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Entrevista Laurentino Gomes

Discurso racista, herdeiro do esclavagismo, levou Bolsonaro ao poder, defende historiador

14 ago, 2021 - 13:03 • Lusa

Para Laurentino Gomes a vitória de Jair Bolsonaro “mostra quanto existe uma maioria racista silenciosa e cúmplice, que usa o argumento da miscigenação racial da democracia racial para fugir das responsabilidades em relação à escravidão”.

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O historiador brasileiro Laurentino Gomes considera que a grande desigualdade social no seu país é consequência do passado esclavagista e de separação racial, um discurso racista que alimentou a recente vitória presidencial de Jair Bolsonaro.

“Existe um abismo entre os dois Brasis: o Brasil branco e o Brasil negro”, afirmou, em entrevista à Lusa, o autor do livro “Escravidão”, lançado recentemente em Portugal. Para Laurentino Gomes, “a escravidão é uma ferida que continua aberta”, no seu país, com “consequências que não podem ser deixadas apenas no passado”.

“O Brasil é um país de muito preconceito racial, de grande desigualdade social, que, no meu entender, é consequência direta da escravidão”, considerou o autor, que escreveu uma obra de grande fôlego sobre a história da escravatura no seu país e no império colonial português.

Ao longo da história, “criámos vários mitos a respeito da escravidão portuguesa e brasileira”, apontou, dando como exemplo a obra “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freire, que retratava um sistema de escravatura “mais patriarcal, benévola, branda ou boazinha quando comparada com a escravatura no Caribe ou nos Estados Unidos”.

Essa ilusão, considerou, criou mais “um mito da história brasileira de que o Brasil é uma democracia racial”.

Na paisagem brasileira, há uma “segregação de facto, geográfica”, que separa quem mora “os chamados bairros nobres de Copacabana, Ipanema ou Leblon”, onde vive a “população branca herdeira de europeus”, de quem “mora naquelas periferias insalubres perigosas dominadas pelo crime organizado abandonadas pelo Estado brasileiro, maioritariamente a população afrodescendente”.

Em vários indicadores estatísticos, o Brasil é um país segregado racialmente, o que, para Laurentino Gomes, constitui “uma continuação de um projeto de dominação” da elite branca.

E este projeto de dominação tem como protagonista hoje no Brasil a figura do atual Presidente, Jair Bolsonaro: “Nós temos hoje um Governo que negacionista do ponto de vista ambiental, do ponto de vista racial, um Governo que tem uma linguagem preconceituosa em relação a todas as minorias”.

“O Presidente usa uma linguagem de supremacia branca o tempo todo, ele se elegeu com isso em 2018”, recordou Laurentino Gomes, dando exemplos de “vários discursos claramente racistas” feitos durante a campanha.

A sua vitória “mostra quanto existe uma maioria racista silenciosa e cúmplice, que usa o argumento da miscigenação racial da democracia racial para fugir das responsabilidades em relação à escravidão”, acrescentou, salientando que esse “discurso racista rendeu votos e resultou na eleição de um Presidente”.

Apesar disso, o historiador é otimista e considera Bolsonaro um episódio que não define a história recente do Brasil no confronto com o seu passado racial.

“Nos últimos 40 anos houve um grande avanço”, a “discussão a respeito da escravidão e do racismo nunca foi tão intensa quanto agora” e “o Brasil está se tornando mais maduro a respeito da sua própria identidade nacional”, frisou.

O livro “Escravidão”, editado pela Porto Editora, contém vários episódios sobre a história da escravatura no Brasil, com documentos sobre o tráfico negreiro e as memórias do comércio de pessoas no Atlântico Sul e em Portugal.

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  • Bruno
    14 ago, 2021 aqui 12:58
    Este é um discurso de vitimização não faz sentido. A maioria dos "brancos" (seja lá nisso o que for) do Brasil são descendentes de pessoas que migraram para o país muito depois da sua independência e da abolição da escravatura. Os descendentes de portugueses são uma minoria quando comparados com os italianos, alemães, libaneses, japoneses, etc, etc. Começa a tornar-se ridículo culpar o império português por todos os problemas que existem nas antigas colónias. Esses países já são independentes há muito e já tiveram muito tempo para resolver os seus problemas. Fazem lembrar um homem de 50 anos que coloca a culpa dos seus problemas sobre a sua infância.

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