acho que o país vive obcecado. É um país muito anquilosado. Sempre que o país começa a chegar a estes momentos, acaba sempre num pronunciamento militar. Não é que eu queira que ele vá acontecer, nem vai acontecer, com certeza. Mas o facto é que nós nunca somos capazes de fazer transformações por nossa vontade.

Agora há um governo de maioria absoluta, supostamente era possível fazer mudanças.

Mas essa maioria absoluta apoia-se exactamente nos modelos corporativos pré-existentes, ela fundamenta-se nisso, resulta disso mesmo, ou seja, resulta do imobilismo. E, como os nossos Governos resultam do imobilismo, isto não acontece. Por outro lado, a figura do senhor Presidente da República - e nós temos um Presidente da República particularmente popular - também, normalmente, não quer introduzir ruturas. Nós percebemos, que temos uma crise séria a nível da saúde e temos uma crise séria a nível da justiça, seríissima e isto é sempre identificado. Isto vai sendo dito, mas nunca é dito que 'já não pode ser e temos que mudar'. As coisas não mudam.

Houve um pacto para a Justiça...

E qual foi o resultado? Qual foi o resultado prático? Não há nenhum resultado prático. Os casos arrastam-se durante anos e anos e anos e anos. A mesma coisa relativamente à banca, aos fundos de resolução e tudo mais. Nós ainda não sabemos quanto vamos ter que pagar mais, mas já percebemos que nos vai sair do bolso.

Todos nós portugueses temos esta convicção e isto leva ao descrédito, ao descrédito da democracia, do sistema democrático e, por outro lado, fomenta, mais cedo ou mais tarde, o reaparecimento de focos populistas. Esses focos populistas foram um bocado abafados pela pandemia, porque se percebeu que a pandemia contribuiu para conter os populismos. Mas vai voltar se não formos capazes de fazer mudanças.