Luís Paixão Martins, que trabalhou nas campanhas eleitorais que deram as maiorias absolutas a Cavaco Silva, José Sócrates e António Costa, defende que se o PS quer voltar a ganhar as eleições vai ter de se livrar da responsabilidade sobre TAP. A companhia aérea é, segundo o consultor de comunicação, “o principal ativo tóxico do governo”, “a marca com pior reputação entre os portugueses”. “O governo tem este ano para se afastar da TAP”, frisa.
Em entrevista à Renascença, a propósito do seu novo livro "Como perder uma eleição", Luís Paixão Martins afirma ainda que Fernando Medina foi recuperado pelo primeiro-ministro, depois da derrota na Câmara de Lisboa, e recusa apontá-lo como ativo tóxico, apesar das suspeitas em que esteve envolvido nas últimas semanas.
No seu novo livro “Como perder uma eleição” descreve um conjunto de erros associados a campanhas eleitorais. Tendo trabalhado nas campanhas eleitorais que deram as maiorias absolutas a Cavaco Silva, José Sócrates e António Costa, quais foram os principais erros destas campanhas?
Na campanha de José Sócrates correu tudo muito bem, porque houve um crescendo de reconhecimento da candidatura. Em 2005, José Sócrates não era conhecido. Tinha sido apenas ministro do ambiente de um governo de António Guterres, enquanto Pedro Santana Lopes era muito mais conhecido e carismático. Nesse caso, os erros foram mais da campanha de Santana Lopes do que de José Sócrates. Santana Lopes, por razões que têm a ver com uma certa desorganização do PSD na altura e da coligação com o CDS, não conseguiu montar uma campanha constante, crescente, coerente.
E no caso de Cavaco Silva?
[A campanha] foi preparada a pensar que o principal adversário era Mário Soares. Apareceu na altura outro candidato, Manuel Alegre, que, embora fosse do Partido Socialista, apareceu como sendo de fora da organização. Manuel Alegre conseguiu agregar uma série de pessoas que não estavam com Soares e construir a ideia de que podia vencer ou, pelo menos, impedir a passagem à primeira volta do professor Cavaco Silva. Isso trouxe-nos muita dificuldade. A 15 dias das presidenciais, na penúltima semana da campanha, tivemos que fazer uma série de iniciativas relacionadas com os partidos que apoiavam o professor Cavaco Silva: o PSD de Luis Marques Mendes, o CDS de José Ribeiro e Castro, etc. E isso trouxe-nos uma dificuldade adicional, porque a candidatura de Cavaco Silva era uma candidatura com um ar de independência. [Tínhamos criado] a narrativa de que éramos distantes dos partidos e naquela semana, a campanha saiu da sua lógica. Isso fez com que descêssemos nas sondagens e só recuperássemos na última semana.
Trabalhou nas campanhas eleitorais que deram as maiorias absolutas a Cavaco Silva, José Sócrates e António Costa. Qual foi o seu contributo para estes resultados?
Foram contributos diferentes. Na campanha de José Sócrates fui responsável pela comunicação. Não fiz parte da direção política da campanha. Na do professor Cavaco Silva fui uma espécie de consultor para todos os serviços. Tive um papel importante na direção da estratégia, mas ao mesmo tempo na produção da comunicação, através da agência que, na altura, liderava. Era uma campanha sem partidos e, portanto, criámos uma estrutura de raiz, da qual eu fazia parte. Na campanha de António Costa, fiz parte da direção estratégica da campanha, mas não da equipa de produção da comunicação. Acho que o que um consultor de comunicação como eu traz para uma campanha eleitoral é a capacidade de conseguir apreender o sentimento dos eleitores que não são fãs do candidato ou do partido da candidatura.
De que forma?
A maior parte das pessoas vota sempre no mesmo partido ou abstém-se. Há um eleitorado cativo. Quando a candidatura tem uma génese partidária, geralmente valoriza esses eleitores. Ora, esses eleitores não são os que decidem as eleições. Quem decide são os indecisos. Um consultor que não esteja ligado à máquina partidária tem certamente mais sensibilidade, mais atenção a eleitores que, no fundo, acrescentam à campanha eleitoral, à proposta eleitoral. Uma vitória alcança-se com os votos dos fãs do partido, dos apoiantes do candidato, dos defensores das políticas que aquela candidatura apresenta. No fundo, é somando estes vários contingentes de eleitores que se consegue ir crescendo, ao longo da campanha, para atingir uma maioria absoluta, ou um maior contingente de votos. A contribuição do consultor é um bocadinho essa. Deixe-me dizer uma coisa. Numa equipa de uma campanha eleitoral, fala-se muito na comunicação política, na ciência da política, na ciência da comunicação. A contribuição que posso dar do ponto de vista da política é muito reduzida – as equipas são formadas por políticos. A grande diferença que tenho levado às várias campanhas é uma coisa de que nunca se fala: a matemática, ou seja, sou eu que faço as contas, pelo menos na minha cabeça, sobre os contingentes, o número de eleitores que tem aquele partido, aquele candidato, e faço o somatório. Com isso, e com os estudos eleitorais acabo por ajudar a condicionar a estratégia da campanha. É uma lógica mais técnica, mais científica relativamente às propostas que se vão fazendo.
Aproveitando que está a falar de matemática, considera que a divulgação de sondagens diárias nas últimas legislativas foi um instrumento a favor do PS, decisivo até para a maioria absoluta?
Determinante não sei, nem há maneira de avaliar. Foi um fator muito importante. As sondagens tornaram-se peças muito importantes de comunicação – durante 24 horas só se fala daquela sondagem, independentemente do que os candidatos estão a fazer. As sondagens deixaram de ser apenas peças de estudo para os especialistas, e passaram a ser também produtos de comunicação.
Instrumentos?
Sim, sim. Da mesma maneira que numa campanha temos os candidatos a falar e os comentadores e analistas a falar da campanha como produtos de comunicação, também temos as sondagens. Durante uma campanha, temos de estar sempre a reagir. Temos de estar sempre a estudar o que é que havemos de fazer perante o que vai ser divulgado relativamente àquela sondagem – isso é um elemento relativamente novo. As sondagens têm mais de 100 anos, mas a maneira como a comunicação social lhes dá hoje importância, até num certo sentido de concorrência, deve despertar maior atenção das candidaturas relativamente a elas. Provocam também um fenómeno interessante, cujas consequências nós não sabemos: as sondagens influenciam o sentido de voto dos eleitores, ou seja, a partir do momento em que se divulga um determinado sentido de voto numa sondagem, o resultado dessa sondagem deixa de ser factual, porque a própria sondagem influencia os eleitores. É uma dificuldade, um nó que ainda não sabemos desatar.
O que é que foi mais difícil gerir na campanha do PS em 2022?
Como sabemos, as campanhas têm 15 dias oficiais, mas duram durante uns dois meses. Naquela transição da parte prévia para a parte oficial, tivemos uma reunião em Évora. Tínhamos três dificuldades. Uma era a questão de se ter falado em maioria absoluta: António Costa que tinha usado alguns eufemismos para não falar de maioria, acabou a dada altura, pressionado pelos jornalistas, por usar a expressão maioria absoluta. Achamos que isso podia ter um sentido negativo em relação aos eleitores. Depois, havia o problema da TAP. A TAP foi sempre falada durante a pré-campanha, mas no último debate teve muito impacto. Como digo no livro, é um ativo tóxico que, aliás, tem piorado. O principal problema que o governo tem hoje em dia, do ponto de vista da relação com a opinião pública talvez seja a questão da TAP. E tínhamos ainda outro aspeto que para mim era o favorito dos problemas. Não estávamos a fazer uma campanha como os outros. Vínhamos da pandemia. António Costa tinha estado a fazer briefings semanais ou mensais sobre a pandemia. Entendemos que não podíamos ir para a rua fazer campanha, porque as pessoas não iam perceber como é que, de um dia para o outro, deixava de se recomendar máscaras e passava-se a fazer arruadas. Isso fez com que, durante dois ou três dias, o que numa campanha é muito tempo, as outras candidaturas, nomeadamente a de Rui Rio, aparecessem com uma dinâmica que a nossa não tinha. Isto em termos de televisão, que é um veículo muito importante numa campanha eleitoral, provocava a ideia de otimismo na campanha de Rui Rio e de pessimismo na nossa. Tivemos uma reunião em Évora muito interessante, em que resolvemos estas questões ou elas se resolveram por si próprias e começámos a fazer uma campanha eleitoral como as outras na rua. Isso acabou por certamente resolver os problemas que tínhamos.
A TAP já levou à demissão de um ministro. O próximo a cair pode ser Fernando Medina?
Sobre isso não sei responder. A TAP é uma empresa relacionada com o Estado, que não tem gestão política, ou seja, a gestão que a equipa da companhia faz é uma gestão executiva: gestão dos voos, dos trabalhadores, dos aviões, mas sem qualquer intervenção de cariz político. Quem faz a gestão política da TAP é o Governo. Não há outro caso hoje em dia. Quando António Costa vai ao Parlamento, ninguém lhe pergunta nada sobre a Caixa Geral de Depósitos, porque a Caixa Geral de Depósitos é autónoma na sua comunicação. A TAP não é. Isso é logo um primeiro problema, porque não há quem na empresa assuma a responsabilidade. A empresa tem uma péssima reputação. É talvez a marca nacional com pior reputação entre os portugueses. No fundo, parece que o chairman da TAP é António Costa. Isso é uma questão grave.
Este ativo tóxico já levou à demissão de um ministro. Atendendo às várias suspeitas que envolveram Medina nas últimas semanas pode dizer-se que, neste momento, Medina é o ativo tóxico de Costa?
Não, não. Penso o contrário. Penso que Fernando Medina está no Governo a retomar a posição que tinha, quando era presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Fernando Medina tem um histórico interessante como político e uma derrota na Câmara Municipal de Lisboa, uma derrota terrível que mancha o currículo político. Foi recuperado por António Costa, como ministro das Finanças. Um dos momentos mais interessantes do ponto de vista de comunicação que este governo produziu foi o Orçamento do Estado. Correu muito bem, e o responsável foi Fernando Medina. Percebo onde quer chegar, tem havido alguma pressão em relação a isso, mas não associo [os assuntos]. Do ponto de vista da opinião pública, há uma relação entre a TAP e Fernando Medina. Havia uma relação com Pedro Nuno Santos, que é uma pessoa de faz peito e, portanto, acabou por ficar com as dores da TAP. E num segundo plano, num plano posterior, [está] António Costa. Fernando Medina nunca fala em nome da TAP, até porque a tutela dele é financeira – o ministério das Finanças tutela todas as empresas que têm participação do Estado. Portanto, para aí não vou. O que acho, de qualquer forma, é que, começando em 2024 um processo de uma sucessão de eleições que vão acabar nas legislativas daqui a três anos, o Governo tem este ano para se afastar da TAP. A TAP não pode continuar a ser um ativo tóxico. Se o Partido Socialista quer ter a possibilidade de repetir o êxito eleitoral de 2022, vai ter que “descarregar” a TAP da sua responsabilidade.
Como é que olha para a sucessão de demissões do governo das últimas semanas, do ponto de vista da gestão da comunicação feita pelo primeiro-ministro?
Senti que houve da parte de António Costa uma mudança de 2022 para 2023. Em 2022, agiu como se os pequenos casos que iam existindo fossem casinhos, fait-divers, e reagiu não lhes nos dando importância. Entretanto, os casos foram-se acumulando. Muitos casinhos fazem um caso grande. Há uma tendência e em 2023, António Costa começou a reagir. Reagiu no parlamento em relação a duas ex-secretárias de Estado. Reagiu com o assessor que se demitiu. Reagiu com aquela história do questionário, que tem sido visto de várias maneiras, mas é apesar de tudo, uma ação proativa do governo relativamente a uma questão. Portanto, noto sobretudo uma mudança de atitude de António Costa, que passou a dar importância a um assunto que, até certa altura, tratou como fait-divers. [Ao mesmo tempo], também não deve querer dar uma importância de maior que acabe por engrandecer a comunicação do assunto. Está numa transição, digamos assim.
A propósito, António Costa é muitas vezes apontado como um exímio gestor de crises políticas. Isso é inato ou tem sido trabalhado?
Acho que tem um comportamento bastante português. Vou tentar dizer isto, sem incomodar ninguém, nem os portugueses, nem António Costa. É uma coisa que nós portugueses temos: somos um pouco diletantes no nosso dia a dia, mas quando há um problema ou uma crise vem ao de cima a nossa capacidade. Nesse ponto de vista, António Costa é muito português. De facto, quando a luta aquece, funciona de maneira diferente. De qualquer forma, é uma pessoa que tem uma enorme experiência política. É do tempo em que os militantes dos partidos colavam cartazes na rua. Agora são empresas profissionais que fazem aquilo. No livro digo que ele é um político à antiga.
Isso foi-se notando no trabalho do dia a dia?
A campanha eleitoral é um momento de que toda a gente gosta. São dois meses de stress, em que sentimos que o que se faz tem uma projeção enorme. Procuramos sobretudo evitar o risco para não fazer asneiras. Quando se faz comunicação, que é, no fundo, vender vento, ou seja, vender coisas que não são materiais, no fim dos projetos nunca se sabe muito bem se correu bem ou mal. É uma apreciação subjetiva. Numa campanha eleitoral não há nada subjetivo. O resultado final é altamente objetivo e, portanto, é um momento incrível. Cavaco Silva, José Sócrates e António Costa são diferentes, mas os três têm uma personalidade fortíssima. Nenhum deles é, digamos, marionete de um consultor. São pessoas com uma imensa capacidade de liderança que toda a vida tiveram poder, gostam de o exercer, e, portanto, nada foi diferente com António Costa.
Como é que olha para a gestão mediática que o Presidente da República faz? Considera-o um relações-públicas nato ou um comentador que improvisa bem?
É uma pessoa que tem uma tendência enorme para explicar o que se passa. As pessoas confundem, às vezes, isso com apoio ao governo, e não é. Não quer dizer que ele não possa apoiar…. Ele é uma espécie de porta-voz do governo em muitas circunstâncias, porque se sente na obrigação, por razões que têm a ver com a sua mentalidade, com o seu raciocínio, de explicar. Passa a vida a explicar. Sente-se um bocadinho, talvez esmorecido, porque a direita que o tem acompanhado do ponto de vista partidário tem sido uma direita em reestruturação, fragmentada, sem muita iniciativa. Portanto, ele tem muita dificuldade em explicar o que se passa na direita, porque provavelmente do ponto de vista político não se passa grande coisa, e então passa a vida a explicar o que se passa no governo. É o que faz. A certa altura, agora neste segundo mandato dá um bocadinho a ideia que ele gostaria de voltar a ser comentador, que está um bocadinho farto, e que está sempre a recordar, talvez com saudades, o tempo em que era comentador. E isso é uma coisa que se sente muito na comunicação dele. É mais explicar do que comentar para sermos justos em relação ao que ele faz.
A comunicação política tem mudado vertiginosamente. Como é que olha para as próximas legislativas? O que vai mudar em termos da relação dos eleitores com os candidatos, da própria gestão da campanha e dos meios usados?
O que tem mudado é todo o sistema mediático. Uma campanha eleitoral é, no fundo, uma campanha de comunicação. É um iceberg de que só vemos a parte de cima. Na prática, uma campanha eleitoral é uma campanha de comunicação, de alto registo, muito intensa. O que o que mudou foi o sistema comunicacional, o sistema mediático, porque deixou de haver gatekeeper.
Mas o que é que isso pode significar para os próximos tempos?
A tendência será para ser ainda mais destrutiva de propostas do que hoje em dia. Por exemplo, José Sócrates fez uma campanha associada a temas, porque era pouco conhecido. Como é que vendemos aos eleitores uma pessoa pouco conhecida? Associando-a à ideia de educação, de desenvolvimento, do emprego. Hoje em dia, isso é praticamente impossível fazer. Todos os temas que são substantivos acabam por ser destruídos pelos outros candidatos, pela comunicação social, pelas redes sociais. Hoje, as pessoas não elegem as propostas. Não querem saber das medidas, não acreditam nas medidas. Se um político disser: "se ganhar as eleições, vou baixar os impostos", as pessoas registam que ele é um mentiroso. Não registam que ele vai baixar os impostos. O sentido dos eleitores perante os candidatos mudou e o da comunicação social e o das redes sociais ainda mais. Hoje, a grande questão da campanha eleitoral é a afirmação do carácter do candidato. Quem ganha as eleições ou perde é o caráter do candidato. E o carácter do candidato não é apenas gerido pelo próprio. É formado por uma série de fatores. Muitas vezes, aquilo que os adversários dizem constrói eleitorado para o alvo. As pessoas muitas vezes não percebem isso. No futuro, vai ser ainda mais difícil a questão do risco. Muitas pessoas julgam que uma campanha eleitoral é uma campanha de marketing. Não é. É uma campanha de gestão de crise. A última coisa que nos preocupa numa campanha é a divulgação. As luzes, os holofotes estão tão sobre nós, que com isso não precisamos de nos preocupar.
Não precisa de marketing.
O nosso problema não é que se propaguem as coisas. O nosso problema numa campanha de um candidato de primeira linha, naturalmente, é não correr riscos. Portanto, o que fazemos durante a campanha é iluminar ideias malucas. Não é criá-las. Acho que isso se vai acentuar ainda mais. Vai ser preciso mais cautela. Vamos ter mais dificuldades para nos conseguirmos concentrar na gestão da comunicação que atinge os nossos eleitores.