A magia do luto
30-07-2021 - 09:40

Quando toda a gente já sabe no NY Times, Jean Didion quer evitar que a notícia chegue ao LA Times; é como se fosse possível mantê-lo vivo na diferença horária entre os fusos horários da costa leste e da costa oeste. Isto não é loucura ou infantilidade, é poesia.

“O Ano do Pensamento Mágico”, de Joan Didion, é um livro notável sobre o luto, isto é, sobre a resistência do espírito humano ao absurdo da morte. Não é um romance, é um pedaço de memória: Joan Didion, uma das grandes jornalistas americanas do último meio século, conta aqui a maneira como lidou com a morte do marido, também jornalista e argumentista, John Dunne.

"A viuvez é um buraco no centro da cabeça”, diz Daniel Faria algures. O tal pensamento mágico de Didion é uma resposta a este buraco, é uma cisterna poética de derrama água sobre o vazio, sobre o nada. Mas o que é, afinal, este pensamento mágico? À primeira vista, parece ridículo e ilógico, ou infantil. Mas não é ilógico colocar um ramo de flores na campa de um pai, filho ou marido? Qual é a eficácia de um buquê de flores na mármore fria do túmulo? Não há eficácia, porque não se trata de eficácia ou lógica, mas de amor e resistência do espírito. Como dizia Chesterton, os manicómios estão cheios de pessoas absolutamente lógicas que não compreendem o porquê de uma flor oferecida a um morto.

Mas em que consiste o pensamento mágico de Didion? Por exemplo, recusa ler os obituários de John. Ela consegue lidar com a palavra “autópsia”, mas não consegue lidar com a ideia do “obituário”, o que mostra como a caneta pode ser mais forte do que o bisturí. Didion não quer ler a confirmação final; se não ler, pode fingir ou imaginar que ele ainda está vivo, ainda vai aparecer ali em casa. Quando toda a gente já sabe no NY Times, Jean Didion quer evitar que a notícia chegue ao LA Times; é como se fosse possível mantê-lo vivo na diferença horária entre os fusos horários da costa leste e da costa oeste. Isto não é loucura ou infantilidade, é poesia, é a resistência humana ao absurdo da finitude.

O mundo sabe, o LA Times sabe, o NY Times sabe, mas ela quer estar sozinha, não recebe ninguém, pois assim pode manter a ilusão de que é possível reverter o processo: “Precisava de estar sozinha para que ele regressasse. Este foi o princípio do ano do meu pensamento mágico”.