Um mês de guerra, os números possíveis. Morreram 7 vezes mais pessoas na Faixa de Gaza do que em Israel
07-11-2023 - 18:28
 • Salomé Esteves , com redação

Milhares de mortos, muitos crianças, mais de um milhão deslocados, centenas de camiões humanitários a menos, hospitais fechados e 240 reféns. Um mês depois do dia que marcou o novo conflito entre Israel e o Hamas, a Renascença fez as contas possíveis aos números da guerra que não param de mudar.

A 7 de outubro, uma série de ofensivas do Hamas a Israel incendiaram uma nova guerra, num velho conflito. Desde então, sucessivos bombardeamentos, cercos, outros ataques e incidentes resultaram em perdas, maioritariamente de civis.

Um mês desde o início desta nova vaga de hostilidades, a Renascença olha para os números possíveis, numa altura em que os desenvolvimentos constantes dificultam a recolha e a verificação de dados e de informação.

Pessoas na Faixa de Gaza. Pessoas em Israel. Pessoas na Cisjordânia

A 6 de novembro, o número de mortos na Faixa de Gaza ultrapassou os 10 mil. Desses, mais de quatro mil eram crianças, quase 600 eram idosos e mais de duas mil, mulheres. Na Cisjordânia, morreram 147 pessoas. Os números foram fornecidos à ONU pelo Ministério da Saúde palestiniano, liderado pelo Hamas.

Além destes, o ministério indica que, pelo menos, 1.000 palestinianos tenham sido mortos em solo israelita e que cerca de 2.300 pessoas estejam presas sob escombros dos bombardeamentos.

Contas feitas, morreram sete vez mais pessoas na Faixa de Gaza do que em Israel.

Depois de Israel ter ordenado a evacuação forçada do Norte da Faixa de Gaza a 13 de outubro, dois terços dos habitantes da Faixa de Gaza, cerca de um milhão e meio de pessoas, continuam deslocados.

Do outro lado do cerco, as autoridades israelitas reportaram 1.400 mortos a 19 de outubro. Desses, 31 eram crianças. Desde então, esse número não mudou.

No total, mais de 30 mil pessoas foram feridas durante os confrontos entre Israel e o Hamas: mais de 25 mil na Faixa de Gaza, mais de cinco mil em Israel e mais de duas mil na Cisjordânia.

Nos dados fornecidos diariamente, a ONU dá a nota de que ainda não foi possível recolher e confirmar dados por fontes independentes e que toda a informação fornecida provém das autoridades palestinianas e israelitas. A organização está a trabalhar para recolher mais dados e verificar as atualizações.

De ambos os lados, não há apenas nomes de palestinianos e de israelitas, mas de cidadãos de vários países do mundo. A 19 de outubro, a Comunidade Israelita do Porto confirmou a morte de nove luso-israelitas.

Fontes de Israel confirmaram que, até 6 de novembro, o Hamas mantém 240 reféns israelitas, em Gaza, dos quais 30 são crianças. O Hamas revelou ainda que 57 destes reféns morreram em bombardeamentos por parte de Israel.

Um mês depois do início dos confrontos, Netanyahu garante: “Não haverá um cessar-fogo geral em Gaza sem a libertação dos nossos reféns".

Além de civis, também profissionais perderam a vida em serviço durante confrontos. Desde 7 de outubro, e à data de 6 de novembro, morreram 192 funcionários de saúde, 89 trabalhadores da ONU e 18 membros da proteção civil.

De acordo com o Comité para a Proteção dos Jornalistas, 37 profissionais de jornalismo morreram: 32 palestinianos, quatro israelitas e um libanês. Além destes, oito estão feridos, nove foram presos e três estão desaparecidos.

António Guterres sublinhou que mais jornalistas perderam a vida nas últimas quatro semanas do que em qualquer outro conflito nas últimas três décadas e que morreram mais funcionários da ONU este mês do que em qualquer período da história da organização.

Saúde em escombros

A 9 de outubro, o ministro israelita da Defesa, Yoav Gallant, ordenou o corte do fornecimento de energia e outros bens essenciais à Faixa de Gaza. Desde então, quando o combustível se esgotou na principal central elétrica palestiniana, não há eletricidade no território.

Neste cenário, mais de um terço dos 35 hospitais foram forçados a encerrar e ainda não voltaram a funcionar.

Segundo a Amnistia Internacional, 23 destas unidades hospitalares, situadas no Norte da Faixa de Gaza, receberam ordens de evacuação por parte de Israel a 13 de outubro.

A 14 de outubro, a Organização Mundial de Saúde disse que forçar a deslocação dos 2.000 pacientes internados nestes hospitais e os seus funcionários iria “agravar a atual catástrofe humanitária e de saúde pública”.

A ONU acrescenta que 51 das 72 instalações de cuidados primários de saúde, serviços mais pequenos e locais do que hospitais centrais, continuam encerradas.

Segundo a Amnistia Internacional e a Organização Mundial de Saúde, várias unidades de saúde e hospitais foram alvo de bombardeamentos por parte de Israel, incluindo a maternidade do hospital Al Hilo, bombardeada a 1 de novembro.

Mas muitas pessoas continuam a precisar de cuidados de saúde na Faixa de Gaza, além dos feridos que acumulam em situação de guerra.

Segundo a ONU, existem, à data de 6 de novembro, mais de mil doentes com insuficiência renal, mais de dois mil doentes de cancro, cerca de 130 bebés prematuros em incubadoras e, de acordo com a OMS, perto de 50 mil grávidas.

Destas mulheres, cerca de 180 por dia dão à luz. A organização sublinha que a probabilidade de complicações antes, durante e após o parte aumenta coma a degradação dos cuidados de saúde.

A ajuda humanitária possível

Antes do ataque de 7 de outubro, 500 camiões de ajuda humanitária passavam as fronteiras da Faixa de Gaza de segunda a sexta-feira. Pouco depois dos ataques desse dia, Israel fechou todas as fronteiras com o território, incluindo à ONU.

Desde 21 de outubro, quando foi, pela primeira vez, permitida a entrada de 29 camiões de ajuda humanitária através da fronteira de Rafah, a sul, entraram na Faixa de Gaza um total de 526 veículos, refere a atualização diária da ONU de 6 de novembro.

Feitas as contas, perto de 52 camiões atravessaram em média a mesma fronteira, por dia útil, dez vezes menos do que era possível enviar ainda antes do escalar do conflito.

Segundo um comunicado conjunto de cinco instituições humanitárias, incluindo a OMS e a UNICEF, cerca de um terço da população da Faixa de Gaza já vivia com insegurança alimentar antes do conflito. Situação que se agravou desde que a produção de água está a 5% dos níveis normais e milhares de pessoas deslocadas não conseguem alimentar-se.

A 6 de novembro, 93 camiões entraram em Gaza a partir do Egito, possibilitando o fornecimento de bens essenciais, como alimentos, medicamentos, água engarrafada e produtos de higiene.

Internet, comunicação e redes sociais

Desde o corte de energia que levou ao apagão de eletricidade que está a decorrer na Faixa de Gaza há 27 dias, as comunicações têm sido profundamente afetadas.

Mas os cortes de Internet começaram a sentir-se na Faixa de Gaza e na Cisjordânia a partir das 8h00 da manhã de dia 7 de outubro, depois dos primeiros ataques do Hamas a Israel, segundo a IODA, a Análise e Deteção de Interrupções de Internet.

Segundo a mesma análise, oito das 11 redes que operam nestes territórios não eram visíveis para a internet global a partir de 23 de outubro, cortando o acesso de muitos palestinianos ao mundo.

As maiores quebras registaram-se a 9 e a 20 de outubro. A 1 de novembro, deu-se um completo corte de internet, confirma a Reuters.

Várias organizações, incluindo a Access Now e a Aliança Árabe para os Direitos Digitais, denunciaram o corte de internet como um cerco de Israel às comunicações na Faixa de Gaza.

Segundo o grupo de "hacktivistas" CyberKnow, conhecidos por ciberataques desde o início da guerra na Ucrânia, existem pelo menos 137 coletivos a atuar sobre o conflito a 7 de novembro. Destes, 118 são pró-Palestina e 19, pró-Israel.

Esta proporção alinha-se com informações publicadas na Reuters que referem que, entre 7 e 30 de outubro, os ciberataques aumentaram 18% em Israel, sendo que 52% destes se dirigiram ao governo.

Enquanto o limite às comunicações é um dos maiores constrangimentos para quem está na Faixa de Gaza, uma vez que até chamadas de emergência podem ser restringidas, o uso das redes sociais para a disseminação de discurso de ódio também tem sido uma preocupação para a Amnistia Internacional.

O indicador de violência da associação sem fins lucrativos 7amleh identificou, através de um algoritmo de inteligência artificial, mais de 800 mil ocorrências de discurso de ódio contra palestinianos, apenas em conteúdos em hebreu, desde 7 de outubro.

Várias organizações reportaram aumentos em incidentes antissemitas em vários países do mundo, refere a Reuters. Nos EUA, a Liga Anti-Difamação registou um aumento de 400% em incidentes contra judeus entre 7 e 21 de outubro.

Na Alemanha, uma investigação deu conta de um aumento de 240% no sentimento antissemita na semana que se seguiu aos ataques do Hamas.

A Amnistia Internacional e a 7amleh também se pronunciaram “shadowbanning”. Este é o fenómeno que descreve a limitação que as redes sociais impõem sobre o alcance de um determinado conteúdo, em vez de o eliminar por completo.

A Meta, que detém o Facebook e o Instagram, pediu desculpa publicamente, a 19 de outubro, por ter inserido a palavra “terrorista”, em traduções de perfis do Instagram que continham as palavras “palestiniano” ou “Alhamdullilah" (que “significa Louvado seja Deus”), ou o emoji da bandeira palestiniana.

Antes do pedido de desculpa, a Meta estava a ‘esconder’ cerca de 80% do conteúdo e dos criadores com estas características, por serem considerados hostis.

Ataques, incidentes e protestos até 27 de outubro

A ACLED, uma associação sem fins lucrativos para a recolha de dados sobre conflitos armados, tem recolhido e validado informação sobre os eventos decorridos na Faixa de Gaza, em Israel e na Cisjordânia, pelos vários agentes envolvidos. Dados o trabalho de verificação, a informação fornecida termina a 27 de outubro.

O Hamas levou a cabo 267 ofensivas e a Brigada dos Mártires de Al-Aqsa realizou oito. Já as forças militares de Israel organizaram 1.521 ataques e outras ocorrências, enquanto as forças policiais do mesmo país foram responsáveis por 15 operações.

Do lado dos civis, registaram-se 99 ocorrências pela mão de colonos israelitas na Cisjordânia, especialmente de violência contra outros civis. Registaram-se, também, 175 protestos em Israel e 710 na Palestina.

O Hezbollah provocou 56 incidentes e os katibats regionais, pequenos grupos de jihadistas, 48.

No mesmo período, houve um total de 919 ataques contra civis dos dois lados. Israel infligiu 510 ataques contra civis na Faixa de Gaza e 309 na Cisjordânia. Já do lado oposto, Israel sofreu 100 ataques contra civis por parte do Hamas.

Um marco deste conflito são os bombardeamentos. Entre 7 e 27 de outubro, registaram-se 277 bombardeamentos, incluindo com drones, a Israel, 919 à Faixa de Gaza e 9 à Cisjordânia.

Nos protestos, há um enorme contraste. Em Israel, aconteceram 15 protestos nestes 20 dias, apenas 1 na Faixa de Gaza. Mas, na Cisjordânia, a ACLED registou 870.