China cria fascínio nos jovens e o número de estudantes de Mandarim cresce em Portugal
10-12-2020 - 07:33
 • João Carlos Malta (texto e fotos)

Este é apenas o sexto ano letivo em que as escolas públicas em Portugal têm a opção da língua chinesa, mas os números continuam a subir, ainda que representem uma pequena minoria. As dificuldades dos alunos portugueses, o crescimento de um idioma com grande potencial económico e o que acham os professores chineses das capacidades dos estudantes lusos. As histórias de uma nova geração que olha para a China com entusiasmo.

A quarentena de quase três meses no final do ano letivo passado colocou Gabriela à frente de um computador a descobrir o mundo. Os vídeos do Youtube, com séries e músicas, levaram a adolescente a querer saber mais sobre a China e a língua daquele país. Quando este ano entrou para o 10º ano tinha uma certeza, queria aprender Mandarim. E num ápice, a ideia de voar para o Oriente para lá estudar e viver já enche os sonhos desta jovem.

Gabriela é, aos 16 anos, uma das 493 alunas do ensino secundário em Portugal que escolheu, para segunda língua, o Mandarim. A introdução da língua chinesa nas escolas do país é ainda relativamente recente. A experiência entrou agora no sexto ano letivo e, em 2020/21, segundo os dados enviados pelo Ministério da Educação à Renascença, o número de estudantes voltou a crescer quase 20%, em relação ao ano anterior.

O projeto-piloto do ensino do Mandarim nas escolas secundárias enquadra-se no “Protocolo de Cooperação para o Ensino do Mandarim”, celebrado entre o Ministério da Educação e o Instituto Confúcio da China.

A adolescente escolheu a escola secundária Anselmo de Andrade, em Almada, justamente porque este é um dos 13 estabelecimentos de ensino que oferece a opção do Mandarim. “Pensei que ia ser um grande desafio, e está a ser um grande desafio”, reconhece Gabriela.

Para quem como ela está a começar, alerta que o Mandarim é, “sem dúvida, uma língua difícil de pronunciar”. Mas dá uma receita para facilitar o processo de aprendizagem. “A ver séries, comecei a ganhar um mini-vocabulário o que me começou a despertar interesse. A cultura deles é totalmente diferente, faz com que tenhamos uma perspetiva diferente da nossa”, assegura.

Abrir a escola ao mundo

O diretor daquela escola da margem sul, Carlos Almeida, afirma que esse foi mesmo o objetivo da instituição ao abraçar a disciplina em 2015. O responsável explica que já antes havia um conjunto de projetos europeus, como o Erasmus +, em que a escola detém um historial significativo com mais de 20 anos.

Era uma abertura da escola à Europa, faltava abrir ao mundo. Foi uma boa aposta, no sentido de fazer incursões ao Oriente”, identifica.

Carlos Almeida sublinha que a China, do ponto de vista económico, é uma potência. “Gostemos mais ou menos, é uma realidade. Abre um conjunto de portas, não só para o conhecimento da língua e da cultura chinesa − que é vasta e interessante”, define.

Foi o que Gabriela sentiu. As línguas europeias, com exceção do Inglês que “é fundamental”, já não a cativavam. “O Mandarim, apesar de toda a gente dizer que é muito difícil, temos de trabalhar muito, mas é compensador”, concretiza.

Agora que estão decorridos três meses de aulas garante que as mesmas são “muito divertidas”. Numa língua tonal, em que uma palavra dita com diferentes tons quer dizer coisas completamente diferentes, muitas das vezes geram-se situações hilariantes.

Depois da escola, o Instituto Confúcio

Já com dois anos de aprendizagem do Mandarim está Vasco, de 17 anos. Também ele estuda na Secundária Anselmo de Andrade. No ano passado, terminou o 11.º ano, e este ano decidiu continuar a estudar a língua chinesa. Para isso, todas as semanas desloca-se à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, para frequentar o curso no Instituto Confúcio.

Para Vasco, chegar ao ensino secundário e escolher Mandarim foi só uma consequência natural de um percurso que começou muito cedo. Desde pequeno que, segundo conta, o interesse pela cultura chinesa, pelas culturas asiáticas, sempre esteve presente.

O jovem concorda com Gabriela de que a primeira abordagem à língua até pode a ser um pouco stressante, mas é “muito divertida, quando lhe pegamos o jeito”. As boas notas, que obteve, tornaram a escolha muito gratificante.

Neste momento, há na secundária Anselmo Andrade 22 alunos a frequentar a disciplina de Mandarim. Segundo o diretor Carlos Almeida, o número tem sido estável com um ligeiro acréscimo. Isso esta correlacionado com o facto de “os nossos alunos terem muito bons resultados”.

A média dos exames nacionais do 11.º ano tem rondado os 17 valores. “Isso é atrativo para os que querem fazer o acesso à universidade com menos dificuldades”, refere.

As duas grandes dificuldades

Há pelo menos duas grandes dificuldades com que os alunos portugueses, e quem aprende o Mandarim, se deparam. Vasco sintetiza-as: o desenho e memorização dos caracteres e a dificuldade em acertar os tons sem praticar com nativos.

O aluno explica que em relação à escrita − o Mandarim não usa o alfabeto romano − há milhares de caracteres e “memorizá-los é difícil, sobretudo quando começamos a aprender”.

Às vezes parecem hieróglifos, mas, à medida que passa o tempo, começamos a habituar-nos e a perceber a lógica de alguns deles”, menciona. O truque para ultrapassar as dificuldades é o de os desenhar sem parar.

“É impossível conseguir sem praticar, sem ler textos, para que estejamos habituados a vê-los. Vivendo em Portugal é muito complicado ler ou ver textos num contexto diário. É importante praticar, ver e escrever”, enumera. Confessa que tira duas horas por semana só para o fazer.

Em relação à parte oral, Vasco considera-a ainda “mais complicada”, porque “para praticar precisamos de uma pessoa nativa na língua para nos poder corrigir”. E explica: “Se falarmos com outra pessoa que não é nativa, podemos falar tudo mal que eles não vão notar”.

Para ultrapassar este entrave, Vasco socorre-se dos colegas que conheceu na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. São estudantes chineses a aprender Português. “É uma oportunidade de fazer amizade com eles, eles praticam o Português connosco e nós o Chinês com eles. É bom para as duas partes”, conclui.

Gabriela ainda não está no Instituto Confúcio para conversar com locais, mas arranjou uma ferramenta de substituição. Através da aplicação de conversação “Tandem”, encontrou nativos que a ajudam a aprender a língua. “São professores e amigos ao mesmo tempo. Quando não consigo pronunciar uma palavra, vou perguntar lá”, afirma, entre sorrisos.

Professora chinesa desfaz-se em elogios

Yang Ruixia é a professora de mandarim daquela secundária em Almada. Ela que antes de vir para Portugal também esteve no Nepal a ensinar a língua, era professora universitária numa cidade perto de Pequim.

Em relação aos alunos portugueses desfaz-se em elogios. “Os meus alunos são muito bons, e têm uma paixão imensa pela língua”, começa por dizer.

Yang afirma que os estudantes nacionais “têm uma mente muito aberta”. Tem a noção de que se trata de “toda uma nova língua”, uma nova lógica, e que para os europeus é muito difícil aprendê-la. “Mas para eles tem sido muito fácil, aprendem muito facilmente a pronuncia. Apenas a escrita é mais difícil. Falam de forma muito fluente, é espetacular”, considera.

Para esta docente há pouco mais de um ano em Portugal, as diferenças entre o ensino em Portugal e na China são por demais evidentes. “Os portugueses são mais ativos na sala de aulas, gostam de fazer muitas perguntas, estão interessados, e querem sempre fazer questões sobre as dúvidas que têm. São coisas que adoro”, valoriza.

Os alunos que tem à sua frente querem saber tudo sobre a comida, a roupa, até sobre questões políticas, e ainda as novidades das grandes estrelas da cultura pop chinesa.

Pensam que na China todos fazem Kung Fu e Tai Chi, ontem falei sobre comidas chinesas e eles fizeram muitas questões. E perguntaram se vocês comem tudo, até os animais domésticos?”, recorda a sorrir.

Em oposição, na China, “a menos que eu lhes faça perguntas, os alunos não vão intervir”.

A professora chinesa gosta muito desta postura dos estudantes nacionais, porque “isto quer dizer que estão a pensar no que estão a aprender, e que querem perceber”. “Têm talento para explorar coisas novas”, afiança.

Mas há outras diferenças, sobretudo na aplicação ao estudo. “[Na China] Se lhes der trabalho de casa, eles fazem-no de forma muito diligente, mas em Portugal, se o faço, dizem-me que é um grande fardo. Tento organizar a turma para que não haja trabalhos de casa”, concretiza.

Começar a cativar os alunos ainda mais cedo

Apesar de a experiência do ensino do Mandarim ser positiva, a escolha da disciplina é ainda ultraminoritária naquela escola e também no país. A professora Eveline Monteiro, coordenadora do ensino do Mandarim na Secundária Anselmo de Andrade, desde o início do protocolo em 2015, defende que cinco anos de implementação para uma língua é pouco.

“Estamos ainda numa fase embrionária, uma língua exige um lastro considerável, não se sedimenta a alta velocidade”, explica. Por isso, pensa que o número de alunos está em consonância com o historial da língua no país.

Para mudar este panorama, o plano do diretor Carlos Almeida é atrair desde tenra idade os mais novos para o Mandarim. Para isso, a professora Yang visita as turmas das escolas do concelho a partir do 3.º ano, para aí efetivar o primeiro contacto com a língua. “Queremos plantar cedo para depois colher”, diz Almeida.

Até há bem pouco tempo esta era a única escola do distrito de Setúbal a dar a opção do Mandarim aos alunos, o que para a professora Evelina é uma mais-valia para a escola, porque permite aos alunos “entrar num outro mundo”.

A mesma docente levanta ainda o véu sobre as razões pelas quais os estudantes escolhem a disciplina. Todos os anos, a escola faz um inquérito aos alunos por volta de janeiro, para perceber o que os fez decidir aprender Mandarim e qual é o balanço que fazem da aprendizagem. “Uns dizem que é porque a língua é interessante, pelo desafio e pela curiosidade que levanta, mas também pelo impacto cultural que daí advém. Eles sublinham com muita clareza a importância económica da língua”, enfatiza.

Eveline Monteiro diz ainda que os alunos portugueses “são muito criativos”, e isso é “uma mais-valia reconhecida pelos professores de Mandarim”. Mas nem tudo é perfeito: “Não estão muito habituados a sistematizar e investir no trabalho com grande intensidade”. Esta professora garante que a disciplina e o método são as chaves do sucesso no Mandarim.

Na escola, Eveline faz a ponte com os professores que como Yang Ruixia chegam ao país. É todo um mundo novo em termos de práticas de ensino e de interpretação de documentos que desconhecem. Esta coordenadora faz, no entanto, elogios à qualidade destes docentes que são muito focados, sistematizam tudo, e acabam por encontrar estratégias que se favorecem os alunos.

São aulas muito diferentes, em que há leitura em voz alta, e os alunos repetem em coro até integrarem o tom”, explica.

Cinco anos

A professora Yang explica que, com os dois anos que fazem no secundário, estes alunos conseguem ter uma conversa simples, sobre coisas do dia-a-dia, os “hobbys”, a família, o desporto ou a meteorologia. A mesma acredita que ao final de cinco anos, estes estudantes podem ter já um bom conhecimento da língua chinesa. Nessa altura, afirma, podem mesmo candidatar-se às bolsas que o Estado chinês tem para financiar os estudos naquele país.

É exatamente o que pretende Vasco, aumentar o nível que tem do Mandarim. Os amigos ainda ficam muito curiosos quando diz que está a aprender esta língua, mas para ele é um passo no caminho que quer trilhar:” Gostava de um dia poder estudar lá, quem sabe viver. São planos para o futuro, gostava de estudar no estrangeiro sejam seis meses ou um ano. Só o futuro o dirá”, resume.

Também em direção ao Oriente se estende a ambição e os sonhos de Gabriela. “Viver na China sem dúvida que vai ser uma reviravolta na minha vida, vou-me esforçar ao máximo para poder ir para lá, para conseguir abrir ao máximo os meus horizontes”, remata.

Em Portugal há 493 alunos a aprender Mandarim que se distribuem, segundo o Ministério da Educação avança à Renascença, por 238 alunos no 10.º ano, 244 no 11.º ano e onze no 12.º ano.

As 13 escolas em que se pode aprender Mandarim no ensino público são: Escola Secundária Oliveira Júnior (São João da Madeira); Escola Secundária Carlos Amarante (Braga); Escola Básica e Secundária Dra. Manuela Gomes Almeida (Espinho); Escola Secundária D. Duarte (Coimbra); Escola Secundária Eng.º Acácio Calazans Duarte (Marinha Grande); Escola Secundária de Estarreja (Estarreja); Escola Secundária Adolfo Portela (Águeda); Escola Secundária D. Pedro V (Lisboa); Escola Básica e Secundária Reynaldo dos Santos (Vila Franca de Xira); Escola Básica e Secundária Anselmo de Andrade (Almada); Escola Secundária Cacilhas Tejo (Cacilhas); Escola Secundária D. Sancho II (Elvas); Escola Secundária Dra. Laura Ayres (Quarteira).