Vice do PSD desafia Costa sobre novo aeroporto. "Governo vai ou não cumprir acordo?"
12-10-2023 - 07:00
 • Susana Madureira Martins (Renascença) e David Santiago (Público)

António Leitão Amaro avisa o primeiro-ministro que o PSD não lhe "vai facilitar a vida" em relação ao compromisso sobre o novo aeroporto de Lisboa, deixando implícita a ameaça de que os social-democratas podem rasgar o entendimento.

António Leitão Amaro antecipa, em entrevista ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, que os portugueses "não devem esperar surpresas" quanto ao sentido de voto do partido em relação a uma proposta de Orçamento do Estado para 2024, que classifica de "eleitoralista", assente em "impostos máximos, serviços mínimos" e que conduz ao "empobrecimento do país".

O vice-presidente do social-democrata diz que, apesar de o Governo se ter aproximado do PSD na proposta de descida do IRS, este imposto "tem que descer ainda mais, significativamente mais".

Quanto a Passos Coelho, garante que na direção social-democrata ninguém "vive assustado com retrovisores" e, sobre a possibilidade de os sociais-democratas deixarem cair um entendimento com o Governo quanto ao processo de escolha da localização do novo aeroporto de Lisboa, Leitão Amaro assegura que o PSD vai "tomar a decisão baseado no comportamento da outra parte e no cumprimento do acordo".

Marcelo Rebelo de Sousa veio dizer, em relação à proposta de Orçamento do Estado (OE), que é a única estratégia possível e que ir mais longe seria um grande risco. O PSD tem a mesma visão?

O PSD acha e diz aos portugueses que havia um caminho diferente. Custa-me muito ver aplaudir um Orçamento que basicamente diz aos portugueses para pagarem mais, para receberem menos. A carga fiscal para o ano de 2024 vai bater um novo recorde.

Estas declarações do Presidente da República são declarações que o PSD não precisava?

O Presidente faz o seu papel, diz o que entender e eu não ouvi sequer as declarações dele para perceber exatamente o que diz. Ao PSD cabe formular e apresentar aos portugueses uma visão que deve ser, e é, bastante diferente. Este caminho de António Costa é errado. Era possível fazer diferente.

O Governo falha porque podia e devia ter reduzido mais o IRS e devia ter reduzido o IRC, em que nem sequer tocou. O que propomos reduzir de IRS é menos do que o chamado imposto inflacionista. Muitas vezes ouvimos pessoas perguntar 'por que é que vocês não propõem reduzir e não explicam qual é que é a despesa que iam cortar para financiar esta redução de IRS'. Nós não propomos, neste momento, fá-lo-emos mais à frente. Achamos que o IRS tem que descer ainda mais, significativamente mais, porque esta redução de IRS é paga com o chamado imposto inflacionista, com a receita a mais que a inflação.

Se as pessoas vivem dificuldades, tempos de incerteza, temos que confiar e deixá-las com o dinheiro do seu trabalho, do seu investimento, e não puxá-lo para o Estado para depois, à medida da conveniência eleitoralista da visão benevolente que o Governo achar que tem, distribuir uma parte.

Falou em eleitoralismo. O Governo e o PS já entraram em campanha eleitoral rumo às europeias de junho?

Parece-me evidente. A opção de dizer ‘passem para cá o dinheiro para depois eu, ao longo do ano, e se calhar mais perto das eleições, ir dando’, parece-me também uma escolha eleitoralista. Mas o grande problema deste Orçamento é a desistência. O Governo desistiu de transformar o país, aceitou a falência do Estado social que é infligida e criada por este Governo.

Numa primeira reação, o líder do PSD, Luís Montenegro veio dizer sobre este OE que é “pipi, bem apresentadinho e muito betinho”. É adequado o presidente do maior partido da oposição referir-se assim ao OE?

O presidente do PSD é uma pessoa muito educada e todos os termos que utilizou são educados e fazem parte de uma linguagem adequada, séria e respeitadora. Sabemos onde é que no espaço público português estão as linguagens agressivas, insultuosas e elas estão em extremos políticos, à esquerda e à direita, mas muitas vezes na intervenção do próprio primeiro-ministro.

Este Orçamento, segundo as declarações de Fernando Medina, reforça apoios sociais às famílias. Há uma mexida nos escalões do IRS que se aproxima daquilo que era proposto pelo PSD e também há a redução da dívida pública, até com um excedente orçamental. O Governo está a roubar o discurso do PSD?

Não, de todo, estou a dizer quatro pecados capitais que este Orçamento repete: impostos máximos, serviços mínimos, empobrecimento do país, esquecimento completo das empresas e da competitividade. E, já agora, um resultado global em que põe os mais pobres a sofrer mais.

Por tudo aquilo que já disse, podemos depreender que o mais certo é que o PSD vote contra esta proposta de OE?

Podemos deixar os portugueses tranquilos. O PSD não se revê neste caminho e, portanto, não devem esperar surpresas na posição de voto partido. Temos jornadas parlamentares no início da próxima semana e será comunicado o sentido de voto.

Sobre a localização do novo aeroporto. O PSD vai, ou não, conseguir cumprir com o acordado com o Governo e aceitar aquela que for a conclusão da comissão independente? Como é que o PSD se vai posicionar no final disto?

A pergunta é se o Governo vai cumprir o acordo com o PSD. E foi esse o aviso que o meu colega vice-presidente do partido fez. Há sinais de que esse acordo, as condições do acordo podem não estar a ser cumpridas: independência técnica face às várias soluções, não-interferência de governantes a quererem influenciar as decisões. Por último, o mandato da comissão independente é para avaliar propostas, não é para escolher a solução. Isso é uma decisão política. Aos técnicos o que é dos técnicos, aos políticos o que é dos políticos.

Há nisto uma ameaça de que o PSD pode saltar do acordo e que aquilo que foi acordado pelo próprio líder do PSD e o primeiro-ministro não ir até ao fim?

O Governo vai ou não vai cumprir a sua função? É isso que nós queremos saber.

Depende disso a posição do PSD?

[É preciso] tomar a decisão baseado no comportamento da outra parte e no cumprimento do acordo. É isso que estamos a exigir, que o acordo seja cumprido.

A proposta de OE para 2024 já devia contemplar despesa para a construção do novo aeroporto de Lisboa? Ou é uma coisa que ainda é muito remota e muito lá longe e que mais tarde se pode falar?

Há uma coisa que devia estar a acontecer. O acordo exigia o início imediato de obras no aeroporto da Portela. Nós também avisámos agora que esse aspeto do acordo já está a ser incumprido, objetivamente. Seja qual for a solução escolhida, vai demorar alguns anos. Estamos a ser prejudicados com esta incompetência de o Governo não fazer a sua parte e no contrato que tem com a ANA cumprir os poderes, que também é um dever, de exigir a realização daquela obra.

O PSD não teme colocar em causa um consenso para uma solução que se espera há décadas?

Se existe um acordo entre os dois principais partidos com condições que defendem o interesse público e o Governo não cumprir as responsabilidades e os compromissos que assumiu, onde é que está a responsabilidade do PSD?

Neste momento só há uma responsabilidade de fazer. E só a um lado neste processo podem ser exigidas responsabilidades. O PSD, que não vai ter que tomar a decisão, aparentemente, porque não será governo nessa altura, fez aquilo que outros poderiam ter feito, que foi dizer, para dar um apoio político a uma decisão, precisamos de ter essas condições cumpridas.

O Governo aceitou. Não está a cumprir várias. Onde é que está a responsabilidade? É apenas e exclusivamente no Governo. O juízo e a censura política que se fizer é ao Governo, que é o responsável por cumprir esses compromissos.

O PSD estaria disponível, se o Governo também estivesse, para consensualizar também a escolha da localização depois do relatório final ser conhecido?

Os termos do acordo são conhecidos.

Digo num passo posterior.

Temos um acordo. Porquê estar a fugir do que está acordado? Vamos cumprir o acordo. Não vamos facilitar a vida a quem está a ser incompetente. Vamos exigir àqueles que dão uma palavra que cumpram a sua palavra. O responsável é o Governo, tem que cumprir a palavra que colocou no papel e no acordo que assinou com o PSD.

Esta semana foram conhecidas duas sondagens que mostram que o PSD, após meses sem conseguir descolar do PS, está agora em queda nas intenções de voto e mais longe dos socialistas. É a prova de que a mensagem de Montenegro não está a passar?

Temos sondagens agora, umas mais recentes, outras mais antigas, e todas confirmam uma proximidade. Todas falam agora em empate técnico, com tendências umas a subir, outras a descer. Se em um ano recuperamos 14 pontos, imagine o que é que vamos fazer nos próximos três.

Diria que a estratégia do PSD está a ser atrapalhada por questões internas? Temos Carlos Moedas e Passos Coelho a serem cada vez mais apontados como potenciais candidatos à liderança do partido após as eleições europeias.

Atrapalhado um partido que tem um presidente de Câmara de Lisboa a fazer um excelente mandato? Temos imenso orgulho no ótimo desempenho, no sucesso, na transformação que Carlos Moedas está a trazer a Lisboa.

Não está Moedas a posicionar-se?

Está a cumprir o seu mandato.

Está a evitar falar de Passos?

O PSD tem orgulho nos seus ex-presidentes, mas em particular no ex-primeiro-ministro Passos Coelho. Vivemos muito confortáveis com o que ele fez pelo país. Tenho este princípio na vida: só quem tem pouco que fazer, não sabe para onde ir, nem tem capacidade de transformar, é que vive assustado com retrovisores. No caso do PSD, no caso do presidente do PSD, todos contam.

Luís Montenegro levou mais de um ano a clarificar em definitivo a posição do partido relativamente a qualquer tipo de aliança com o Chega. Esta hesitação e esta falta de clarificação prejudicou a afirmação do atual líder do PSD?

A mensagem foi toda coerente, ou não foi?

A verdade é que foi faltando dizer a palavra 'Chega'.

Agora que a fome da palavra foi satisfeita, querem continuar a falar sobre a palavra como se o assunto não estivesse arrumado?