​Impasse nas negociações atrasa envio de militares portugueses para Cabo Delgado
18-03-2021 - 17:58
 • Ana Rodrigues

Militares portugueses vão treinar tropas moçambicanas para combate ao terrorismo em Cabo Delgado, só não se sabe quando.

Estava previsto para abril, segundo garantiu em dezembro do ano passado o ministro João Gomes Cravinho, quando visitou Moçambique, mas agora o Ministério da Defesa já não se quer comprometer com datas quanto ao envio de militares para aquele país.

Uma coisa é certa: serão enviados 60 efetivos, referiu à Renascença o Ministério da Defesa, em articulação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

O apoio português prometido por Cravinho e planeado pelo Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, almirante António Silva Ribeiro, que no início deste ano também foi ao terreno, será apenas “na área da formação e no âmbito do novo Programa-quadro de Cooperação no Domínio da Defesa (2021-2025), a ser assinado em breve pelos ministros da Defesa de Portugal e Moçambique”, refere o gabinete do ministro Gomes Cravinho, em resposta às perguntas enviadas pela Renascença.

Diz também o Ministério da Defesa que essa “cooperação será em várias áreas, como é o caso da formação e treino de unidades especiais do Exército e forças de fuzileiros da Marinha”.

Não haverá militares portugueses a combater lado a lado com as tropas moçambicanas, mas, segundo o Ministério da Defesa, “atendendo ao atual quadro, o esforço português será especificamente dirigido ao reforço da capacidade de combate ao terrorismo em Cabo Delgado”.


É ainda referido que “no pacote de formação militar está também incluído o apoio ao nível da capacidade de ligação entre meios terrestres e aéreos e o reforço do ensino em várias matérias, incluindo o contraterrorismo, os direitos humanos, a igualdade de género e a comunicação estratégica”.

Este será um apoio, no âmbito da cooperação bilateral, mas “Portugal quer também aproveitar a presidência portuguesa para promover o apoio da União Europeia a Moçambique”, acrescenta o Ministério da Defesa.

“Militares portugueses já lá deviam estar há muito tempo”

O apoio português a Moçambique, na área do treino e reforço do equipamento militar, tem vindo a ser negociado pelos dois países, mas, apesar da urgência, o acordo não tem sido fácil de alcançar.

Segundo fontes militares contactadas pela Renascença, os militares portugueses já lá deviam estar há muito tempo”, até porque, referem, “as forças moçambicanas estão mal treinadas e equipadas para operações de contrainsurgência, e o Governo moçambicano tem subvalorizado a gravidade do conflito”.

A opinião parece consensual. “O Governo moçambicano quer apoio militar e logístico, mas mostra pouca vontade de receber contingentes militares multinacionais”, acrescentam.

Uma guerra cada vez mais sangrenta

A guerra em Cabo Delgado começou com operações violentas e de pequena escala, no distrito de Mocímboa da Praia, e intensificou-se a partir de 2019, com a chegada de dezenas de combatentes jihadistas estrangeiros, tendo-se estendido a metade dos distritos, no Nordeste.

Dos cerca de 2,6 milhões de habitantes da província, 20% são hoje refugiados, exercendo pressão sobre as instituições existentes e sobre a capital, Pemba.

A violência é cada vez maior e algumas incursões sido reivindicadas pelo grupo jihadista Estado Islâmico. E enquanto se estudam apoios bilaterais ou ao nível da União Europeia, os ataques contra a população indefesa continuam e estão a provocar uma crise humanitária, sem precedentes no país.

A organização humanitária internacional Save the Children denunciou, esta semana, que há crianças a serem decapitadas na província moçambicana de Cabo Delgado.