Paulo Cafôfo. "Temos uma democracia áspera, mas a mudança na região é irreversível"
22-07-2021 - 06:00
 • Susana Madureira Martins (Renascença), Nuno Ribeiro (Público)

Depois da vitória do Funchal, o socialista tem já data marcada para conquistar o Governo regional: 2023. Paulo Cafôfo está convicto de que a maioria absoluta é possível mas admite que pode haver "convergência" com outros partidos, mas "não com todos e a todo o custo". Nas autárquicas de setembro, o objetivo é manter posições e reforçar a presença nalguns municípios.

Paulo Cafôfo, ex-autarca independente no Funchal e atual dirigente regional do PS, fala de “democracia áspera” e de falta de liberdade da iniciativa privada. E não tem dúvidas de que os interesses dos partidos que formam o atual executivo da região estão à frente dos interesses da Madeira.

Nas últimas legislativas da Madeira, disse que “falta só um danoninho” para ganhar. Não ganhou, mas tirou a maioria absoluta ao PSD. Como vai ser nas autárquicas?

O ano de 2019 foi importantíssimo, porque pela primeira vez o PSD perdeu a maioria absoluta e o PS afirmou-se como alternativa credível a 45 anos de poder de um regime de quase partido único. Diria que temos uma democracia áspera. Falta um “danoninho”, mas a mudança na região é irreversível.

As autárquicas serão um sinal?

Hoje a maioria dos madeirenses é governada por câmaras do PS, o que é um sinal da confiança das pessoas na marca do PS no poder local e é importante para a mudança política na região. É importante mantermos as quatro câmaras que representam a maior parte da população.

Além do Funchal, que mais câmaras quer ganhar?

No Funchal, que o PS governa em coligação, temos todas as hipóteses de novamente vencer. O objectivo é reconquistar as câmaras PS: Machico, Porto Moniz e Ponta do Sol.

Conta com António Costa na campanha?

Tenho uma relação muito estreita com António Costa e o que neste momento se preconiza é que o Partido Socialista da Madeira, apesar do bom relacionamento com a direção nacional e com o secretário-geral, tem autonomia estatutária.

António Costa, como qualquer outro membro destacado do partido, é sempre bem-vindo à Madeira, mas o previsto é, com os meios e recursos locais, sairmos vitoriosos nas eleições de 26 de setembro.

Não está previsto António Costa vir à Madeira?

Para já, não está previsto. António Costa esteve recentemente na região, por duas vezes, no 10 de junho e na apresentação da sua moção estratégica, onde eu anunciei que vou apresentar uma moção sobre a autonomia, com um caderno reivindicativo de propostas para as quais quero um compromisso nacional para com o PS Madeira e com a região.

Quais são esses pontos?

Há matérias que necessitam de diálogo entre a República e a região. Não podemos continuar nesta dialética pouco favorável a entendimentos do Governo regional e do Governo da República.

Há uma guerrilha constante do Governo do PSD e do CDS em buscar conflitos para tirar dividendos partidários. Os interesses partidários do PSD e do CDS têm estado sempre à frente dos interesses da região.

Um fator, para mim decisivo, é a revisão da lei das Finanças das regiões autónomas. Precisamos de dar um passo na autonomia a começar pela lei das Finanças Regionais.

Em que sentido?

Alterarmos o quadro criado por Passos Coelho e Paulo Portas em 2015. O PS apresentou na Assembleia Regional uma proposta de alteração à Lei das Finanças Regionais, os restantes partidos acabaram, também, por apresentar proposta e conseguimos um consenso numa única proposta da região.

Está pronta para ser apresentada na Assembleia da República uma nova Lei das Finanças das regiões autónomas — e também é preciso um diálogo com a Assembleia Regional dos Açores.

Tem a garantia do que o PS nacional apoia?

A única garantia que tenho é a vontade do PS da Madeira que se impõe a qualquer outra vontade partidária, mesmo que da direção a nível nacional. Tenho tido conversas com António Costa e com a direção nacional, com Vasco Cordeiro… sabemos que é um caminho que não é fácil.

Porque o PS nacional discorda?

Não é a questão de o PS discordar. Se for ao PSD, se calhar discordarão ainda mais. Não há partido mais autonomista do que o PS e que mais ajudou a Madeira. O António Guterres pagou e limpou a dívida para, depois, o PSD fazer uma dívida histórica de mais de seis mil milhões de euros.

Na altura da intempérie do 20 de Fevereiro [2010], foi José Sócrates que ajudou a região. E está a ser agora António Costa, até na construção do novo hospital financiado a 50% pelo Governo da República. Diria que há condições para que haja vontade política.

Há um desafio do PS da Madeira ao PS nacional para aprovar esta lei?

Sou sempre pelo diálogo, sei que há muita pedra para partir, mas tenho a convicção de que o PS, partido que defende a autonomia, com certeza irá dar os passos seguros em matéria da Lei das Finanças Regionais, do Estatuto Político Administrativo e da revisão da Constituição.

Tudo isto é essencial para o reforço da autonomia que, na minha opinião, é o reforço da coesão nacional. É preciso que o país entenda que a autonomia da Madeira e dos Açores não é questão dos madeirenses ou açorianos, mas de todos os portugueses.

Há pouco ia dizer o rol de encargos da proposta do PS…

A alteração dos limites de endividamento. Com a pandemia, constatamos a necessidade das regiões se endividarem para fazerem face à situação social e económica. Mas esta alteração dos limites do endividamento seria só em circunstâncias específicas para não dar azo ao que aconteceu no passado — particularmente em situações de calamidade, de catástrofe, em que sejam necessários projetos de interesse comum que necessitem financiamentos e, também, para os fundos comunitários.

A fórmula de cálculo do Fundo de Coesão deve ser alterada em benefício das regiões. Há transferências do Orçamento de Estado, mas há a questão do Fundo de Coesão, para diminuir desigualdades e proporcionar coesão territorial. Hoje, esse cálculo é feito com indicadores desajustados e que não beneficiam a Madeira.

Que indicadores quer mudar?

O PIB e a influência que o Centro Internacional de Negócios tem para o cálculo das transferências do Fundo de Coesão.

Seria mais justo fixar um valor — por exemplo 50% da transferência do Orçamento de Estado para a região independentemente do PIB ou da riqueza gerada na região.

Seria mais justo porque há bloqueios estruturais, a insularidade e a ultra-periferia, que são crónicos, pelo que teremos sempre de necessitar de compensação.

Vão começar as negociações do OE e BE e PCP têm pedido o fim da zona franca da Madeira. É possível dar resposta positiva aos parceiros da esquerda?

O Centro Internacional de Negócios é visto sempre como de interesse da Madeira, mas é de interesse do país. Outros países têm praças financeiras e não faria sentido criarmos obstáculos ou acabarmos com o Centro. Foi criado nos anos 80, é muito relevante para a economia da região, não só através das mais-valias, os serviços que presta, seja na zona franca industrial ou no registo internacional de navios que está no top três europeu. Proporcionou receitas importantes, em 2020 foram 108 milhões de euros.

Um estudo da Universidade Católica de 2019 calcula que contribui com 400 milhões de euros para o PIB da região e cria cerca de seis mil postos de trabalho. É suficientemente relevante para o queremos manter. Cerca de 70% do próprio IRC da região é do Centro Internacional de Negócios.

O Governo regional tem culpas pela forma como a credibilidade do Centro tem sido afetada. Em 2017, houve um ajuste direto a dez anos para uma empresa do grupo Pestana, SDM, para a sua gestão. Foi alvo de um processo de infração da Comissão Europeia, foi reprovado pelo Tribunal de Contas, na assembleia regional criámos uma comissão, e o DCIAP e a PJ estão a averiguar o que terá acontecido, porque mete também negócios privados do presidente do Governo regional, particularmente uma quinta que tinha, e que levantou suspeitas tornadas públicas.

Na minha opinião, o Centro pode e deve ser otimizado além do aspeto fiscal. Numa diversificação da economia se estes instrumentos forem alocados a investimento produtivo, por exemplo na economia do mar.

O Tribunal Europeu rejeitou um pedido cautelar do Ministério das Finanças para travar a devolução das vantagens fiscais da zona franca. Pode ser um desincentivo aos investimentos?

Há esse perigo. Esta situação da concessão e ajuste direto veio só agravar. As ajudas estatais europeias [ao Centro Internacional de Negócios] têm de ter um benefício local, na criação de postos de trabalho e de rendimentos na região. Há diversas formas de interpretação sobre a criação de postos de trabalho de forma directa, por isso a Comissão Europeia levantou esse processo.

É verdade que o Governo português foi derrotado no tribunal, mas esperemos que a diplomacia e os argumentos possam reverter a posição. Uma coisa é certa, o Governo português esteve ao lado da Madeira na defesa do Centro Internacional de Negócios. São receitas que se não vierem para a Madeira vão para outros centros estrangeiros.

A Madeira pode ter o “Dia da Libertação”, como o Reino Unido, aliviando as restrições por causa da Covid-19?

Com toda a frontalidade, não sei responder. Precisamos de uma democracia muito mais amadurecida na Madeira. Ao contrário do continente, em que o Governo reúne com especialistas, partidos e outras instituições, na Madeira o presidente do Governo e o Governo regional nunca ouviram a oposição para pedir opinião ou dar informação técnica. O que espero, a breve trecho, é que possamos regressar a alguma normalidade.

A Madeira tem sido uma das regiões mais fustigadas pela pandemia, temos uma fragilidade muito grande na nossa economia e somos muito dependentes do turismo, que representa 26% do PIB e 17% do emprego.

Não temos turismo a mais, o que temos é economia a menos e, numa situação pandémica, o turismo foi mais afetado: de março de 2020 até fevereiro de 2021, perdeu 78% das suas dormidas; neste último mês de maio, tivemos relativamente a 2019, menos 30% das dormidas.

A alternativa para a Madeira é 2023?

É 2023. Sou professor de carreira, a política apareceu quase por acaso na minha vida, é um ato de cidadania no qual estou comprometido. O projeto político é o de mudar a minha terra. Vamos com 45 anos de autonomia, temos uma autonomia aprisionada a um Governo regional que governa para um partido, agora dois, mas não para os madeirenses.

É verdade que a Madeira se desenvolveu, mas esta economia criou desigualdades. Se por um lado, se construíram grandes riquezas, por outro lado criaram-se pobres. A Madeira tinha em 2019, antes da pandemia, 81 mil pessoas em risco de pobreza, um em cada três madeirenses.

O salário mínimo regional representa 88,4% do rendimento médio das pessoas que trabalham. Ou seja, mesmo tendo trabalho, não se consegue ter uma vida digna.

Falta à Madeira que a iniciativa privada esteja liberta do poder político. Há uma rede clientelar, de interesses, que impede a região avançar e diversificar a economia criando riqueza para todos, e não só para os que dependem da cor do cartão partidário.

Em 2023 é possível derrotar o PSD e CDS?

É a minha missão e convicção. Este poder esgotou-se, as receitas utilizadas são sempre as do passado. Temos novos tempos, ultrapassarmos esta pandemia não pode significar voltar ao ponto de partida.

Está aberto a convergências com outros partidos?

Iniciei em 2013 um projeto inovador com uma coligação que venceu pela primeira vez a capital da Região Autónoma da Madeira. Repeti a dose em 2017 e, como presidente do PS, estive na base de um novo entendimento para a Câmara do Funchal nestas autárquicas.

É sempre nesse sentido?

Acredito na convergência, não com todos e a todo o custo. Há princípios inalienáveis: mais do que o poder, é o projeto que temos. Todos os que se reverem no nosso projeto, e que para ele contribuam.

Está a tirar o PSD e o CDS?

O CDS é um caso caricato na política regional. É um partido, tal como o PS, que esteve sempre do lado da mudança. Teve a oportunidade de a fazer em 2019, se se tivesse conjugado com o PS numa coligação.

Preferiu passar para o lado que sempre combateu, rendeu-se a troco de meia dúzia de tostões. É neste momento, um partido serviçal do PSD, que praticamente se apagou.

Os madeirenses não vão perdoar, porque a mudança já podia ter ocorrido em 2019 e não ocorreu por culpa do CDS.