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Menos nascimentos, mais mortes prematuras e menor esperança de vida. O efeito “brutal” da pandemia na demografia portuguesa

02 fev, 2021 - 20:00 • Joana Gonçalves

Portugal apresentou em 2020 o maior saldo negativo das últimas cinco décadas e, no mês de janeiro, as mortes abaixo dos 70 anos aumentaram. “Vamos ter um reflexo direto na diminuição da nossa população e na própria esperança de vida”, defende especialista. "Relativamente às situações de mortalidade das pessoas mais jovens, o efeito vai ser mais duradouro."

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Da natalidade à esperança de vida, os efeitos da pandemia começam a fazer-se notar e um dos indicadores mais alarmantes é o aumento da mortalidade prematura, que tinha vindo a verificar uma tendência decrescente.

No último mês, aumentaram em Portugal os óbitos de indivíduos com idade inferior a 70 anos. No grupo etário dos 34 aos 69 anos, a média diária de óbitos regista um aumento na ordem dos 139%, face ao mês anterior.

De acordo com os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito, janeiro regista uma média de 98 óbitos diários nesta faixa etária, mais 27 quando comparados com a média de janeiro dos últimos sete anos.

Este aumento de óbitos é extremamente significativo. Se concentrarmos a nossa atenção nesta mortalidade prematura, abaixo dos 70 anos, verificamos que, efectivamente, há uma inversão desta tendência, que íamos tendo nos últimos anos, de redução extremamente significativa desta mortalidade prematura”, defende Maria Filomena Mendes.

De acordo com a demógrafa, a mortalidade prematura no país representava cerca de 20% do total de mortes. “Atualmente, esperamos vir a ter mais óbitos em idades abaixo dos 70 anos”, diz.

A especialista acredita que “vamos ter um reflexo direto na diminuição da nossa população e na própria esperança de vida, que podemos vir a verificar já eventualmente em 2020 e sobretudo em 2021, se a situação se mantiver”.


Para Maria Filomena Mendes mais relevante do que a antecipação de uma morte, “o que é importante é perceber-se que estes óbitos eram evitáveis”.

“É preciso perceber e é preciso corrigir o mais rapidamente possível esse tipo de situações, para que não possamos vir a ter, não só nas próximas semanas, mas também nos próximos meses, ainda um número de óbitos muito acima daquele que era esperado nas idades mais jovens, sobretudo provocadas por situações que elas próprias eram evitáveis”, diz a especialista.


O maior saldo negativo dos últimos cinquenta anos

Portugal apresentou em 2020 o maior saldo negativo dos últimos cinquenta anos. Os dados provisórios apontam para um número de óbitos que supera em quase 38 mil o número de nascimentos em território nacional.

De acordo com dados preliminares do Instituto Nacional de Estatística, entre janeiro e dezembro do ano passado, morreram 123.409 pessoas em Portugal, mais 12.200 do que a média dos cinco anos anteriores.

Já o número de “testes do pezinho”, avançados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, no âmbito do Programa Nacional de Rastreio Neonatal (PNRN), e habitualmente muito próximos das estatísticas finais de nados-vivos, dão conta de 85.456 recém-nascidos estudados em 2020.


Os números mostram, por isso, que o país apresenta um saldo natural negativo que se traduz em menos 37.953 habitantes.

O aumento de mortalidade explica parte do problema, mas Maria Filomena Mendes adianta que “no final do ano [de 2020] tivemos um efeito bastante significativo em termos da redução da natalidade”.

Um efeito que deve continuar a aumentar nos próximos meses. “Esperamos que agora nestes meses de janeiro, fevereiro e eventualmente com o pico que estamos a atravessar, ainda tenhamos um efeito muito mais significativo de redução de uma natalidade em Portugal que já era bastante baixa”, afirma.

A degradação da qualidade de vida e, sobretudo, a incerteza representam um papel determinante no momento da decisão. “Há uma tendência natural de evitar ou de adiar o nascimento para momentos menos incertos, em que também se tenha um pouco mais de expectativa em relação aquilo que pode acontecer num futuro próximo”, explica a demógrafa.

Decréscimo da esperança média de vida


Para Maria Filomena Mendes é evidente que “em todas as variáveis demográficas, vemos efeitos muito significativos e começam, desde logo, na mortalidade”. Já este indicador desempenha um papel fundamental na esperança média de vida dos portugueses, “bastante elevada, quer no caso dos homens, quer no caso das mulheres”.


De acordo com a especialista, os acréscimos da esperança de vida têm sido conseguidos, sobretudo mais recentemente, à custa de um aumento da esperança de vida nas idades mais avançadas.

“Ora esta pandemia tem tido um efeito extraordinariamente significativo, e nos últimos dias e nas últimas semanas brutal, no número de óbitos de pessoas com idades muito avançadas. Também aqui há mortes evitáveis, provocadas pela Covid-19 e também por outras patologias, não Covid-19”, adianta a demógrafa.

“Relativamente às situações de mortalidade das pessoas mais jovens, ou da mortalidade prematura, o efeito vai ser mais duradouro”, defende.

O número médio de anos que uma pessoa ainda tem para viver depois de chegar aos 65 tem-se fixado nos 19,61 anos, ou seja, a esperança de vida aos 65 anos aproxima-se das duas décadas. Com o aumento de óbitos abaixo desta idade, “é como se essas pessoas deixassem de viver, em média, por mais de 20 anos”.

“Iremos ter aqui meses, eventualmente alguns anos, até conseguirmos - não inverter a tendência, porque isso esperamos consegui-lo passado este período tão negro - mas eventualmente recuperar para valores que teríamos antes de tudo isto acontecer”, diz Maria Filomena Mendes .

Em Portugal, já morreram mais de 13 mil pessoas, devido ao novo coronavírus. As vítimas colaterais ainda estão por contabilizar.

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