Negacionistas podem tomar "teorias da conspiração como conhecimento científico legítimo"
12-08-2021 - 06:30
 • Joana Gonçalves

Niels Mede, investigador da Universidade de Zurique, dedicou os últimos anos ao estudo da comunicação de ciência e, mais recentemente, ao fenómeno do populismo científico. “Percebemos, surpreendentemente, que pessoas muito interessadas em ciência tendem a apresentar atitudes mais populistas perante a mesma”, revela em entrevista à Renascença.

Em tempos de crise e incerteza, as pessoas tendem a recorrer às instituições em que confiam. Mas, à medida que a tensão começa a diminuir, a empatia por estas instituições regressa a níveis pré-crise.

A este fenómeno, os académicos atribuem o nome de “Rally round the flag effect” [“efeito da união em torno da bandeira”, em tradução livre]. Esta é, precisamente, uma das hipóteses que pode ajudar a explicar a crescente desconfiança de alguns cidadãos perante os pareceres e orientações emitidos pelos especialistas sobre a Covid-19, em Portugal.

O que em tempos pareceu ser uma confiança inabalável nos peritos no combate à pandemia, deu recentemente lugar a um movimento de cada vez maior ceticismo em relação às mesmas figuras científicas. Para Niels Mede, investigador da Universidade de Zurique, esta tendência pode ser resultado de um processo de gestão de prioridades.

“Diferentes perceções e novas necessidades emergiram entre a população, ou parte dela, como por exemplo, uma necessidade de liberdade, em termos de mobilidade, de viajar, de regressar a restaurantes. Ou seja, novas necessidades tornaram-se mais importantes e a necessidade de segurança e orientação, que aumentou a confiança dos cidadãos na ciência no início da pandemia, agora diminuiu”, explica em entrevista à Renascença.

O académico suíço dedicou o último ano ao estudo do fenómeno do populismo científico e procurou saber se as pessoas que apresentam atitudes populistas perante a ciência têm, também, baixos níveis de confiança nas instituições científicas.

"O que descobrimos foi que, sim, há uma relação entre pouca confiança na ciência e atitudes populistas perante a mesma. Mas também encontramos pessoas que parecem confiar na ciência e que, ainda assim, apresentam atitudes populistas relativamente ao conhecimento científico", adianta.

Como se explica então que cidadãos que negam as orientações emitidas por especialistas sobre a Covid-19 afirmem confiar na ciência? Para Niels Mede, uma hipótese que merece ser investigada é a possibilidade de estas pessoas entenderem "teorias da conspiração como conhecimento científico legítimo e encararem os seus autores como especialistas igualmente legítimos".

Assim, esclarece o investigador, os negacionistas dirão "claro que confio na ciência, mas apenas na ciência correcta", que neste caso seriam "estas teorias da conspiração".

"É possível que um conspiracionista nos diga 'eu confio na ciência e no método científico, mas não confio naqueles que aplicam estes métodos, porque são orientados por motivos ideológicos enviesados'", acrescenta.

É por isso importante, defende Mede, que os cientistas "reflitam, também, sobre a forma como são percecionados - enquanto elitistas, assertivos, enquanto autoridade - pelo público em geral".

Aumentar a literacia científica e promover o diálogo ciência-sociedade são, igualmente, possíveis soluções apresentadas pelo investigador.