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Amnistia Internacional

Famílias do bairro 2.º Torrão notificadas a abandonar casas sem proposta de realojamento

30 set, 2022 - 10:02 • Lusa

Denúncia é da Amnistia Internacional. Demolição de 83 construções clandestinas e realojamento temporário de 60 famílias arranca este domingo.

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Segundo Torrão. Viver num bairro de lata no século XXI
Segundo Torrão. Viver num bairro de lata no século XXI

A Amnistia Internacional-Portugal alertou esta sexta-feira que há famílias do bairro do 2.º Torrão, na Trafaria, no concelho de Almada, que estão a ser notificadas para sair das suas casas sem que haja uma proposta de realojamento.

Num comunicado hoje divulgado, a Amnistia Internacional explica que foi estipulado que hoje era a data limite para muitas famílias saírem das casas onde vivem e considera que no processo há um ausência de comunicação clara e transparente por parte da Câmara Municipal de Almada (CMA).

“A incerteza sobre o futuro, a ausência de uma comunicação clara e transparente pela Câmara Municipal de Almada e a falta de opções têm deixado estas pessoas sujeitas a grande pressão, por receio de perder a sua casa sem um sítio para onde irem”, refere a Amnistia adiantando que tem vindo a acompanhar a situação vivida no Bairro do Segundo Torrão, freguesia de Trafaria, concelho de Almada, no distrito de Setúbal.

A necessidade de realojamentos e a demolição de várias casas resulta, segundo a autarquia, da degradação de uma vala de drenagem de águas pluviais, situada por baixo de várias construções informais do bairro, que tem ameaçado desabar, colocando em perigo quem ali reside.

A Amnistia Internacional explica que pediu à autarquia o acesso ao relatório que sustenta estas razões apresentadas, mas que este lhe foi negado tendo a CMA afirmado que apenas cede ao documento a “entidades públicas e oficiais”.

Na quinta-feira, a presidente da Câmara Municipal de Almada, Inês de Medeiros (PS), disse em conferência de imprensa que a demolição de 83 construções clandestinas do bairro do 2.º Torrão e o realojamento temporário de 60 famílias irá decorrer de 01 a 06 de outubro.

“Nove agregados familiares já estão realojados temporariamente e há mais 27 que já têm uma solução habitacional aceite pelos próprios”, disse a autarca socialista, que falava aos jornalistas em conferência de imprensa no Parque da Paz, em Almada, no distrito de Setúbal.

Segundo Inês de Medeiros, alguns destes moradores que vão ser realojados através do programa Porta de Entrada – Programa de Apoio ao Realojamento Urgente, cofinanciado pelo Instituto da habitação e Reabilitação Urbana (IHRU), terão de permanecer alguns dias em unidades hoteleiras de Almada ou de Lisboa, até que sejam formalizados os respetivos contratos e possam ocupar as novas casas.

Inês de Medeiros referiu também que a autarquia continua a procurar respostas para 16 famílias, oito das quais já recusaram soluções propostas pela autarquia.

Tendo em conta todas as implicações em matéria de direitos humanos que esta situação envolve, a Amnistia Internacional afirma que tem trabalhado com as partes envolvidas, no sentido de fazer com que as melhores soluções sejam encontradas e implementadas, garantindo que todas as pessoas veem os seus direitos assegurados neste processo de realojamento, conforme definido pelas normas internacionais de direitos humanos sobre o direito à habitação adequada.

Numa primeira visita ao bairro, a 29 de junho, a organização alertou a comunidade para os seus direitos e para as obrigações que as autoridades locais e outros representantes do Estado detêm na prevenção de desalojamentos forçados, partilhando o seu “guia para a prevenção de desalojamentos forçados”.

Presentes na reunião, estavam os representantes de várias famílias visadas, que relataram à Amnistia Internacional como lhes tinha sido transmitido o plano de realojamento provisório, com duração prevista de três anos, partilhando os seus receios quanto ao mesmo.

Já em setembro, a organização voltou ao Bairro do Segundo Torrão para verificar como estava a decorrer o avanço de todo o processo.

"Não se pode pensar na habitação individualmente, porque ela interliga-se a outras dimensões da vida das famílias. Pensar numa solução de habitação é ter em conta a dignidade, a estabilidade e o normal acesso ao meio de sustento das famílias, assim como o acesso à educação das suas crianças e jovens”, referiu o diretor executivo da Amnistia Internacional – Portugal, Pedro A. Neto.

Segundo a organização, pela complexidade de toda a mudança, os moradores do 2.º Torrão permanecem com preocupações que carecem de resposta por parte da CMA até hoje, tendo as pessoas revelado que o critério de escolha das casas a demolir foi o que mais gerou dúvidas que persistem entre a comunidade.

"Alguns moradores afirmaram existir casas em cima da vala que não foram notificadas pela CMA e estão excluídas do processo de realojamento, apesar de apresentarem igual risco de desabamento e se encontrarem no mesmo perímetro de casas notificadas. Por outro lado, existem casas fora do perímetro da vala a serem consideradas e ainda famílias que receberam notas de despejo mas que não foram posteriormente incluídas no plano de realojamento", explica a Amnistia Internacional adiantando que em pelo menos um dos casos, moradores notificados pela CMA e moradores que não o foram, pertenciam à mesma família e as suas casas tinham paredes comuns.

Segundo Pedro Neto, a Câmara Municipal de Almada "em vez de contar com a sociedade civil e com a comunidade para resolver os problemas locais e ouvir a população a quem serve, parece estar a antagonizar a própria sociedade civil acusando-a de ser na população causa de desespero e drama para as famílias".

No entanto, adianta o responsável, o desespero e o drama que vivem estas famílias é causado - de acordo com os testemunhos das famílias que ouvimos - pela pouca clareza, esclarecimento, proximidade, e até por um discurso por vezes intimidatório da Câmara Municipal junto da população a quem serve", salienta Pedro A. Neto.

O 2.º Torrão, na freguesia da Trafaria, é um bairro precário do concelho de Almada, distrito de Setúbal, com mais de três mil pessoas, que há cerca de 40 anos se começou a formar ilegalmente, uma condição que se mantém, assim como as carências habitacionais, a falta de luz, de esgotos ou de limpeza nas ruas.

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  • João Ramos
    30 set, 2022 Almada 10:16
    Se a câmara tivesse demolido logo a primeira casa ilegal não tínhamos chegado ao problema que é hoje. Construíram casas ilegais, fazem puxadas de electricidade, e já houve quem dissesse que não queria sair dali para uma casa condigna porque tinha ir trabalhar para pagar luz e agua. A verdade é que a solução destes problemas recaem sempre sobre aqueles que contribuem com os seus impostos (e pagam água, electricidade e renda da casa).

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