O que devemos aprender com o surto de peste bubónica no Porto do século XIX?
21-12-2020 - 06:12
 • Inês Rocha , Rodrigo Machado (animação)

A crise sanitária vivida no Porto em 1899 foi, em muitas coisas, diferente daquela que vivemos hoje. Mas, em alguns aspetos, a história repete-se. Mergulhamos na história para encontrar um governo distante que tomou medidas tardias e desadequadas; o surgimento de uma crise asfixiante que aumentou a desconfiança perante as autoridades de saúde; e o aparecimento de teorias da conspiração, suportadas por alguns "médicos pela verdade" e amplificadas pelos jornais. A peste passou a ser uma "pestezinha" e Ricardo Jorge, médico municipal, um profeta da desgraça, que quase acabou linchado pela população.

Clique para ouvir a história da peste bubónica no Porto, em áudio (duração: 19 minutos).

David Pontes, diretor-adjunto do jornal Público e autor da tese "O cerco da peste no Porto", Henrique Barros, epidemiologista e presidente do Conselho Nacional de Saúde e Luís Graça, sociólogo e ex-professor da Escola Nacional de Saúde Pública, fazem um retrato da crise da peste bubónica no Porto, na viragem do século XIX para o século XX.

As fotografias, em baixo, cedidas pelo Centro Português de Fotografia, mostram o Porto de 1899 a braços com a crise sanitária.

As imagens, captadas pelo comerciante e fotógrafo amador Aurélio da Paz dos Reis, mostram a atuação das "brigadas de desinfeção" em casas e ilhas onde havia casos de peste bubónica.

Sem saber ao certo como se propagava a doença, uma das medidas tomadas por Ricardo Jorge passava pela queima de todo o recheio das casas com casos de peste.

Esta medida, extrema mas eficaz, foi uma das razões da revolta da população mais pobre, particularmente afetada pelo cerco sanitário.

O surto de peste bubónica na cidade do Porto registou 320 infetados e provocou 132 mortes. Números baixos, quando comparados com os surtos de peste registados na Idade Média - muito devido à intervenção rápida de Ricardo Jorge e à evolução das condições de higiene.

Os números baixos levaram a que a população encarasse esta como uma mera "pestezinha".

Há mesmo imagens que mostram as teorias da conspiração que circulavam na época. A próxima fotografia mostra uma montra na cidade do Porto, com Ricardo Jorge representado num boneco e frases que indicam que a peste seria uma “invenção” do médico, que à noite colocaria ratos nas sarjetas.

A teoria da conspiração pegou na fama do médico, que já vinha do passado: cerca de 11 anos antes, um folheto já acusava Ricardo de ter "a mania da peste".

Por parte dos comerciantes da cidade, a braços com uma crise sem precedentes, devido ao cerco sanitário imposto pelo governo da capital, a reação foi de revolta.

Ricardo Jorge tornou-se o "bode expiatório" dos problemas da população. Acabou por escapar ileso a uma tentativa de apedrejamento por um grupo de portuenses e rumou a Lisboa, onde liderou a reforma sanitária em Portugal no início do século XX.