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Descentralização. "No futuro, a saúde pode ser uma área a equacionar para as CCDR"

07 fev, 2021 - 17:44 • José Pedro Frazão

Recentemente reconduzida no cargo, a Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro diz que a tentativa de avançar com a regionalização "deixou marcas negativas" que podem ser gradualmente resolvidas pela aposta nas CCDR. Isabel Damasceno defende que as câmaras municipais devem ser louvadas pela resposta às populações ao longo de quase um ano de pandemia e acusa os serviços centrais do Estado de travarem o movimento de descentralização de competências.

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Isabel Damasceno foi presidente da Câmara Municipal de Leiria durante onze anos e sucedeu à actual ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, à frente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro.

Convidada a refletir sobre as lições da pandemia ao nível da descentralização, a antiga autarca admite que as CCDR podem vir a ter mais competências e não exclui a integração da coordenação regional na área da saúde.

"Podem ter perfeitamente um papel de coordenação a nível de outras áreas de atividade, como a cultura, a economia ou o ambiente. A saúde

pode ser perfeitamente uma área a equacionar. Não digo agora, neste momento em que a saúde tem mais que fazer, mas pode perfeitamente ser uma área a equacionar", afirma Isabel Damasceno no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, durante um debate com o académico Filipe Teles, que acaba de lançar o ensaio "Descentralização e Poder Local".

O reforço do papel das CCDR é um "caminho intermédio" que, diz a antiga autarca, pode consolidar "ou não" uma ideia definitiva sobre a importância da regionalização. Militante do PSD, Damasceno afirma que o processo que levou ao referendo à regionalização "deixou marcas" na sua geração, responsabilizando a forma "absolutamente contranatura" como as regiões foram apresentadas.

" Pode ser que este processo intermédio nos ajude a clarificar e encontrar o modelo que pode depois ser votado e que limpe um passivo que não foi bom e não deixou boa marca do processo anterior", afirma a actual líder da CCDR- Centro.

A "resistência brutal" dos serviços centrais

Damasceno responsabiliza os serviços da administração central por um conjunto de "complicações e travões" que impedem a concretização da descentralização de competências para as autarquias. Para a convidada do "Da Capa à Contracapa" está à vista "uma resistência brutal" explicável pelo medo de perder influência na condução das políticas.

"Há muito contravapor porque há perda de poder. Quando se diz que a gestão dos equipamentos escolares vai passar para o foro municipal, há naturalmente não sei quantas pessoas que tinham esta incumbência nos serviços centrais da administração central que vão perder. E, portanto, criam uma resistência brutal para fornecer dados objetivos, para se perceber quais as implicações financeiras que todo este processo acarreta para os municípios e para eles também se posicionarem", acusa Damasceno que ao longo da última década trabalhou no Programa Operacional Regional CENTRO 2020, antes de suceder a Ana Abrunhosa, primeiro por despacho e agora em eleições indiretas.

A antiga presidente da Câmara Municipal de Leiria considera que a pandemia fez perceber a necessidade de haver uma coordenação entre os vários serviços centralizados. Mas não deixa de elogiar os autarcas pela resposta ao longo de toda a pandemia. "Se não tivessem sido os municípios a fazer muita coisa, as coisas tinham corrido pior", afirma na Renascença.

Falta clareza na informação aos autarcas

Damasceno diz que a "falha de início" da descentralização é a falta de estruturação do processo de uma forma articulada, que tem sido centrado apenas em movimentos "avulsos" e num "modo setorial" como um balão de ensaio para aprofundar uma realidade que teria que ter "sucesso, gosto e apetite".

A antiga autarca leiriense considera que as associações de municípios podem aprofundar algumas áreas de ação que já vêm trabalhando. Para Damasceno, a aposta nestas estruturas não significa um contraponto à regionalização.

"As associações de municípios têm sempre espaço e lugar, mesmo que o país decida natural e politicamente avançar para um processo de regionalização", sustenta a presidente da CCDR-Centro que apela à clareza sobre a vontade política existente para avançar na descentralização com definição de áreas prioritárias e capacidade de concretização.

Competências ( e a falta delas) para as receber

Em ano de autárquicas no próximo Outono, Isabel Damasceno defende que, até lá, o poder político tem o dever de clarificar com clareza quais as competências que os presidentes de câmara vão ter durante 4 anos.

"Um presidente que se candidata a uma determinada a câmara tem que ter o mínimo direito de saber quais vão ser as suas competências e se vai ter competências na área da Educação, na Ação Social, na Saúde. Ou são pura e simplesmente aquilo que lá existia anteriormente ou que existe neste momento quando se perfila para ser candidato ? É uma questão absolutamente essencial, bem como se há ou não vontade de concretizar transferências de algumas competências do Estado não só para os municípios, mas para as associações de municípios", desafia Damasceno que vê muitas virtudes nas associações intermunicipais.

Muitas autarquias têm recusado receber competências na área da educação ou ação social, por falta de garantias para a sua implementação em termos financeiros e de organização.

Isabel Damasceno reconhece que " nem todos os municípios estão ao mesmo nível de desenvolvimento e de condições para receber competências", defendendo que não deve ser obrigatória uma descentralização e uma transferência de competências igual em simultâneo em todas as câmaras.

"Ao receber as competências na área da educação que lhe foram delegadas, um município médio recebe, de um dia para o outro, cerca de 400 a 500 pessoas a mais. São todos os assistentes operacionais que estão das escolas a tomar conta dos meninos. Isto é um desafio importante em termos de organização interna dos municípios", alerta Damasceno que recusa que o problema se coloque ao nível do envelope financeiro que acompanha a transferência de competências na educação.

"Colégio eleitoral devia ser mais alargado"

A recém-eleita para a Presidência da CCDR- CENTRO não teve opositores nesta eleição indireta por colégio eleitoral. O processo de eleição das novas lideranças das CCDR foi marcado por fortes críticas ao processo eleitoral, com acusações de ter sido condicionado por um acordo entre PS e PSD, apesar de terem sido eleitos por colégios eleitorais compostos por autarcas das respetivas regiões.

Isabel Damasceno diz -se "perfeitamente legitimada, sem qualquer tipo de complexos" dentro do modelo que foi construído para esta eleição, sublinhando que recebeu apoios alargados na sociedade da região para continuar no cargo. A militante do PSD assegura que o entendimento entre os líderes do PS e do PSD para validar estas nomeações aconteceu depois da sua eleição estar encaminhada.

" Fui sempre uma grande adepta de que o colégio eleitoral deveria ser mais alargado", confessa Damasceno que, no entanto, garante ter sido confrontada pelos seus apoiantes com o argumento de que os autarcas que a elegeram são eleitos diretamente também pela sociedade civil, como empresários ou instituições de ensino superior.

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  • carlos
    07 fev, 2021 lx 19:23
    Ideia estúpida! O país está a viver um período de solidariedade intensa entre hospitais, independentemente da zona onde se situam e há gente a querer balcanizar e espartilhar o território?

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