Saúde mental dos trabalhadores causa perdas de 3,2 mil milhões de euros às empresas portuguesas
18-07-2020 - 12:00
 • João Carlos Malta

Os cálculos são de um estudo elaborado para a Ordem dos Psicólogos Portugueses, que faz um resumo da literatura conhecida sobre este assunto, mas que também projetou o impacto na economia portuguesa do absentismo e o presentismo causados por stress e problemas de saúde psicológica.

As empresas portuguesas perdem até 3,2 mil milhões de euros por ano devido à diminuição da produtividade relacionada com o absentismo e o presentismo causados por stress e problemas de saúde psicológica. A conclusão está inscrita no relatório “O Custo do Stress e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho, em Portugal”, publicado este sábado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), e que tem por base dados do ano passado.

No total, a redução de produtividade pode custar às empresas nacionais até 0,9% do seu volume de negócios.

“As perdas equivalem ao custo de três pontes Vasco da Gama”, ilustra em declarações à Renascença o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Miranda Rodrigues. Estes valores, salienta este responsável, são referentes ao setor privado e deixam de fora o Estado e o setor social.

Os números têm por base a estimativa de que, em Portugal, os trabalhadores faltam, devido ao stress e a problemas de saúde psicológica, até 6,2 dias por ano e que o presentismo representa até 12,4 dias. Estes valores são de um estudo da Escola de Saúde da Universidade Nova.

O custo do presentismo para o empregador, segundo alguns estudos consultados pelos investigadores da OPP, podem ser três vezes superiores ao do absentismo.

Por outro lado, o mesmo documento defende que a prevenção e a promoção da saúde psicológica e do bem-estar nas empresas podem reduzir as perdas de produtividade pelo menos em 30%, ou seja, resultar numa poupança de cerca de mil milhões de euros por ano. “As acções de prevenção não são um custo, são um investimento”, diz Miranda Rodrigues.

O estudo salienta que “este cálculo refere-se apenas a custos indiretos, os custos diretos dos riscos psicossociais e problemas de saúde psicológica no trabalho não estão contabilizados”. Não foi tido igualmente em conta nestes cálculos, e que lhes acresceriam, o aumento de erros e acidentes por erro humano, assim como o crescimento dos conflitos laborais, da rotatividade e a intenção de sair da organização.

Apesar da dimensão dos valores em Portugal, sublinhe-se que pouco mais de 10% das empresas têm procedimentos para lidar com riscos psicossociais. Para o bastonário da Ordem dos Psicólogos, é momento de “racionalizar um problema que tem sido varrido para debaixo do tapete”.

“Isto não é um problema apenas do mercado de trabalho, é uma questão de saúde pública porque estas pessoas depois vão parar ao Serviço Nacional de Saúde que não tem resposta para estes casos”, defende.

Os riscos que estão em todo o lado

A investigação enuncia que as condições de vida e o bem-estar no trabalho não são influenciadas apenas pela segurança e pela saúde nos locais de trabalho, mas também por fatores psicossociais, nomeadamente as relações interpessoais ou a organização do trabalho, por exemplo. “No entanto, a legislação atual atende apenas à dimensão física da Saúde”, enfatizam os investigadores.

Entre os riscos psicossocias mais relevantes no mundo do trabalho, e que colocam os trabalhadores em zonas de perigo, está ausência de fronteiras entre o trabalho e o lazer, assim como a dificuldade em equilibrar a vida pessoal, familiar e profissional.

Em Portugal, os trabalhadores a tempo inteiro trabalham mais horas do que a média europeia. Relativamente às horas semanais, em média, o registo era dos mais elevados em 2016, atingindo 41,1.

De acordo com a agência europeia que pretende melhorar as condições de trabalho, a Eurofound, este é o quinto valor mais alto entre 29 países, contando Estados-membros e Noruega. E ultrapassa mesmo em mais de hora e meia o negociado em contratação coletiva em Portugal.

A isto acresce que os portugueses gastam, em média, por semana, 8 horas 11 e minutos em transportes nas áreas metropolitanas, para irem trabalhar, durante os dias úteis.

Como fatores de risco contam-se ainda “o conteúdo do trabalho não ter significado e não permitir ao colaborador aplicar os seus conhecimentos e competências”, uma “carga de trabalho é superior à capacidade do colaborador” ou, pelo contrário, “muito inferior”, a falta de autonomia e controlo sobre as tarefas e a organização do trabalho e o grau elevado de automatização e repetição das tarefas; realização de tarefas perigosas.

A estes juntam-se os que estão relacionados com a organização do trabalho: horários de trabalho contínuos e excessivos (superiores a oito horas diárias); horários por turnos; existência de poucas pausas para descanso e de curta duração (mais de cinco horas de trabalho consecutivo); exigências superiores contraditórias.

No mesmo estudo são ainda mencionados os problemas que advêm da estrutura e da organização, que se evidenciam na indefinição das funções e papel do colaborador, na falta de comunicação interna, ou em conflitos e má relação entre os colaboradores e os diferentes departamentos da organização, e ainda na falta de oportunidades de promoção e desenvolvimento profissional; baixo nível ou inexistência de recompensas ou compensações. Por fim, são enumerados os fatores relacionados com a imagem social negativa da organização.

“É necessário que as empresas olhem para a gestão e para as práticas dos gestores porque o que os estudos dizem é que é daí que vem a fatia maior de responsabilidade”, defende o bastonário.

Cabeça afeta os pilares da economia

A Ordem dos Psicólogos Portugueses alerta que os riscos se manifestam em todo o tecido económico e muitas das suas causas têm consequências tremendamente nefastas.

A título de exemplo, a OPP alertou o regulador, Banco de Portugal, para o impacto negativo do stress e dos problemas de saúde psicológica, e dos erros e enviesamentos acrescidos que podem provocar, especificamente, “nas instituições bancárias e nas suas lideranças”. Aponta para as possíveis repercussões sistémicas, com prejuízo financeiro para todos os contribuintes e “o potencial desestruturador na vida dos cidadãos”.

Um outro caso referido é o da área da Saúde, em que o “burnout” representa ainda um risco não só para o próprio profissional mas também para os seus colegas, uma vez que é “contagioso” – os profissionais de Saúde transferem a tensão psicológica para os membros da equipa com que interagem, mas também para os utentes, colocando em risco a própria viabilidade e a qualidade da prestação dos cuidados de saúde.

A este nível é aconselhado que a Direção Geral da Saúde (DGS) deve elaborar e implementar uma acção estratégica e estruturada de prevenção dos riscos psicossociais e promoção da saúde psicológica e do bem-estar em todos os serviços de Saúde.

Investimento com retorno

O relatório “O Custo do Stress e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho, em Portugal”, tendo por base trabalhos análogos feitos no resto do mundo, afirma ainda que cada euro investido na implementação eficaz de programas de intervenção que apoiam os colaboradores com problemas de saúde psicológica “produz um retorno que corresponde a um aumento cinco vezes superior da produtividade”.

Os custos das intervenções de promoção da saúde mental no trabalho, geralmente, são claramente ultrapassados pelos ganhos na redução do absentismo e melhoria da produtividade”, escreve o mesmo estudo da OPP, citando investigações que sugerem um retorno do investimento de mais de nove euros por cada euro gasto.

“Este é um investimento necessário que tem retorno financeiro”, diz o bastonário da Ordem dos Psicólogos.

Para mudar este panorama, as organizações devem recolher, regularmente e de forma sistematizada, ferramentas de avaliação dos riscos psicossociais, sendo que os mesmos devem ser partilhados com os trabalhadores.

As recomendações e as críticas ao Governo

A OPP aconselha as organizações a “implementar planos de prevenção e intervenção nos riscos psicossociais por exemplo, ações no âmbito do stress ocupacional, violência, assédio ou conflitos, e ainda a aplicação de medidas de apoio à parentalidade e ao equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar.

Miranda Rodrigues diz que esta regulamentação tem de ser igual para todos, com as devidas diferenças, para que “a avaliação dos riscos psicossociais passe a ser obrigatória”. Só assim, se evita que haja um estigma “ainda maior nas organizações que é a de depois de fazerem a avaliação terem de lidar com o resultado e com uma possível imagem negativa que possa daí advir”.

Isso faz, sublinha, com que as empresas omitam os problemas que têm com o absentismo e o presentismo para não ter de lidar com uma eventual má imagem pública que daí pode emergir.

Por fim, e no que diz respeito às recomendações às empresas, o documento sinaliza ainda que as organizações devem garantir o acesso a serviços de psicologia.

Ao Governo, os investigadores aconselham que crie a figura do psicólogo do trabalho, que à semelhança dos enfermeiros e médicos do trabalho assumiria a responsabilidade da "avaliação dos riscos psicossociais e do bem-estar, no âmbito da vigilância da Saúde".

O bastonário da Ordem dos Psicólogos é muito critico da ação deste Governo, que considera que, neste aspeto, tem sido o parceiro com que mais difícil é de dialogar e que mantém a postura de maior indiferença em relação a esta questão. “Tem sido a parte mais escondida, mais omissa, e mais inerte de todo este processo”, diz Miranda Rodrigues.

Os sindicatos também são merecedores de reparos porque, muitas vezes, se opõem à realização destes estudos nas empresas, por temerem “qual será a utilização dada aos dados obtidos e os mesmos poderem ser utilizados contra os trabalhadores pelas entidades patronais”.

Na lista de recomendações deste documento está ainda o investimento prioritário de verbas que “deve ser reescrito para priorizar a alocação de recursos que permitam aos diversos serviços públicos”, nomeadamente os suscetíveis a nível mais elevado de riscos psicossociais – forças de segurança, saúde e educação.

O estudo alerta para que a informação que consta deste relatório, elaborado em 2019, e na qual ele se baseia, foi obtida a partir de “fontes que os autores consideram fiáveis”, ainda que a sua integridade e precisão “não esteja absolutamente garantida”. “A responsabilidade pela interpretação e uso deste material cabe ao leitor”, explica na ficha técnica do relatório “O Custo do Stress e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho, em Portugal”.