Restauração e hotelaria. “O pior que pode acontecer é reabrir e depois voltar atrás”
29-04-2020 - 15:40
 • João Carlos Malta

Os empresários destes setores estão muito preocupada com as condições de segurança em que vão reabrir, porque serão determinantes para voltar a ter a confiança dos clientes. Pedem ainda uma linha de crédito ao Governo para comprar máscaras, viseiras, e todos o material desinfetante. E querem isenções das autarquias em impostos para esplanadas e mais facilidade em licenciar.

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Numa altura em que o Governo estuda a reabertura do comércio e das empresas, e o respetivo calendário, o setor da hotelaria e da restauração está muito preocupado em relação à forma como ela ocorrerá. “O pior que pode acontecer é reabrir com as regras que o Governo vai determinar e depois voltar atrás”, disse esta quarta-feira o "número dois" da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP ), Carlos Moura, durante a Webinar − uma conferência através do canal do Youtube da associação em que quase duas mil pessoas ligadas ao setor participaram numa sessão de perguntas e respostas.

Carlos Moura referiu na abertura do evento que os profissionais daquelas atividades económicas estão desejosos “que a economia retome, em condições de segurança que gerem confiança”. Isto porque sem confiança, os restaurantes, os cafés, os hotéis e demais negócios da área do turismo não podem voltar a ter clientes. “Só haverá saúde das empresas com clientes e consumidores”, referiu.

Para isso suceder, os espaços de restauração terão de tomar novas medidas de segurança e reforçar as que já existem. Na lista de compras destes empresários estarão as máscaras, as luvas, as viseiras, o gel desinfetante, ou a cobertura do calçado, entre outros equipamentos de proteção individual (EPI). Mas numa altura em que muitas caixas registadoras estão a zeros, muitos não vão conseguir gerir mais uma despesa avultada.

Por isso, a AHRESP pede uma solução. “Terá de ser criada uma linha de apoio para a aquisição de EPIs”, afirmou o vice-presidente, Carlos Moura.

Mais à frente nesta sessão de esclarecimento aos empresários destes setores, a secretária-geral da AHRESP, Ana Jacinto, teve oportunidade para voltar ao tema para também ela pedir apoios à reabertura, uma vez que a mesma acontecerá em condições excecionais: sejam elas sob a forma de restrições, ou com menos receitas.

“Precisamos de apoio e ajuda e compra. Os EPIs são custos para as empresas que não têm receitas ou receitas muito reduzidas”, considerou aquela responsável.

Calma com as precipitações

Ainda assim, Jacinto pediu aos associados para não avançarem para a compra de acrílicos ou termómetros, uma vez que para já nada disso faz parte do Guia de Boas Práticas para as empresas, que a AHRESP está a ultimar com a Autoridade para as Condições do Trabalho, a Direção Geral da Saúde, o Turismo de Portugal e Governo.

Não façam nada, por enquanto, temos muitos empresários a comprar acrílicos e termómetros. São compras que não têm de fazer, não façam aquisições, nem compras desnecessárias”, reforçou a secretária-geral.

Em relação aos medidores de temperatura, alertou que é esta uma medida que ainda não foi legislada e que tem sido alvo de informação muito contraditória.

Em relação à taxa de ocupação dos espaços, muitos empresários demonstram grande preocupação porque dizem que não é viável reabrir com apenas um terço ou mesmo metade da lotação. Mas Ana Jacinto fez questão de explicar que a AHRESP não propôs nenhuma métrica ao executivo, e que a forma como será feita, na ótica da associação, deve ser adaptado por cada empresário e regulado pelo Governo.

Em relação a uma possível reabertura dos restaurantes, Jacinto remeteu para as informações que vão ser dadas pelo primeiro-ministro, António Costa, amanhã, quinta-feira. Mas deixou a certeza: ao contrário do que muitos restaurantes pensam, o novo abrir de portas não vai ocorrer no dia 3 de maio – tal como sucederá com o pequeno comércio, ou os cabeleireiros, e ainda não se sabe a data ao certo.

A mesma Ana Jacinto, mais à frente, pediu às autarquias – que referiu estarem a ser um parceiro importante dos empresários – que além das isenções de impostos e de rendas, e de taxas que as câmaras deixaram de cobrar (as contas da água são um deles), acrescente mais um apoio ao setor da restauração e cafés. As esplanadas, dadas as particularidades do Covid-19, podem ser um espaço interessante, segundo Jacinto, para as empresas trabalharem. Mas, para isso, “precisamos de facilidade das autarquias, e de isenção do pagamento de taxas”.

Míngua de crédito

A falta de acesso ao crédito continua a ser uma das grandes questões que este setor – um dos setores mais expostos a crise – enfrenta. Neste momento, os apoios financeiros são três: o lay-off, o crédito à banca e linha de microcrédito para microempresas.

Todos eles, segundo a associação, têm um problema: empurram a crise para a frente e não a resolvem. A AHRESP queria liquidez nas empresas a fundo perdido, e não soluções que aumentem o endividamento

“Se fosse assim, teríamos uma saída limpa da crise, mas com estas medidas vamos apenas estar a adiar o problema”, disse Jacinto.

“Há a necessidade de injetar dinheiro a fundo perdido nas empresas. Reconhecemos o mérito do Governo por ter respondido com algumas medidas, mas é insuficiente. Queremos uma intervenção mais robusta na Europa, para podermos aceder a este dinheiro a fundo perdido”, pede a secretária-geral da associação.

Lay-off é para continuar com este ou outro formato

Para a AHRESP, não há dúvidas de que o lay-off simplificado é para continuar mesmo depois dos três meses que estão previstos. “Há a necessidade de estender esta medida ou uma similar. A empresa quando reabrir não o vai fazer com o máximo da capacidade, nem vamos ter os mesmos clientes, nem as equipas trabalharem todas ao mesmo tempo”, enumera Ana Jacinto.

Ainda assim, e apesar de não irem usar a capacidade máxima, “os nossos colaboradores são nossos e temos de pagar”.

Aquela responsável alertou ainda os empresários do setor que se o motivo para requerer lay-off mudar de um mês para o outro, não podem pedir um prolongar daquele expediente, devem abrir um novo processo.

“A Segurança Social entende que é um novo pedido. Se o motivo de lay-off for diferente, é um novo requerimento, e o empresário pode mudar os colaboradores, pode acrescentar, pode mudar horários, mas tem sempre de preencher um novo formulário”, salienta.

Numa outra matéria, em relação ao pagamento de impostos ao estado, a AHRESP pede “flexibilização”, e alerta para ausência de medidas para as empresas que estavam num Plano Especial de Revitalização (PER), o que, acredita, “as irá matar”.

Setor em grandes dificuldades

A AHRESP tem mantido a monitorização das empresas do setor, através de sucessivos inquéritos, e o retrato é de empresários em agonia.

Se no final de março, um terço dos empresários respondeu à associação que não pagou os salários, o número deverá chegar aos 70% em abril, caso não recebam apoios do Estado.

No mesmo inquérito é descrito que a maioria das empresas 75% teve de encerrar, e que 77% não recorreu a apoios financeiros.

Em relação às vendas, oito em cada dez empresas que responderam ao questionário afirmam que vão faturar zero em abril e maio.