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Justiça laboral espera “onda de litigância laboral” depois do desconfinamento

29 mar, 2021 - 22:42 • Marina Pimentel , Filipe d'Avillez Lusa

No pior cenário, muitos dos processos que virão depois do fim dos programas do Governo de apoio às empresas não irão parar aos tribunais de trabalho, mas sim aos de insolvência.

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A justiça laboral não sentiu os efeitos da crise económica. Ainda.

Os programas de apoio à manutenção do emprego, como o lay-off simplificado, têm estado a segurara os postos de trabalho, mas o advogado Pedro da Quitéria Faria prevê uma vaga de processos judiciais nos tribunais, logo que acabem os apoios do Governo.

“Teremos um avolumar muito significativo da litigância judicial-laboral, até porque como todos sabemos mecanismos como o lay-off clássico e como o despedimento coletivo vão ser, e já estão a ser, aumentados de forma muito expressiva.”

“Não tenho grandes dúvidas que existirá um recrudescimento da litigância laboral por estes dois exemplos, mas podia dar outros: por hipotéticos incumprimentos de pagamentos pontuais da retribuição, questões relativas ao teletrabalho, questões relativas a transferências do local de trabalho, questões relativas ao não-pagamento de trabalho suplementar. Portanto diria que quando desconfinarmos também do ponto de vista judicial, se me permitir a expressão, virá aí uma onda de litigância laboral”, diz.

Até dia 6 de abril, os tribunais estão apenas com processos urgentes, como acidentes de trabalho e despedimentos sem justa causa. Mas o juiz de trabalho Joaquim Martins diz que já começaram a entrar alguns processos resultantes da pandemia. Os sinais da crise económica nos tribunais de trabalho, são ainda ténues, mas já são visíveis.

“Ainda não se reflete totalmente porque estamos a jusante de toda essa crise social. Vai demorar ainda algum tempo, já começaram a entrar alguns processos, que chamo os processos Covid, já relacionados com a pandemia, sociedades que encerram, trabalhadores que vão para casa e depois nunca mais são chamados, mas ainda não são um grande número, estamos à espera de muitos mais nos próximos meses.”

Joaquim Martins é magistrado judicial no juízo de trabalho do Tribunal da Figueira da Foz e acredita que a maior parte dos processos chegarão aos tribunais quando os trabalhadores deixarem de estar em lay-off. Admite, contudo, que muitos não chegarão aos tribunais de trabalho, porque as empresas vão declarar insolvência. “Parece-me que grande parte das empresas estão a aguardar o fim do lay-off e das moratórias e muitas vão dizer que não conseguem mesmo prosseguir. Grande parte dos créditos dos trabalhadores vão depois para os processos de insolvência e nós o que vamos ter é as empresas que ainda são viáveis, e há setores em que não vai haver muitas empresas viáveis, muitas não vão poder prosseguir.”

Esse será o pior cenário, diz o advogado Pedro da Quitéria Faria, trabalhadores que vão para o desemprego porque às empresas não resta outra alternativa que não seja declarar insolvência.

“Esse é o pior cenário com o qual nos iremos defrontar. Já começam a aparecer aqui e ali empresas que se apresentam a insolvência ou a planos especiais de revitalização, são processos que do ponto de vista de entrada não têm uma natureza laboral, contudo, existe sempre uma parte laboral nesses processos que tem de ver fundamentalmente com reclamações de créditos, porque os créditos laborais são privilegiados e essa é a pior parte do caminho, em que todas as empresas chegam ao seu fim.”

Só quando acabarem os apoios à manutenção do emprego é que se vai poder avaliar o impacto sobre o emprego da crise económica causada pela pandemia. O juiz Joaquim Martins explica que, até agora, na maior parte dos casos que entra nos tribunais de trabalho nem chega a haver despedimento, os trabalhadores são simplesmente mandados para casa.

“Infelizmente na maior parte os empregadores portugueses são pequenas e médias empresas e o que fazem é mandar os trabalhadores para casa e não há propriamente um despedimento formal. Despedimento por extinção do posto de trabalho pressupõe logo uma tramitação da própria empresa, ver a viabilidade, para ver o pagamento da compensação da extinção ao trabalhador e ele poder impugnar isso no Tribunal de Trabalho. São poucos os casos em que isso acontece. Na maioria são despedimentos informais, o trabalhador é enviado para casa, dizem-lhe que quando voltar a abrir a empresa é chamado e depois nunca mais é chamado, ou é despedido verbalmente.”

A maior parte dos processos que correm nos Tribunais de Trabalho são de cobrança de créditos e impugnação de despedimentos, processos que neste momento estão parados por não serem considerados urgentes. Quantos aos urgentes, o advogado Pedro da Quitéria Faria diz que têm feito o seu caminho, embora de forma mais lenta do que antes de terem sido suspensos os prazos processuais. O advogado reconhece, no entanto, que a Justiça à distância não é a mesma coisa, especialmente quando se trata de produzir prova.

“Tenho grandes dificuldades, para mim é bastante diferente uma audiência de sessão de julgamento através de uma plataforma eletrónica do que presencialmente e acho que uma diligência dessa dimensão se perde bastante quando a mesma não é feita presencialmente. Não tenho nenhuma dúvida sobre isso e penso que muitos colegas meus sentem o mesmo”, explica.

O advogado da área laboral diz que uma das novidades que teremos nos tribunais de trabalho serão os litígios sobre teletrabalho, que até agora eram residuais. “Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. Aliás, até março de 2020 existia parca jurisprudência sobre litígios que emergissem de situações de teletrabalho e neste momento não tenho dúvidas que existirá um aumento expressivo, nomeadamente no que concerne ao apuramento de despesas que emerjam deste regime de prestação laboral”, conclui.

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