Vinte anos de rankings põem a nu vinte anos de atraso na educação
21-05-2021 - 20:11

A fúria ideológica “anti privada” (responsável pelo desaparecimento de 24 colégios num ano e a quase eliminação dos chamados contratos de associação) acabou, como se temia, a nivelar por baixo e a fazer dos estabelecimentos privados pequenas bolhas de meninos privilegiados. Resumindo: deu-se mais um passo na quebra do elevador social que a nova vaga de fundos comunitários tem obrigação de reparar.

Não nos enganemos: os bons resultados nos rankings das escolas, no terceiro ciclo do ensino secundário, foram bons. Foram muito bons. Mas o próprio secretário de Estado foi o primeiro a deixar claro, na entrevista à Renascença, que não se pode comparar o incomparável. E João Costa disse ainda o que, em vinte anos, ninguém se comprometeu a fazer: “ é mesmo preciso pensar num novo modelo de recrutamento e seleção de professores”. Esperemos que não leve mais duas décadas a implementar.

Este ano houve pandemia. Mas o sistema de acesso ao superior mudou. As notas foram calculadas de forma diferente. Os alunos só estudaram para os exames que, de facto, contavam para o seu percurso e isso justifica que, entre os mais velhos, as notas tenham subido substancialmente. Os alunos não se dispersaram tanto. Matemática A (disciplina mal querida e o protótipo do desastre), desta vez, só avaliou os alunos que tem especial gosto na matéria porque essencial ao curso que pretendem frequentar. Os piores alunos não puxaram para baixo as notas da disciplina, simplesmente não se apresentaram a exame.

Lembremo-nos, ainda, que a subida de quase três valores nas médias de muitas disciplinas e estabelecimentos resulta da análise visar apenas os menos afetados pela pandemia. Os mais preparados para o trabalho individual e para seguir as aulas pelos meios digitais. A subida das notas, nestas condições, não reflete necessariamente mais sabedoria. A média de 18 a Educação Física prova que muita coisa não mudou. Como não somos um país de atletas e os “nerds” até são menos dados ao desporto, “o gato”, aqui, tem o rabo de fora. A ginástica parece bom trampolim para inflacionar a média.

Nada é comparável com o passado. Se os rankings englobassem os exames de 9º ano (travados pelo Governo e inexistentes em 20 e 21) estaríamos, provavelmente, à beira de um chilique. Se, mesmo nos colégios privados, mais homogéneos em matéria de recurso a novas tecnologias, onde as aulas mantiveram mais regularidade as notas desceram a pique, é fácil imaginar como teriam caído na maioria das escolas públicas, geralmente menos preparadas tecnologicamente e onde o handicap socioeconómico é muito mais difícil de vencer.

Vamos deixar para trás o que já não interessa: a evidente diferença entre o sucesso das escolas públicas e privadas. Sempre acentuada por questões ideológicas. Mesmo assim, é impossível não constatar que, na primeira série de 2001, nas 50 melhores classificadas estavam 29 escolas públicas e 21 privadas e, na última série estão 47 privadas e 3 públicas. Foi uma enorme alteração, para pior, que a 5 de Outubro não conseguiu, até agora, inverter.

A fúria ideológica “anti privada” (responsável pelo desaparecimento de 24 colégios num ano e a quase eliminação dos chamados contratos de associação) acabou, como se temia, a nivelar por baixo e a fazer dos estabelecimentos privados pequenas bolhas de meninos privilegiados. Resumindo: deu-se mais um passo na quebra do elevador social que a nova vaga de fundos comunitários tem obrigação de reparar.

Este será o maior desafio dos próximos anos. Sabemos que o ciclo da pobreza se repete tanto mais quanto mais baixa é a escolaridade das mães. Uma das melhores soluções para tornar o país menos desigual e mais desenvolvido é exatamente apostar mais na melhor educação e no menor abandono escolar dos jovens. Sobretudo das jovens mais pobres que tenderão a passar o mesmo modelo de baixa qualificação aos seus filhos (daí a importância crucial de obrigar a escolarização das jovens de todas as etnias, sobretudo as que incentivam casamentos precoces e abandono escolar).

Aparentemente, o poder recusa-se a entender que as escolas públicas podem ser de excelência se, por exemplo, tiverem a sorte e o contexto da Secundária Eça de Queirós, da Póvoa de Varzim. Conhecia –a , há mais de uma década e, nessa altura ,o sucesso residia num segredo óbvio: relativa homogeneidade dos alunos, estabilidade do corpo docente e uma ligação intensa e eficaz à comunidade, onde a maioria dos professores estava também integrada. A autarquia, uma das pró-ativas e amiga das artes e das letras do país, também ajudava, fosse qual fosse o partido de poder.

O contacto dos alunos com escritores desde o primeiro ciclo por ocasião das Correntes de Escrita, é exemplo de uma estratégia virada para o estudo e o sucesso escolar, numa comunidade que valoriza as letras, as artes, e o desporto como “um todo” e não reduz o sucesso, a saber ler e contar e “tirar” boas notas. Os horários da natação, do karaté, do violino, do ballet ou, mesmo, da catequese ajustavam-se, nessa altura, à vida escolar. E existia uma espécie de tutoria informal da comunidade educativa que visava detetar cedo os riscos de insucesso.

Em todo o país existem exemplos destes e, em Lisboa, também se conhecem escolas onde os professores são tão ou mais dedicados, mas os meios são infinitamente menores, a rotatividade do corpo docente é alarmante e a comunidade não ajuda e só exige resultados ( 25 ou mais nacionalidades entre alunos, pais que desconhecem a língua, insalubridade e promiscuidade nas habitações, desincentivo total à participação escolar levam alunos e professores ao esgotamento e à desesperança). Para esses, a divulgação dos rankings é um dia negro onde apenas se confirma a injustiça das comparações e se constata a sua impotência.

Na Póvoa, voltara a existir quadro de honra e prémios para os melhores alunos, logo no primeiro e segundo ciclo. Na escola Rocha Peixoto, por exemplo, inserida em meio económico menos privilegiado, a cultura do sucesso e do mérito era usada como forma de inclusão, favorecendo a boa preparação, logo no início do percurso escolar. Quem era pior nas letras, brilhava no desporto ou vice-versa. Via-se o esforço de não deixar ninguém para trás. Falo do que vivi e espero que não tenha mudado senão para melhor.

O colégio de Nossa Sra. Do Rosário, no Porto, esteve 8 anos na liderança nos últimos vinte rankings do Público, a Academia de Santa Cecília, o Mira Rio e o Manuel Bernardes também foram vários anos repetentes. Entre as escolas públicas, a Secundária D.Maria, em Coimbra, liderou nove vezes e a Academia de Música de Braga três. Isto dirá alguma coisa destas escolas? Sim. Mas não nos diz tudo.

Os professores conhecem a pressão que existe para “trabalhar para o ranking” ,em muitas escolas, e nas que preferirem trabalhar para o sucesso integral dos seus alunos e não só para a seriação das notas conhecem o preço da opção. Para os que preferem não ceder e manter os projetos educativos que valorizam mais o desenvolvimento integral da pessoa; a interajuda, a solidariedade ou a curiosidade intelectual pelo mundo envolvente, sem descurar a excelência académica mas sem se esgotar nela, o preço a pagar é a menor procura.

As boas notícias, deste ano, nas candidaturas ao superior, irão complicar ainda mais e acentuar a competitividade no acesso entre alunos aos cursos mais concorridos. E o método de cálculo das listagens também varia de jornal para jornal. Mas as conclusões acabam por ser as mesmas. Ou quase. Nas privadas as notas das dez melhores escolas variam entre médias de quase 18 e 16,3 valores e nas públicas ( de 14,95 a 14,33).

O mundo mudou nos últimos vinte anos. As escolas pouco. A escolha dos professores nada. As instalações melhoraram nuns casos e degradaram-se noutros. Há escolas que entraram logo para liderar, com média de 18, como o colégio Efanor do Porto e outras que deixaram de aparecer porque se dedicaram a currícula internacionais como o Bacharelato Internacional (IB), passando a integrar apenas os rankings internacionais; outros por melhores que sejam, não entram por escassez de alunos.

O mudou em tudo e os currícula mudaram tão pouco que parecem ajustados a um mundo que não existe. Se não se perceber, rapidamente, que só um país menos desigual e mais educado nos garante o desenvolvimento e o futuro, não sairemos da irrelevância, nem conseguiremos fazer nenhuma outra reforma digna desse nome. Meta-se na gaveta a ideologia e, aproveitando os fundos de Bruxelas, conviria meter também mãos à obra, porque 20 anos depois do primeiro ranking, arrancado a ferros por decisão de um tribunal, retirámos poucas lições a não ser a de que partiremos com vinte anos de atraso.