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“Vazio” da missa deve ser preenchido com o próprio Cristo, diz padre

15 mar, 2020 - 07:49 • Eunice Lourenço

A suspensão das eucaristias com povo e cancelamento de procissões dos passos marcam este terceiro domingo da Quaresma.

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Na sexta-feira, dia em que a Conferencia Episcopal Portuguesa (CEP), recomendou a suspensão das missas com presença de fieis, o padre João Sobreiro tinha várias visitas a doentes marcadas, confissões, reunião de pais de adolescentes que se preparam para a profissão de fé. No sábado, ia confessar escuteiros, preparar catecúmenos para a iniciação cristã, participar numa vigília de oração. E entre sábado e este domingo, deveria celebrar cinco ou seis missas nas três paróquias em que é prior no concelho de Alenquer.

“É um vazio tão grande”, começa por dizer sobre como está a viver estes dias. Mas continua: “Esse vazio fez-me pensar ‘tens feito mais as coisas de Deus e esquecido o próprio Deus’, esse vazio tem sido bom porque é esse vazio que tenho de entregar a Jesus nesta Quaresma a Jesus. É vazio que me ajuda e me educa nos meus sentimentos para eu deixar que seja Cristo a preenchê-lo.”

Como a generalidade dos outros padres, João Sobreiro tem celebrado missa diária. No seu caso, com os outros dois padres que vivem

na mesma casa paroquial e que têm a seu cargo nove paróquias, cada qual com vários locais de culto (uma das paróquias, por exemplo, tem 11 capelas espalhadas por outras tantas aldeias).

O padre João Sobreiro encara a suspensão das missas com povo e de outros os outros encontros e reuniões pastorais como um desafio. Primeiro pessoal. “Tem sido um desafio a deixar que Deus seja Deus na minha vida. Normalmente, um padre pode cair no risco – e eu caio nesse risco – que é fazer as coisas de Deus e aqui sou chamado a escolher o próprio Deus, criar intimidade com ele na oração, criar espaço de relação e de escuta e não fazer as coisas de Deus, as eucaristias – que são momentos fortes de espiritualidade, mas num ativismo e dispersão que o meio rural traz.”

Depois, um desafio para os seus paroquianos, sobretudo para os fiéis mais envelhecidos, como é o caso destas aldeias junto à serra do Montejunto. “Também eles que já trabalharam tanto, que no seu trabalho fizeram tanto as coisas de Deus e trabalharam em Deus e para Deus, agora são chamados a escolher o próprio Deus no silêncio, na oração entregue, na oração silenciosa. É um tempo bonito para olharem para a sua história, fazer memoria não só do que já fizeram, mas fazerem memória da ação de Deus que os foi fortalecendo ao longo da vida, lhes foi dando coragem e ânimo e os foi levantando nas quedas”, diz este padre de 35 anos.

Nestes dias, João Sobreiro diz que ouviu uma coisa bonita que lhe vai servir de mote para este tempo: “É uma quarentena forçada que se pode tornar uma Quaresma reforçada e uma vida reforçada em Deus.”

Para além das missas, da catequese, das celebrações penitenciais, das visitas aos doentes que estão suspensas, este seria um tempo de procissões dos passos por várias paróquias do concelho de Alenquer, tal como nos concelhos limítrofes e noutras partes do país. Uma forma de devoção popular que teve de ser cancelada, o que, segundo o padre João Sobreiro, as pessoas aceitam com pena, mas compreensão.

“Realmente, as procissões dos passos são momentos marcantes no alto concelho de Alenquer, também são momentos socialmente fortes porque as pessoas se encontram, as famílias se reencontram. Não é só um momento de partilha da fé”, afirma, acrescentando: “O Senhor que passa pelas ruas é o Senhor que passa nas nossas vidas. As procissões dos passos foram anuladas, mas os passos de Jesus na nossa vida não foram anulados e, portanto, vamos vivendo os passos em cada dia.”

Quase a um mês da Páscoa, este padre vê “com alguma apreensão e dor” poder não vir a celebrar a festa maior dos cristãos em comunidade. “Gosto tanto de celebrar a Páscoa com os meus fieis. É uma graça muito grande celebrar a Páscoa e ver Cristo a ressuscitar e sobretudo a ressuscitar na vida das crianças que celebram a iniciação cristã, que é uma coisa em que tenho pensado também muito. Já estou um bocado a sofrer por antecipação não poder ter essa experiência de viver assim a Páscoa em comunidade”, admite.

“Mas se viver a Quaresma como um desafio a unir-me a Cristo mais intensamente também hei de experimentar, nessa união a Cristo, as coisas que tenho de deixar que ressuscitem na minha vida. E, portanto, mesmo que não celebre a Páscoa com fiéis, vai ser desafiante pedir ao Senhor que me dê a graça de ressuscitar e de renovar aquelas coisas que têm de ser ressuscitadas ou renovadas na minha vida”, conclui.

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  • Maria Jose Vilaca
    20 mar, 2020 Lisbon 18:41
    Obrigada Pe.João. O seu testemunho também me ajuda a mim a centrar-me nesse vazio e enchê-lo de Jesus nas tarefas a que sou chamada na familia. Um abraço grande!

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