Duplicidade e facturas
21-05-2021 - 06:36


Em Portugal fica bem falar de descentralização do poder político. Mas, curiosamente, os partidos que se dizem mais acérrimos defensores da descentralização do poder do nível nacional para o nível regional são, ao mesmo tempo, os mais acérrimos campeões da centralização do poder na União Europeia, ou seja exigem cada vez mais transferências de poder do nível nacional para o nível europeu.

Um espaço político centralizado é aquele em que são impostas as mesmas políticas sobre realidades sociais muito diversas. Num espaço descentralizado, pelo contrário, as políticas são diferenciadas de acordo com a diversidade das situações. O que se tem verificado nas duas últimas décadas na União Europeia é um fortíssimo avanço da centralização.

Isto apesar da existência do princípio da subsidiariedade, que deveria travar a excessiva centralização mas que da maneira como está formulado, constitui, pelo contrário, um seu excelente apoio. Com efeito, quando estatui que as decisões só devem ser transferidas para o nível europeu quando elas podem ser melhor tomadas a este nível, o princípio esquece-se de responder à questão: melhor para quem? Para o todo da União, para todos e cada um dos estados, para a maioria destes, para a Alemanha? Daí abusos de centralização como a realização da moeda única, que dada a circunstância do espaço da União não ter as características de uma área monetária óptima leva a que as decisões sobre moeda a nível europeu sejam ineficientes e, para uma parte importante dos estados, piores do que se fossem tomadas a nível nacional.

Na realidade, o que está verdadeiramente em causa é a tentativa de esvaziar de funções os estados nação transferindo essas funções, consoante o caso, para o nível europeu ou para regiões e sub-regiões de forma a criar o homo europeus, cinzento, unidimensional na sua função de consumidor e desligado de qualquer comunidade nacional. O problema disto é que as nações reagem e fazem-no, infelizmente, de forma inaceitável e perigosa, através de movimentos xenófobos e extremistas.

E aqui está como a duplicidade nem sempre ajuda a política. Mais cedo ou mais tarde tem que se pagar a factura.