O assunto passou desapercebido entre nós, mas merece atenção. O líder do principal partido polaco, Jaroslaw Kaczynski, deu no sábado passado um passo atrás no conflito da Polónia com as instituições europeias sobre a independência do sistema judicial daquele país. J. Kaczynsk aceitou mudar a comissão que presentemente vigia os juízes e os pode afastar. Trata-se de um gesto de boa vontade da parte do governo polaco, disse ele, mas não especificou o que irá mudar na tal comissão.
Dois dias antes deste recuo, pelo menos aparente, o ministro da Justiça da Polónia, Zbignew Ziobro, havia declarado que o seu país não deveria permanecer na UE “a qualquer preço”. Este ministro pertence a um pequeno partido de extrema-direita, que faz parte da coligação governamental polaca.
Kaczynsk não vai tão longe. Provavelmente a pensar nos quase 24 mil milhões de euros da “bazuca” europeia que a Polónia deverá receber e sabendo que 72% dos polacos querem manter-se na UE, decidiu mostrar-se conciliador.
Mas o líder polaco continua a recusar a autoridade do Tribunal Europeu de Justiça, instituição que, na sua óptica, não teria legitimidade para se pronunciar sobre a independência do sistema judicial polaco em relação ao poder político. Por isso muitos viram na concessão de Kaczynsk um mero passo tático, visando ganhar tempo.
A questão de fundo encontra-se longe de estar ultrapassada, até porque o Supremo Tribunal da Polónia considera que o Tratado Europeu não dá ao Tribunal Europeu de Justiça o direito de se pronunciar sobre as instituições polacas. Ora aqui há um mal-entendido sobre o que é a UE.
Se a UE fosse uma mera confederação de Estados, a posição do governo polaco seria defensável. Mas a UE, não sendo um Estado federal, comporta elementos federais, baseados no Estado de direito. É um híbrido político.
Assim, por exemplo, o princípio de que a lei comunitária e os tribunais da UE prevalecem sobre as leis e os tribunais nacionais é indispensável, até para garantir segurança jurídica aos agentes económicos que operam no mercado único europeu, como sublinha Tony Barber no “Financial Times”. O governo polaco e o tribunal constitucional da Polónia rejeitam erradamente esse princípio. Além de que é inadmissível numa democracia liberal o sistema de justiça ficar sujeito a interferências do poder político.
A Polónia aderiu à UE em 2004, juntamente com a Hungria, a Eslovénia e outros países que durante décadas foram submetidos ao jugo soviético. Ninguém obrigou estes países a entrarem para uma União que comporta traços federais, supra nacionais; também ninguém obriga os defensores de “democracias iliberais” a permanecerem na UE. Não podem é ficar dentro, para minarem os elementos federais que não apreciam, mas que a grande maioria dos Estados membros da UE considera indispensáveis.
Francisco Sarsfield Cabral