Neutralidade carbónica "é uma oportunidade" de negócio
12-12-2019 - 14:54
 • Sandra Afonso

Em entrevista à Renascença, a economista ambiental Sofia Santos explica do que falamos quando falamos de economia verde e circular e dos desafios que as empresas vão enfrentar nos próximos anos de transição para energias mais limpas.

Os empresários estão programados para ser competitivos, mas na nova circular o paradigma é diferente: "é essencial a cooperação entre os setores", defende a economista ambiental Sofia Santos, numa entrevista à Renascença em refere que a neutralidade carbónica é uma grande oportunidade para os negócios.

A indústria portuguesa está a investir na economia circular?

Diria que sim, é um tema muito falado, as empresas mostram-se bastante preocupadas e vê-se as empresas a desenvolverem ações e novos processos de produção, de forma a utilizarem melhor os recursos.

No entanto, este é um tema complexo na sua abordagem, portanto, não é só falar de reciclagem e da gestão dos resíduos, é também falar de novas abordagens de negócio, de simbioses industriais, e tudo isto necessita de parcerias entre os vários setores. É necessário que eles dialoguem, encontrem uma nova forma de cooperarem. Nós estamos muito habituados à competitividade e, em temas como a economia circular, é essencial a cooperação entre os setores, isso implica sentarem-se todos à mesa, abrirem a informação e encontrarem novas soluções. Mas acho que estamos no caminho certo.

Já existem setores que se destaquem no país, em termos de economia circular?

Os setores, talvez, com mais evidência têm muito que ver com a sua cadeia de valor. Conseguimos encontrar bons exemplos, mesmo que não sejam perfeitos, no sentido de serem 100% circular, porque isso ainda não temos. Mas há bons exemplos na gestão dos resíduos, nos cimentos, até no retalho, na pasta e no papel, na energia, temos bons exemplos de simbioses industriais e de aproveitamento dos ditos resíduos que conseguem ser transformados em subprodutos, para utilização noutros processos de produção.

Obviamente, este desenvolvimento tem tendência a acontecer junto dos setores mais industriais, porque são aqueles que também consomem mais matérias-primas e têm mais resíduos. Naturalmente, aí, serão os setores em que se consegue ver já algum desempenho e uma evidência mais premente.

Serão estes os maiores contribuidores para a neutralidade carbónica?

Também. As emissões de CO2, provocadas pelas atividades humanas, vão ser compensadas pelo sequestro de carbono, que pode ser feito através de plantação de árvores, pastagens biodiversas, etc... Com a reutilização dos recursos, indiretamente, também se diminui as emissões de CO2, porque não estamos a extrair recursos do planeta diretamente, estamos a reutilizar recursos que já foram utilizados.

Neutralidade nunca vai significar carbono zero?

As economias nunca serão zero em carbono. É preciso perceber que neutralidade carbónica não é sinónimo de zero carbono porque nas nossas atividades, por existirmos, damos origem a emissões de CO2. Portanto, neutralidade é compensar. Emitimos CO2 e temos de encontrar forma de sequestrar o CO2 que não somos capazes de diminuir nas atividades económicas, devido a limites de tecnologia e outros constrangimentos que possam existir.

A neutralidade carbónica também pode ser aproveitada pelas empresas como uma oportunidade de negócio?

Obviamente. Quando se fala de neutralidade carbónica, estamos a falar de um conjunto de oportunidades que a própria Comissão Europeia identifica, associadas à reestruturação e a mudanças que vão existir ao nível dos edifícios, ao nível dos transportes. E, se pensarmos que o objetivo da neutralidade carbónica é para todo o mundo, para os mais de 60 países que assinaram o Acordo de Paris, e que concordaram em ser neutros em carbono na segunda metade, portanto é para o mercado global.

Tecnologias que as empresas consigam desenvolver, que deem origem a menos emissões de CO2 - carros mais eficientes, processos mais produtivos, aumento da produtividade de energia nos processos, aposta nas energias renováveis e tecnologias associadas a isso - é uma oportunidade, porque temos todo um mercado mundial que, precisamente, procura conseguir cumprir com o compromisso de neutralidade carbónica.

Em breve 40% dos fundos europeus para investimentos têm que respeitar o Acordo de Paris. Ainda estamos muito longe desta percentagem?

É já no próximo Quadro Comunitário, 2021-2027. A própria Comissão Europeia está a alinhar o financiamento com os objetivos, para depois distribuir pelos países, tendo em conta as alterações climáticas, a economia circular e a digitalização.

Essas percentagens vão surgir daqui para a frente, no próximo quadro de apoio que virá para Portugal, o que significa que é importante, as empresas que recorrem aos fundos europeus via Portugal e os bancos que depois cofinanciam a parte restante, é importante que percebam que muita da próxima ajuda será direcionada para estes projetos. Portanto, é importante que a banca consiga perceber e valorizar estes projetos, que são novos, de temas que não estão habituados a compreender, mas são estes os temas que irão acontecer de futuro e, portanto, é necessário a banca também capacitar-se um pouco para perceber isto, se quiser aproveitar o financiamento da comunidade europeia, no próximo quadro comunitário de apoio.

Disse que a banca está pouco envolvida com a economia verde. O que é afinal isto da economia verde?

A economia verde, na realidade, é a economia que nós temos. Parte do pressuposto que todas as atividades económicas pretendem sempre diminuir o impacto ambiental. Portanto, uma economia verde é uma economia em que se consegue gerar trabalho, gerar riqueza e baixar o impacto ambiental. Hoje em dia os principais temas são as alterações climáticas - uma economia que consiga produzir bens e serviços e diminuir as suas emissões de CO2, e também promover a economia circular, isto é, utilizando cada vez menos recursos naturais.

Porque diz que a banca está pouco envolvida?

O setor bancário está a dar os primeiros passos. A nível europeu, Bruxelas está a desenvolver a regulação. São temas completamente novos. Os bancos não nasceram com o propósito de avaliar projetos do foro ambiental, mesmo as suas competências são financeiras e de análise de risco, puro e duro. Agora, incluir o risco ambiental, que normalmente está na área dos engenheiros do ambiente que são de outras faculdades, significa que tudo é novo e ainda não é uma prática corrente na banca portuguesa promover este tipo de financiamento.

Mas já existem bancos verdes.

Sim. Nos Estados Unidos. São bancos criados especificamente para canalizar financiamento para projetos que originem menos emissões de CO2 e melhorar a utilização dos recursos. São bancos que não recebem poupanças, podem captar investimento público e privado, investem em projetos, são bancos específicos.

Há uma tendência para também na Europa, e a nível global, se tentar criar mais bancos verdes, para acelerar este processo de investimento, para depois já não ser preciso bancos verdes, para se massificar ou todos os bancos se transformarem em bancos verdes. Existe já esse movimento em marcha.

Imagina um banco verde em Portugal?

Imaginar, consigo imaginar, e acho que seria bom. Mas não terá de ser a solução exclusiva. Os outros bancos podem também alinhar-se com este caminho.