"É assustador, posso sofrer danos irreversíveis". Após 24 dias em greve de fome, Luís Dias não desiste
02-06-2021 - 14:59
 • Sofia Freitas Moreira

Sem comer há mais de três semanas, Luís Dias sente-se cada vez mais fraco fisicamente, mas a mente continua disposta a ir até ao fim. O agricultor viu a vida virada do avesso e luta, há sete anos, para que tudo volte ao normal. O mais recente passo levou-o a cumprir uma greve de fome que já dura há 24 dias.

Vagaroso, com o passo cada vez mais incerto e o rosto marcado pela espera fatigada, Luís Dias cumpre uma greve de fome há 24 dias. A Renascença encontrou-o no jardim em frente ao Palácio de Belém, onde o empresário vai ficar até ter as respostas que exige.

A história já conta com sete anos de muitas voltas. Começou quando Luís, que estava em Inglaterra, se mudou com a então namorada, Maria José Santos, para Zebreira, em Idanha-a-Nova, distrito de Castelo Branco.

O casal regressou a Portugal e investiu tudo o que tinha numa quinta de produção de amoras, mas os problemas começaram desde o momento em que finalmente começavam a ter o negócio montado.

A primeira dificuldade surge com a demora do ProDer (Programa de Desenvolvimento Regional) em aprovar o projeto e com a exigência de uma garantia bancária sobre o valor completo do investimento. O casal teria de pagar três vezes mais e duplicar o valor do projeto.

Luís avançou com uma queixa ao Tribunal de Contas Europeu, que confirmou que houve má gestão dos fundos europeus e fraude por parte da Direção Regional de Agricultura e Pescas da Região Centro (DRAP Centro). Em 2017, foi apresentada uma queixa ao Ministério Público. A investigação ainda decorre, sem fim à vista.

A história ganhou novos e mais complicados contornos quando, em dezembro de 2017 e março de 2018, dois temporais distintos destruíram a quinta quase por completo.

Rebentou uma nova disputa com a DRAPC, que nega, desde aí, a aprovação da medida 6.2.2, que garante apoios de “reconstituição ou reposição das condições de produção das explorações agrícolas afetadas por calamidades naturais, acidentes climáticos adversos ou eventos catastróficos”, com o fim de conferir um regresso a uma atividade normal.

“A forma como estas pessoas se comportam é de uma desumanidade incrível”, desabafa Luís, enquanto se volta a sentar num dos banco do jardim, por já ter poucas forças para se manter de pé. A frustração é evidente quando questiona como é possível, “em sete anos, não ter havido um único processo disciplinar? Não aconteceu nada a ninguém.”

“Eles pretendem continuar a cobrir a corrupção à custa de nos destruírem a quinta, de destruírem as nossas vidas. Nós não temos qualquer esperança e, se assim é, o que é que me resta realmente?”, questiona.

“Cada dia pesa mais”

Com poucas ou nenhumas alternativas à vista, Luís fez a mala e partiu para Lisboa. A greve de fome começou há 24 dias e não sabe quando vai terminar. Das 8h às 19h, o empresário protesta no jardim em frente ao Palácio de Belém e, por ter perdido tudo o que tinha, é obrigado a dormir todas as noites no carro que se encontra a uma hora penosa de distância do jardim.

“Começa a ser muito complicado. Já fui três vezes ao hospital. É assustador, até porque tenho consciência de que daqui para a frente posso sofrer danos irreversíveis nos órgãos, mesmo que o governo recue e decida fazer aquilo que devia ter feito há anos, pode ser já demasiado tarde”.

Mantendo-se a água, multivitaminas, cálcio, magnésio e fósforo, Luís admite que hoje já se sente mais lento. “Cada dia pesa mais. Uma pessoa nem sabe bem o que pensar disto tudo, não era suposto isto acontecer”.

Ao terceiro dia de greve, foi chamado pela Presidência da República, para uma reunião presencial, mas o encontro não levou a grandes conclusões. Marcelo Rebelo de Sousa ainda chegou a passar pelo jardim para falar com Luís, mas desde aí, não voltou a ser contactado pelo chefe de Estado.

“O Presidente da República passou aqui, estava eu a dormitar na relva porque estava muito cansado. Falou qualquer coisa que eu não entendi, estava com máscara. Eu disse-lhe que era surdo, mas ele foi-se logo embora. Nem meio minuto esteve aqui”, relembra o empresário.

“Temos um processo-crime há quatro anos e meio. Tenho esperança que chegue a seu bom curso, mas, entretanto, o que é que fazemos? Temos um processo administrativo em tribunal, e os tribunais são muito lentos” queixa-se Luís, que ainda acusa o Ministério da Agricultura de litigar “descaradamente de má fé, com documentos falsificados e tudo, unicamente para nos empatar, para nos forçar a desistir”.

Mas Luís Dias está decidido em continuar a sua luta, apesar de cada dia custar mais do que o anterior. “Muitas pessoas perdem a cabeça, vão lá e resolvem as coisas pelas mãos. Eu não sou assim, até porque isso só ia fazer pior. Tive de vir protestar.”

Ministério diz que atraso no pagamento se deve a erro burocrático de Luís

Na terça-feira, o Ministério da Agricultura emitiu uma nota de esclarecimento sobre o caso de Luís Dias, em que lamenta a situação e afirma que continua “empenhado, como sempre tem estado, em encontrar soluções, dentro do quadro legal e comunitário vigente”.

Segundo o Ministério, a candidatura para restabelecimento do potencial produtivo da quinta, de acordo com a medida 6.2.2, só não foi aprovada, ainda, por um erro na documentação entregue por parte do empresário.

Luís já respondeu à nota, e acusa o Ministério de “distorcer factos verdadeiros para mentir descaradamente ao país.”

“De facto, foi efetivamente aprovada uma candidatura em outubro de 2019 para repor o potencial produtivo da nossa exploração agrícola. E de facto, como o próprio Governo reconhece, esse apoio nunca foi, até hoje, pago. (…) Só depois de enorme insistência, litigância judicial e da intervenção da Provedora da Justiça se conseguiu forçar o Governo a fazer o que lhe competia, abrindo a candidatura prevista no “quadro legal e comunitário vigente”. O atraso provocou um prejuízo de 1,75 milhões de euros”, lê-se na resposta do empresário enviada para o governo e para a comunicação social.

À Renascença, mostra-se frustrado com toda a situação e não entende como algo assim podia acontecer.

“Não é suposto um Estado mentir a um tribunal. Não é suposto o Estado falsificar documentos. Não é suposto o Estado andar sete anos a encobrir corrupção”.

Luís depositou as esperanças iniciais nos partidos e no Presidente da República, por achar que pelo menos estes podiam fazer alguma pressão sobre o Governo. “O único no Parlamento que até agora fez alguma coisa foi o PAN, a quem muito agradeço. Agora, os outros partidos sinceramente não entendo. Estamos aqui a lutar contra a corrupção e nenhum disse uma única palavra sobre o nosso caso”.

O caso de Luís já foi reconhecido pelo anterior ministro da Agricultura, pela procuradoria da Justiça e pela juíza do processo, mas ainda assim a situação parece não avançar.

“Não há qualquer perspetiva de quando vai fechar o processo crime. O processo administrativo é ainda pior, a perspetiva é demorar entre 10 e 15 anos, simplesmente porque é assim. A minha vida agora vai ser isso. Dez anos de miséria, só para o tribunal um dia reconhecer que o Ministério mentiu? Uma coisa que não devia acontecer”, sublinha.

Mesmo depois de 24 dias sem comer, três idas ao hospital e muitas noites mal dormidas no carro, Luís diz que não está pronto para desistir. “Estamos nisto há sete anos, fizemos tudo bem, não merecemos isto. Para termos chegado a este ponto, é porque não temos mesmo alternativa.”