Misericórdias questionam legitimidade da auditoria da Ordem dos Médicos a lar de Reguengos
18-08-2020 - 20:02
 • Lusa

O presidente das Misericórdias, Manuel Lemos, defendeu que só por iniciativa do Ministério da Segurança Social, e a pedido deste, é que a Ordem dos Médicos poderia ter sido chamada a fazer uma auditoria.

Veja também:


A autoridade para fazer auditorias a lares é exclusivamente do Governo, defendeu esta terça-feira o presidente das Misericórdias, criticando a auditoria “de moto-próprio” da Ordem dos Médicos em Reguengos de Monsaraz, e deixando rasgados elogios à ministra da tutela.

“Como diz o nosso povo: Cada macaco no seu galho. Não faz sentido que uma instituição qualquer - ainda que seja a Ordem dos Médicos, que não é uma instituição qualquer –, vá para dentro de um lar, onde não é obrigatório ter médicos, fazer uma auditoria”, disse à Lusa o presidente da UMP, Manuel Lemos, a propósito do caso do Lar de Reguengos de Monsaraz, que registou um surto de covid-19 que já infetou 162 pessoas, maioritariamente utentes e funcionários, e vitimou 18 pessoas, entre as quais 16 utentes, uma funcionária do lar e um homem da comunidade.

Manuel Lemos defendeu que só por iniciativa do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) e a pedido deste é que a Ordem dos Médicos poderia ter sido chamada a fazer uma auditoria ao lar de Reguengos de Monsaraz, dizendo ainda que os problemas clínicos apontados ao acompanhamento dos utentes resultam da ausência de visitas de médicos ao lar, cujos utentes estão sob a alçada do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que seria responsabilidades dos centros de saúde garantir a ida de médicos ao local.

Em declarações à RTP, o presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo confirmou a informação constante no relatório da Ordem dos Médicos de que os clínicos teriam sido ameaçados com um processo disciplinar por se recusarem a trabalhar no lar invocando falta de condições.

Já hoje, em carta enviada ao primeiro-ministro e divulgada publicamente, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) disse que os médicos convocados pelas hierarquias para trabalhar no lar de Reguengos de Monsaraz não se furtaram ao cumprimento de quaisquer deveres, “antes os honraram”.

Numa mensagem dirigida ao primeiro-ministro, o secretário-geral do SIM, Jorge Roque da Cunha, adianta que a convocação administrativa realizada pelas hierarquias “sob uma muito alta pressão coativa” configura grave exemplo de assédio moral e que estes não se recusaram a ver doentes.

Os médicos, adiantou, “que reiteradamente denunciaram, por intermédio das associações profissionais que os representam, os atropelos, desde logo omissivos, que os sistemas de assistência e solidariedade social e de saúde revelaram, não atuaram levianamente”.

Manuel Lemos disse que não é por ser uma auditoria da Ordem dos Médicos que o relatório produzido “deve ser tomado como bom”, sublinhando as críticas à autora do documento e as dúvidas levantadas pelo presidente da ARS Alentejo sobre a metodologia usada. E insistiu na falta de legitimidade da Ordem dos Médicos para fazer uma auditoria a um lar.

“Quem é que pode fazer auditoria nos lares? Só a tutela. Isto é uma coisa de moto-próprio. Estamos todos a entrar num delírio que é total e absoluto”, disse.

Ainda sobre o caso de Reguengos de Monsaraz, e a propósito da polémica criada em torno de declarações da ministra da tutela, Ana Mendes Godinho, em entrevista ao jornal ‘Expresso’, que o primeiro-ministro, António Costa, hoje classificou como “artificial”, reiterando total confiança política na responsável pelo MTSSS, Manuel Lemos reagiu com rasgados elogios à ministra, colocando-se “completamente e o mais possível” ao lado das declarações do primeiro-ministro.

“Acho que a senhora ministra tem sido competente, tem sido esforçada, tem sido atenta aos problemas das instituições. Uns consegue resolver, outros não consegue resolver. Estamos perante uma pandemia, a navegar à vista. Concordo com o senhor primeiro-ministro”, disse.

Sobre os lares das Misericórdias, onde já se registaram 148 óbitos por covid-19 (dados até à tarde de segunda-feira) e se continuam a registar casos de infeção, “mas sem expressão significativa”, Manuel Lemos sublinhou ainda a importância para as instituições da medida implementada no contexto da pandemia que permitiu a colocação de desempregados e trabalhadores em 'lay-off' nos lares, suprindo necessidades de pessoal.

“Mais uma coisa em que a ministra tem sido impecável”, disse.

O surto de Reguengos de Monsaraz, detetado em 18 de junho, provocou 162 casos de infeção, a maior parte no lar (80 utentes e 26 profissionais), mas também 56 pessoas da comunidade, tendo morrido 18 pessoas (16 utentes e uma funcionária do lar e um homem da comunidade).

Posteriormente, num relatório de auditoria conhecido em 06 de agosto, a Ordem dos Médicos disse que o lar da Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva não cumpria as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) e apontou responsabilidades à administração, à Autoridade de Saúde Pública e à ARS.

A Procuradoria-Geral da República disse depois à Lusa que foi instaurado um inquérito sobre o surto de covid-19 neste lar e que está a analisar o relatório da Ordem.

A pandemia de covid-19 já provocou pelo menos 774.832 mortos e infetou mais de 21,9 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

Em Portugal, morreram 1.779 pessoas das 54.234 confirmadas como infetadas, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.

A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.