Sessão solene do 25 de abril no Parlamento? Recorde as vezes em que não se realizou
20-04-2020 - 20:12
 • Eunice Lourenço , Tiago Palma

Foram quatro as vezes: em 1983, 1992, 1993 e 2011.

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A celebração do 25 de Abril vai decorrer pela primeira vez sem ações de rua, devido ao surto da Covid-19, mas terá a sessão solene na Assembleia da República. Uma sessão solene que teve a sua primeira versão parlamentar em 1977 e que, desde então, já ocorreu quatro vezes fora do Parlamento.

A sessão que, tradicionalmente, assinala a Revolução dos Cravos no Parlamento não se realizou ali, na sala das sessões, em quatro ocasiões: em 1983, em 1992, em 1993 e em 2011.

Em 1983, não houve sessão parlamentar por haver eleições legislativas no próprio dia 25 de abril. Aliás tinham sido atos eleitorais a assinalar os primeiros aniversários da Revolução: em 1975 as eleições para a Assembleia Constituinte e no ano seguinte a primeiras eleições legislativas.

Também em 2011 não houve sessão solene no Parlamento devido ao calendário eleitoral: a Assembleia da República tinha sido dissolvida na sequência de demissão do segundo Governo Sócrates; o país estava mergulhado numa crise que tinha levado ao pedido de intervenção da troika. O então Presidente da República decidiu assinalar o aniversário da Revolução no Palácio de Belém e convidou os seus antecessores. Cavaco, Sampaio, Soares e Eanes juntaram-se e discursaram em Belém, num cerimónia que substituiu a sessão solene no Parlamento.

Já em 1992 e 1993 não houve sessão parlamentar por vontade de Mário Soares, então Presidente da República.

Em 1992, as comemorações oficiais do 25 de Abril foram transferidas para a zona de Belém, coincidindo a data com o início da Regata Colombo, uma decisão que causou polémica e que levou a que Soares fosse acusado de desrespeito ao Parlamento.

Lá, em Belém, tendo por fundo uma série de veleiros fundeados no Tejo e com milhares de pessoas a assistir, o então Presidente da República garantiria que a transferência das comemorações não foi uma decisão que visasse menorizar a celebração nem secundarizar o Parlamento – então de maioria social-democrata e tendo Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro –, mas serviria apenas para reaproximar os mais jovens (e foram muitos os presentes naquele sábado soalheiro à beira-rio) da importância da data.

“Os jovens de hoje, para quem a liberdade é tão natural como o ar que respiram, e que têm diante de si rasgados os horizontes do futuro, não terão por ventura a consciência clara da complexidade do processo político que nos conduziu até aqui, nem o que devem à coragem e ao patriotismo dos homens que fizeram a revolução de Abril. É bom que se interroguem sobre estas questões, que têm também a ver com o que somos e com o que queremos ser”, afirmaria Soares.

Também a 25 de Abril de 1992 ocorreriam duas comemorações mais da revolução, não oficiais, mas igualmente concorridas de gente, uma delas no Largo do Carmo, liderada pelo então autarca de Lisboa, Jorge Sampaio, e que pretendia homenagear Salgueiro Maia, um dos capitães de Abril, que morrera dias antes, a 4 de abril. Também naquele dia, no Pavilhão dos Desportos, em Lisboa, Francisco Costa Gomes, militar e ex-Presidente da República, recebeu o bastão de marechal entregue por Vasco Lourenço, outro dos operacionais da revolução e líder da Associação 25 de Abril, que organizou a cerimónia.

No ano seguinte, volta a ser por vontade de Soares que não há cerimónia parlamentar. O Presidente juntou-se o boicote dos jornalistas a todos os trabalhos parlamentares em protesto contra a limitação da circulação dos jornalistas no edifício de S. Bento. Mário Soares recebeu uma delegação de representantes dos jornalistas e, quando se aproximou o 25 de Abril, avisou o então presidente do Parlamento, Barbosa de Melo, que não iria participar na sessão. Sem Presidente, a conferencia de líderes acabou por decidir o cancelamento da sessão parlamentar.

Nesse ano, Soares decidiu assinalar o 25 de Abril com uma sessão em Braga, tendo no palco o D. Eurico Dias Nogueira, arcebispo primaz de Braga. Milhares de pessoas acorreram ao parque de exposições da cidade, onde foi inaugurado um monumento ao 25 de abril.

Desta vez, o Parlamento português, que está a funcionar em regime de “serviços mínimos” desde a instauração do estado de emergência em 19 de março, decidiu realizar a sessão, embora com apenas um terço dos deputados (77 dos 230) e também menos convidados, estimando os serviços a presença de cerca de 130 pessoas no hemiciclo, contra cerca de 800 na cerimónia do ano passado.

A realização da cerimónia evocativa da Revolução dos Cravos tem suscitado acesa polémica, sobretudo nas redes sociais e nos setores mais à direita da sociedade portuguesa, apesar de ter reunido a aprovação de partidos que representam mais de 90% dos votos saídos das últimas legislativas (PS, PSD, BE, PCP, PEV).

O Chega, único partido conotado com a extrema-direita no parlamento português, que conta apena com um deputado, criticou fortemente a sessão, bem como o líder do CDS, de direita, considerando "um péssimo exemplo para os portugueses" o Parlamento estar a realizar uma sessão numa altura em que se pede aos portugueses para se isolarem em casa, de modo a protegerem-se do contágio com o novo coronavírus.

Apesar da polémica, que preencheu mais as redes sociais do que as intervenções dos principais partidos, o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e os maiores partidos portugueses decidiram levar a sessão por diante, acertando os pormenores de logística com a Direção-Geral da Saúde.

Mas desta vez, se tudo correr como pediu o presidente da Associação 25 de Abril, as ações de rua serão substituídos por uma forma original de evocação: os portugueses confinados em casa à janela a cantarem a "Grândola Vila Morena", de Zeca Afonso, à hora que deveria começar o desfile na Avenida da Liberdade, em Lisboa (15h00).

Vasco Lourenço, um dos promotores do desfile anual, pediu às televisões e rádios portuguesas que façam o mesmo, passando a "Grândola Vila Morena" à hora que deveria iniciar-se o desfile de Lisboa.

Portugal registava na segunda-feira 735 mortos associados à Covid-19 em 20.863 casos confirmados de infeção, segundo o boletim diário da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a pandemia.

O país cumpre o terceiro período de 15 dias de estado de emergência, iniciado em 19 de março, e o decreto presidencial que prolongou a medida até 2 de maio prevê a possibilidade de uma "abertura gradual, faseada ou alternada de serviços, empresas ou estabelecimentos comerciais".