“Sinto muita necessidade de férias”. O drama dos cuidadores
16-03-2018 - 10:32
 • Olímpia Mairos

No dia em que o Parlamento debate a possibilidade de criar o Estatuto do Cuidador Informal, a Renascença foi a Chaves conhecer uma cuidadora que se dedica a tempo inteiro a uma tarefa que “é desgastante a nível físico e psicológico”.

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Cuidar de alguém 24 horas por dia, quase 365 dias por ano, é “exigente e muito desgastante”, diz Madalena Bandeira, 66 anos e cuidadora há sete. Tem à sua responsabilidade uma senhora com 73 anos, portadora de Alzheimer e Parkinson.

A rotina diária obedece a ritmos que não podem ser descurados: presença, atenção e cuidado permanente. “Logo de manhã dou-lhe banho, a medicação e o pequeno-almoço. Depois faço o almoço, arrumo a casa, vou às compras e, se ela estiver bem, ainda damos um pequeno passeio”, descreve.

“Com a medicação estou sempre preocupada, porque nada pode falhar, e tem que ser dada às horas certas”. À Renascença, admite: “É um trabalho desgastante, com grande sobrecarga ao nível físico e psíquico”.

Madalena tem marido, filhos e netos, mas passa praticamente as 24 horas na casa da vizinha que cuida. “Se me ausento por uma hora, já estou em cuidados”, confidencia.

A cada ano, não se ausenta “mais de uma ou duas vezes e por um dia”. E quando assim é, pede a alguém “com responsabilidade” que a substitua.

Assumiu a tarefa “por caridade”, mas os “primeiros tempos foram muito difíceis”. “Custou-me muito a habituar. Tive que ir a um psicólogo para aguentar. Tive que me tratar, porque, de outra forma, não conseguia. Mas a senhora precisava porque não tinha ninguém”, recorda.

Madalena habituou-se a cuidar, mas por vezes experimenta a “exaustão”, perde a “paciência” e sente necessidade de tempo para descansar, para estar com a família e para mudar de ares.

“Sinto muita necessidade de férias. E acho que deviam ser férias duas vezes por ano, dez dias de cada vez, para descansar e poder ajudar melhor, depois”, diz, lamentando a impossibilidade para o fazer.

Estima-se que em Portugal existam mais de 800 mil cuidadores informais.

Parlamento debate Estatuto do Cuidador Informal

Os deputados da Assembleia da República vão discutir os projetos do Bloco de Esquerda, do PCP, do CDS e do PAN.

Um dos diplomas mais abrangentes é o do BE, que propõe “consagrar o reconhecimento do Estatuto do Cuidador Informal”, dada a “escassez” de cuidados formais e “poucas respostas de apoio” a pessoas que cuidam em casa de idosos, de indivíduos com demência ou doenças crónicas e de crianças com patologias graves.

Os bloquistas defendem que os “cuidadores informais tenham direito a quatro dias de descanso mensais e a 11 dias seguidos de férias, sendo reconhecidos e integrados na rede nacional de cuidados integrados”.

O projeto prevê também a “prestação de apoio domiciliário durante as folgas do cuidador ou, em alternativa, a estadia de curta duração em unidades de internamento”.

O Parlamento irá apreciar ainda uma petição em defesa da criação do Estatuto do Cuidador Informal da Pessoa com Alzheimer e outras demências ou patologias neurodegenerativas.

A petição, que reuniu 14.000 assinaturas, solicita, entre outras medidas, “o devido reconhecimento social e jurídico dos cuidadores, o direito a uma redução do seu horário laboral em 50%, sem perda de vencimento, o apoio de terceira pessoa na assistência ao cuidador e o direito a uma pensão de sobrevivência mensal após a morte do doente”.

Os responsáveis por esta petição e outros cuidadores marcarão presença nas escadarias do Parlamento.