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“Tinha que vir aqui”. A saudade em dia de fiéis defuntos

02 nov, 2020 - 10:54 • Olímpia Mairos

Afluência aos cemitérios de Chaves está a ser menor, comparativamente a anos anteriores. Há regras de segurança apertadas, com imposição de um número limite de entradas. Não há oração comunitária e os vendedores de flores queixam-se do fraco negócio.

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O que o Governo anunciou para reforçar combate à Covid-19:


A pandemia da Covid-19 está a refletir-se na pouca afluência aos cemitérios em dia de fiéis defuntos.

Em Chaves, a autarquia impôs regras apertadas de segurança, com circuitos de entradas e saídas e limites às entradas nos dois cemitérios municipais, mas, até ao momento, as romagens têm ficado muito aquém de anos interiores.

Fátima Torre, de 58 anos, vem para “cumprir uma tradição, na certeza de que este não é um lugar de finitude”.

“É um lugar de recordações. Como católica tenho a plena certeza de que a minha mãe está com Deus”, conta à Renascença, acrescentando que “estas datas marcam profundamente, mas também fazem com que olhemos mais para o céu.

“Nós não fomos feitos para aqui, somos peregrinos e o nosso destino é o céu”, diz.

Ao contrário dos anos anteriores, este ano, devido às restrições impostas por causa da pandemia da Covid-19, não haverá oração comunitária no cemitério. E Fátima Torre sente falta.

“Coletivamente sentimo-nos mais aconchegados, porque pertencemos a um grupo grande, somos católicos e Jesus Cristo está connosco. E essa certeza dá-nos um certo aconchego”, explica.

“É tudo mais triste”

Apesar de se deslocar ao cemitério todos os domingos para visitar o pai, Leonel da Cunha, de 40 anos, conta que “não podia deixar passar este dia sem uma visita”. “Já rezei, já conversei com o meu pai. É uma forma de manter a ligação e alimentar os laços que nos unem”, explica, salientando que “este ano é tudo mais triste”.

“É totalmente diferente. Parece um dia normal, vê-se pouca gente, não se percebe tanta restrição, mas temos que respeitar”, diz.

Também Marisa Peixoto, 36 anos, nota “muito menos gente e a falta de ornamentação em muitas campas”. “É muito triste, porque este é um dia especial, e há muita gente que não pôde vir e isso reflete-se na falta de flores e velas”, observa Marisa já a saída do cemitério.

José Sampaio, de 69 anos, segue em passo apressado, diz que vem ver a mãe e a irmã. “Venho todas as semanas, mas neste dia parece que a saudade aperta mais”, conta.

“Este ano não é nada como os outros anos. Muito menos gente, menos flores, menos velas”, diz à Renascença António Pereira, funcionário da autarquia de Chaves.

O responsável por controlar as entradas e saídas no cemitério novo e se as pessoas cumprem com as regras estabelecidas, nomeadamente o uso da máscara, a desinfeção das mãos e o respeito pelos circuitos de circulação, nota que “há campas e jazigos que não tiveram ninguém, uns talvez por medo do vírus e outros porque não se puderam deslocar, por causa da proibição de transitarem entre concelhos”.

“Isto está muito mau. Não se vende nada”

À porta do cemitério velho de Chaves, Maria Alves, de 65 anos, vende flores que a própria cultivou na aldeia das Eiras. “Isto está muito mau. Não se vende nada. Já estou aqui há três dias e não vem quase ninguém”, lamenta à Renascença.

A vendedora garante que, apesar de estar a vender mais barato que em anos anteriores e de os arranjos serem “bonitos”, os “compradores são poucos”.

“Isto vai tudo para o lixo. Já não as vou vender. E estava a contar com este dinheirinho para as minhas despesas, porque sou doente e vou todas as semanas ao hospital de S. João, no Porto, fazer tratamentos”, conta Maria Alves.

A banca que colocou mesmo às portas de cemitério permanece cheia de arranjos florais. Os preços variam entre os dois e os sete euros. As pessoas, não muitas, vão passando, mas não param para comprar flores.

“Andaram a dizer que os cemitérios estariam fechados e algumas pessoas, com medo, compraram nas lojas e muitas não vieram à terra, porque não podiam passar”, explica a vendedora, justificando assim o fraco negócio.

Maria Alves também não percebe o porquê de tantas restrições, argumentando que “os cemitérios são ao ar livre e as pessoas podem espalhar-se”.

Chaves está incluído na lista de 121 municípios onde, a partir de quarta-feira, vão ser implementadas mais restrições, como o dever cívico de recolhimento domiciliário, teletrabalho e a suspensão de feiras e mercados.

De acordo com o boletim epidemiológico do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Alto Tâmega e Barroso, o concelho de Chaves contabiliza 79 casos ativos de infeção pelo novo coronavírus e tem ainda 134 pessoas em isolamento.

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