"Devemos estar atentos aos sinais". João Pinto Coelho escreve sobre os judeus perseguidos em Itália
25-03-2021 - 06:58
 • Maria João Costa

Chama-se “Um Tempo a Fingir”, é o terceiro romance que João Pinto Coelho escreve sobre a perseguição aos judeus. O Prémio Leya diz que é importante recordar “outras coisas parecidas” que “começaram exatamente da forma como observamos hoje em dia”.

Num livro dedicado ao seu pai, João Pinto Coelho regressa à história da perseguição aos judeus na Europa. Em “Um Tempo a Fingir”, editado pela D. Quixote, o autor, que venceu o Prémio Leya em 2017, explora o que aconteceu em Itália, o país onde mais judeus sobreviveram ao nazismo.

A ação do livro centra-se na personagem ficcional de Annina Bemporat, alguém que diz que acabou a sua infância no dia em que ouviu um tiro.

Em entrevista ao programa Ensaio Geral da Renascença, o autor sublinha a importância de, no atual contexto europeu, continuar a falar sobre a História recente do Velho Continente. “Outras coisas parecidas passaram-se e começaram exatamente da forma como observamos hoje em dia, um pouco por todo o lado. Devemos estar atentos”, diz João Pinto Coelho.

Volta a olhar a história dos judeus, as perseguições nazis. Em “Um Tempo a Fingir” retrata o caso italiano. Em que medida lhe interessou esse caso e que história quis contar?

Através da vida de uma personagem, neste caso Annina Bemporad, uma jovem judia que vive numa cidade da Toscana que se chama Pitigliano, vamos conhecer o contexto em que foram implementadas as leis raciais, desde 1938, e esse período que se seguiu até à chegada dos alemães, em 1943.

Conhecemos as caraterísticas específicas sobre a perseguição aos judeus que diferiu bastante do que aconteceu nos cenários dos romances anteriores, sobretudo a Polónia. Conhecemos o caso particular de Itália e percebemos como todas essas coisas se desenvolveram.


A personagem da Annina Bemporad serve de pretexto?

No fundo, a história da Annina Bemporad, mais do que a história de uma jovem que vemos crescer desde os 14 anos até à idade adulta, é de certa forma o veículo que eu vou utilizar para contar esse contexto de ocupação, perseguição, manifestação, de preconceito num país onde a perseguição aos judeus teve características muito específicas e daí eu achar importante explorá-la.

Ao longo das páginas deste livro percorremos as ruas desta aldeia italiana, andamos em túneis e catacumbas. Construiu a história com base em acontecimentos reais?

O caso Pitigliano é um caso típico e está retratado no livro. Quando chegaram os nazis, houve uma mobilização geral dos italianos, não judeus, para, por exemplo, esconderem e ajudarem a salvar os judeus perseguidos.

Se é verdade que isso aconteceu na Polónia, em Itália aconteceu a uma escala completamente diferente. Permite que olhemos para os números dos sobreviventes, em percentagem, e comparando com outros cenários na Europa, vemos realmente, não diria um milagre italiano, mas houve um conjunto de acontecimentos que permitiram que a taxa de sobrevivência dos judeus durante esse período fosse muito maior na Itália.


Em “Um Tempo a Fingir” vemos como o artifício do fingimento é uma ferramenta de sobrevivência para a protagonista da história. Mas há algo que liga este seu livro aos anteriores.

Tem muito a ver com algo que é transversal aos meus três romances, que é a existência do mal. A historiografia do Holocausto cada vez mais incide sobre essas histórias de vida. Sobre quem foram aquelas pessoas que se transformaram naqueles perpetuadores terríveis. Portanto, essa semente, o mal que existe em cada um de nós, aparece no caso da Annina Bemporad sob a forma de uma criatura.

É a tal criatura que ela vê ao espelho horrorizada, sempre que se olha.

Estou a corporizar o mal, a fazer dele uma criatura que vive dentro da Annina. Eu exploro como sendo a personificação do mal e essa semente que existe em cada um de nós pronta a tornar-se visível.

Continua a considerar pertinente falar sobre a história recente da Europa e em particular do Holocausto, porquê?

Estou convencido que durante aquele período a Europa deixou cair a máscara. Mostrou-se da forma mais límpida e lúcida, revelando o que de mau e de bom poderia existir na natureza humana. No fundo, é isso que me interessa nos meus romances.

No contexto que estamos a viver atualmente, é importante que recordemos que outras coisas parecidas se passaram e começaram exatamente da forma como observamos hoje em dia, um pouco por todo o lado. Devemos estar atentos. No fundo, são esses sinais que também estão explícitos em qualquer um dos meus romances. Se olharmos com clarividência necessária, rapidamente percebemos que não há coincidências.