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Entrevista

João Botelho: “O meu cinema não é o que se passa, o meu cinema é como se filma”

02 fev, 2016 - 11:25 • Maria João Costa

João Botelho filmou duas duplas de irmãos artistas e fez “Quatro”. Têm a “arte como desejo absoluto, como possibilidade de vida. Se não fizerem aquilo, não existem”, diz em entrevista.

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“Quatro”, o novo filme de João Botelho, é um documentário sobre dois pares de irmãos, todos artistas plásticos. O realizador filmou os irmãos João e Jorge Queiroz e Pedro e Francisco Tropa a trabalharem. O resultado está em exibição no Cinema Ideal, em Lisboa.

João Botelho quis “respeitar o trabalho" dos quatro artistas e respeitar o seu próprio cinema.

Quem são os “Quatro”?

É um grande pintor, o João Queiroz; um senhor que desenha e que agora também pinta e que é irmão dele, o Jorge Queiroz; o Pedro Tropa, que é fotógrafo e o mais novo de todos; e o Francisco Tropa, que é, para mim, o melhor escultor português.

Porque resolveu fazer este documentário sobre estes quatro artistas plásticos?

São quatro artistas que eu conheci e adoro. São para mim quatro dos melhores artistas que trabalham em Portugal e têm a particularidade de serem dois irmãos, mais dois irmãos. É uma espécie de grupo de artistas que tem o mesmo tipo de convicções sobre a arte. A arte como desejo absoluto, como possibilidade de vida. Se não fizerem aquilo, não existem.

O que lhe interessou em filmá-los a trabalharem?

Tinham a particularidade de trabalharem juntos no mesmo espaço, mas são muito diferentes uns dos outros. Cada um faz as suas coisas, mas têm uma espécie de amizade que ultrapassa também as relações dos artistas. Eles viveram no mesmo ateliê, excepto o Jorge que começou lá mas depois foi para Berlim. Ele é o mais mediático. Tem galerias em Nova Iorque e Paris e é da mesma geração do Francisco Tropa. Um é escultor o outro é desenhador. O João Queiroz é uma espécie de patriarca. É engraçado porque ele é um autodidacta em pintura e é um pintor notável. Ele era professor de Filosofia. Aliás, as concepções que estão no filme estão ancoradas em textos que ele escreveu, um chamado “Exercício de Desenho Pensando em Bento Espinosa” e outro sobre de onde vem o material com que se pinta. É um texto muito engraçado sobre os óleos e o pincel.

O João Botelho filma-os, mas não interage com eles. Como se a sua câmara fosse apenas uma espectadora.

Combinei com eles a maneira de trabalhar. Não queria que eles falassem, nem que explicassem nada. A arte não se explica, a arte faz-se e sente-se! Não queria justificações, nada! Queria vê-los trabalharem e fazerem obras. O acto da criação é um acto muito complicado, muito solitário.

A única coisa que combinei com eles era que eu respeitava o trabalho deles e eles sugeriram os sítios para filmar, as obras, alguns até sugeriram a música que queriam ouvir. A ideia era respeitar o trabalho deles e respeitar o meu cinema. O meu cinema não é o que se passa ou quando se passa, o meu cinema é como se filma! É onde eu ponho a câmara. Portanto, a relação foi uma certa democracia entre eles, ou seja, 25 minutos para cada um, uma semana de trabalho para cada um e depois cada um me levou ao modo de trabalho.

Qual foi o mais difícil e desafiante?

O Pedro Tropa. É o mais sossegado, o mais calmo, e é, no entanto, se calhar, o mais violento na maneira de trabalhar. Ele só fotografa quando perde o oxigénio. Levou-me a 4 mil metros de altitude. Subi durante seis horas a pé, por um caminho onde só cabe uma pessoa. Quando vem um burro temos de nos desviar para não cair em ravinas de mil e tal metros de altura. Fomos para os Picos da Europa e foi um tempo muito estranho porque era o final de Setembro e apanhámos o primeiro nevão. Ele dizia que não estava frio nenhum! Havia um abrigo a 3 mil e tal metros onde só ligam o aquecimento quando estão 15 graus negativos. Estavam zero, era um frio, um gelo. Dormimos em camaratas, uma coisa muito estranha. Ele explicou-me que só consegue fotografar quando está no limite da respiração.

Comentários
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  • João Matos
    13 out, 2016 Lisboa 10:27
    Este indivíduo é em si mesmo um insulto ao cinema e às artes.

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