Reforma aos 70 anos na UE? “Os países têm diferentes esperanças de vida”, diz especialista
17-02-2021 - 20:54
 • Pedro Mesquita , Filipe d'Avillez

Jorge Bravo acredita que a comissária para a Democracia e Demografia estava apenas a dar um valor de referência e a indicar que será necessário aumentar a idade da reforma na medida em que a longevidade cresce, na sua entrevista à Renascença.

Uniformizar a idade de reforma nos 70 anos para toda a União Europeia não faz sentido, acredita Jorge Bravo, especialista na área da Segurança Social.

A vice-presidente da Comissão Europeia para a Democracia e Demografia, disse esta semana, em entrevista à Renascença, que “se nada fizermos, a idade da reforma na União devia ser aos 70 anos”.

A entrevista a Dubravka Šuica foi analisada à lupa por Jorge Bravo, com trabalhos publicados sobre a sustentabilidade da Segurança Social e professor de Economia e Finanças na Universidade Nova de Lisboa, que começa por contextualizar esta ideia de que a idade de reforma avance para os 70 anos na União Europeia.

“Creio que os 70 anos será um valor de referência para o conjunto da União Europeia que depois terá diferentes nuances entre os diferentes países que compõem a União, até porque a esperança de vida não é comum entre todos eles.”

“Penso que o sinal que a comissária quer dar é que com o aumento da longevidade e com a dificuldade em financiar os sistemas de pensões que quase todos funcionam em repartição, isto é, os trabalhadores no ativo financiam as pensões dos que estão dependentes, os sistemas não conseguem subsistir financeiramente sem terem transferências do Orçamento do Estado. Como isso pressiona as finanças públicas creio que o sinal que está a ser dado é que o aumento da esperança de vida deve ser acompanhado de um aumento da participação no mercado de trabalho, continuando a esperança de vida a aumentar como tem aumentado até agora, é natural que caminhemos nessa direção”, diz o especialista.

Jorge Bravo sublinha que haverá, neste plano, uma Europa com ritmos diferentes. Em alguns países subir a idade de reforma para os 70 anos pode acontecer a curto prazo, noutros só lá para 2050, até porque existem formas de cálculo distintas da pensão de velhice.

“A idade de reforma é um dos parâmetros do sistema, como outros, na forma de cálculo das pensões de velhice, quanto é que contribui cada ano para a reforma, e portanto os países têm diferentes mecanismos, nalguns deles a idade de reforma e a própria pensão é calculada de forma atuarial, há uma relação estrita entre aquilo que se contribui ao longo do ciclo de vida e aquilo que se vai receber na velhice, é um parâmetro que resulta automaticamente. Noutros, como é o caso de Portugal, temos uma fórmula em que por cada ano de contribuição, com limites, há um adicional para a pensão.”

“Creio que a ideia de ter uma idade comum é muito prematura, até porque os países têm esperanças de vida distintas. Nos países do bloco de Leste a esperança de vida ainda é substancialmente inferior à média da União Europeia. Portugal e um dos países com maior longevidade, mas há países como a Roménia que têm uma esperança de vida ainda substancialmente inferior e, portanto, seria muito penalizador para esses países impor uma idade de reforma tão elevada”, diz.

Na entrevista que concedeu à Renascença, a vice-presidente da Comissão Europeia para a Demografia sublinha que a pandemia veio acelerar a necessidade de dar resposta ao envelhecimento da população, tanto à escala dos sistemas de Segurança Social, como para corrigir as fragilidades agora detetadas nos sistemas de Saúde.

“Aquilo que se percebeu é que os sistemas de saúde tinham eles próprios tinham bastantes fragilidades, portanto vai haver com certeza um esforço grande dos países europeus no sentido de reforço do sistema de saúde pública, e isso terá efeitos positivos no aumento da longevidade, agora, isso terá de se refletir também naquilo que é a desejável participação de mais pessoas no mercado de trabalho até uma idade mais avançada”, afirma Jorge Bravo.

Mas sublinha que “é legítimo que a sociedade, e que os próprios trabalhadores ambicionem que a uma maior longevidade esteja associada um maior período de participação no mercado de trabalho, sem no fundo deixar de parte o objetivo natural que têm de ter um período da sua vida em que usufruem de uma pensão social, neste caso uma pensão de reforma, para poder dedicar a outras atividades”.

É ainda neste ponto que a comissária aborda, na entrevista à Renascença, a quebra de natalidade, sublinhando que não bastará aumentar a idade de reforma, é preciso trazer mais gente para o mercado de trabalho para garantir a sustentabilidade da Segurança Social. A vice-presidente da Comissão aponta como caminho aumentar a participação das mulheres europeias no mercado de trabalho.

O professor Jorge Bravo concorda, mas diz que não basta. Esgotado esse limite será vital reequacionar as políticas migratórias, tendo em conta os perfis de qualificação que se adequam às necessidades da União Europeia, no plano laboral.

“Temos aqui duas dimensões. A primeira dimensão tem a ver com uma maior participação no mercado de trabalho. Creio que o exemplo que deu a propósito da maior participação das mulheres tem a ver com o facto de no fundo tentarmos ainda, dentro da população em idade ativa na União Europeia, que haja uma maior participação no mercado de trabalho e, enfim, ela tem vindo a aumentar em quase todos os países, não apenas nas mulheres, mas também em pessoas em idades mais avançadas, mas ainda há uma margem para poder aumentar a população ativa pela maior participação no mercado de trabalho.”

“Esta é uma das dimensões, mas ela tem limites. Esgotado este limite temos de olhar para a questão das políticas migratórias e creio que é vital que tenham de existir fluxos migratórios e já estão a correr regularmente na maioria dos países europeus, a questão é como é que o vamos fazer”, avisa.

“Há países que há décadas que têm políticas de gestão da migração coordenados e concertadas e muitas vezes não se trata do efetivo de pessoas que se aceita ou não se aceita, mas dos perfis de qualificações que se adequam ao que são as necessidades da UE em termos de mercado de trabalho e de qualificações. É evidente que não basta escancarar a porta”, conclui.