O socialista António Mendonça Mendes lamenta a declaração do primeiro-ministro, Luís Montenegro, e os termos em que a fez: “nem mais um cêntimo” para o acordo com as forças de segurança. Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, o deputado e membro do Secretariado Nacional do PS considera que “não abona muito” para que se chegue a uma posição negocial de poder fechar um entendimento. “É para atear fogo”, conclui.
Questionado sobre as razões para até agora não ter havido qualquer resposta do PS ao pedido do Livre para uma reunião pós-eleições europeias, o dirigente socialista responde que, “se entender que deve promover uma convergência à esquerda, o PS tomará a iniciativa e liderará esse processo”.
Sobre os estados gerais anunciados pelo líder do PS, o ex-secretário de estado Adjunto de António Costa diz que é preciso refletir sobre a estratégia do partido, admitindo que “reconquistar o eleitorado do centro deve ser um objetivo” e também sobre o eleitorado jovem. Mendonça Mendes admite que os socialistas têm “um problema de comunicação” com os mais jovens, parte do eleitorado que tem fugido ao partido.
As medidas que o Governo tem apresentado com alguma intensidade faz com que haja uma ideia de que o PS paralisou. Depois das cinco medidas praticamente aprovadas, quais são as próximas?
Eu não fico excessivamente impressionado com a apresentação desses pacotes por parte do Governo; é um clássico da comunicação [política]. Mas há uma diferença entre anunciar e fazer: praticamente nada está concretizado ao nível legislativo.
O suplemento para as forças de segurança faz parte desses anúncios que não têm consequência?
É um bom exemplo do que é a facilidade de anunciar e a dificuldade de governar. Não tenho a menor dúvida que as negociações com as forças de segurança são seguramente muito, muito difíceis. A declaração do primeiro-ministro e os termos em que a fez [“nem mais um cêntimo”] não abonam muito para que uma posição negocial de poder fechar o acordo. É para atear fogo. Mas espero sinceramente que chegue a acordo e que não coloque em causa o equilíbrio das nossas contas. Porque é que insisto com o equilíbrio das contas? Quando se chega a acordo com os professores, por exemplo, todos os outros funcionários públicos que estão em igual circunstância não podem ter um tratamento relativo diferente. E é para isso que não há dinheiro.
O PS também prometeu resolver a questão dos professores e queria a equiparação do subsídio entre as forças de segurança. Nas contas certas que o PS diz ter deixado há ou não dinheiro para estas coisas todas?
A questão das forças de segurança é muitíssimo mais complicada. Não tem só a ver com o valor, mas com a natureza do suplemento, das funções, com o que efetivamente se está a compensar. Sempre fui muito mais favorável a que se valorizassem os salários das forças de segurança do que centrar a discussão nos suplementos.
Aquele quase apelo do Chega a um cerco à Assembleia da República para esta quinta-feira é também gasolina na fogueira?
Acho isso inadmissível, e tenho a certeza de que as forças de segurança não são instrumentalizadas por qualquer partido político porque são elas que garantem o cumprimento do Estado de direito. Devem, dentro dos meios legais, reagir, protestar, mas confio que não respondem a esse apelo.
Como é que o PS vai votar nesta quinta-feira as propostas do Chega para as forças de segurança, nomeadamente a do aumento faseado do suplemento?
Teremos oportunidade de fazer a votação, mas há iniciativas de diferente natureza, umas de natureza legislativa, outros de projetos de resolução.
E a do suplemento?
Veremos. O secretário-geral do PS deu toda a margem ao primeiro-ministro para que fizesse as negociações com os vários grupos profissionais, e toda a abertura para viabilizar os instrumentos que no Parlamento fossem necessários para assegurar o sucesso da negociação.
Falou dos estados-gerais do Partido Socialista. Vai ser um reposicionamento do partido para reconquista do eleitorado do centro, dos jovens? Qual é o objetivo?
É muito importante que um partido como o PS esteja permanentemente em renovação dos seus quadros e da sua proposta política. Estivemos muitos anos seguidos no Governo, executámos toda uma estratégia que fizemos com a Agenda para a Década. É normal que nesta fase o PS faça um balanço e um exercício de perspetiva do que deve ser o país a médio prazo.
Reconquistar o eleitorado do centro deve ser um objetivo. E deve refletir sobre os jovens: hoje nós temos um problema de comunicação com os mais jovens que não tem a ver necessariamente com a utilização de plataformas de comunicação. A geração atual não tem uma perceção sobre como é que era este país há poucos anos, onde o Estado social era objetivamente fraco, as desigualdades eram muito elevadas. O PS tem de ser capaz de transmitir aos jovens o valor de um Estado social forte; é uma tarefa mais difícil, porque esta geração, felizmente, não viveu a privação de gerações anteriores.
Temos de procurar comunicar com estes jovens que estão mais disponíveis para ouvir soluções fáceis que os partidos populistas lhes vendem, ou partidos como a Iniciativa Liberal que tem uma visão mais simplista da vida pública.
O rótulo que Pedro Nuno Santos tem de líder esquerdista afugenta esse eleitorado?
Acho que esse rótulo é injusto. É uma caricatura que querem fazer ao secretário-geral do PS e que não corresponde àquilo que é a sua atuação como membro do Governo e o seu pensamento político. É alguém que está preparado, que tem uma grande experiência política e que está a construir o projeto político alternativo para o PS voltar ao Governo.
Falando em esquerda, o Livre há poucos dias apelou a uma grande coligação de esquerda para as autárquicas. Vê isso como algo que acrescenta ao PS ou sente que há uma colagem ao PS?
Quando o PS entender, e se entender, que deve promover uma convergência à esquerda, o PS tomará a iniciativa e liderará esse processo.
Mas reuniu com o Bloco para uma convergência de esquerda. Ao Livre não respondeu.
O PS tem uma boa relação com os partidos à sua esquerda. Uma coisa são reuniões, outra são eventuais convergências eleitorais cuja tradição não existe do ponto de vista eleitoral - mas que não vejo nenhum drama a que possam existir.
Mas responder ao Livre para falar sobre autárquicas, isso era dar um sinal ao eleitorado de que o PS quer estar à esquerda e que anularia aquele objetivo de chegar-se mais ao eleitorado do centro?
O PS não tem nenhum drama relativamente ao seu posicionamento ideológico, nenhum. É um partido de centro-esquerda e que consegue abarcar o eleitorado quer mais à esquerda, quer eleitorado ao centro. É assim desde Mário Soares, continuará a ser assim.
Há vantagem ou não de uma coligação autárquica à esquerda em Lisboa, por exemplo.
Não me vai levar a mal se eu reservar a minha opinião para o Secretariado Nacional. Mas posso dizer que a experiência de 1989 que o Dr. Jorge Sampaio inaugurou foi de sucesso.