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Pandemia de Covid-19

Corrida à vacina. "Batota" para passar à frente dos prioritários não é exclusivo de Portugal

02 fev, 2021 - 18:00 • Marta Grosso

Um dos casos mais escandalosos aconteceu no Canadá, onde um casal de milionários se fez passar por indígena para ter direito à vacina contra a Covid-19. Mas há mais.

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O desejo de voltar o mais depressa à vida normal associado ao medo de ficar infetado com Covid-19 está a levar várias pessoas a tentar contornar as regras da prioridade para ser vacinado mais depressa contra o novo coronavírus.

Se em Portugal são cada vez mais os casos conhecidos de vacinas que foram, por uma ou outra razão, administradas a pessoas fora da sua vez, no resto do mundo também não faltam histórias idênticas.

Nos Estados Unidos, o presidente executivo de uma clínica de vacinação de Filadélfia admitiu ter tomado a vacina contra a Covid-19 e tê-la administrado a quatro amigos. Resta dizer que este CEO, de nome Andrei Doroshin, tem 22 anos.

Foi numa entrevista ao programa "Today", da NBC, que Andrei Doroshin admitiu ter tomado a vacina e administrado aos amigos, argumentando que evitou, assim, que as doses fossem desperdiçadas.

"As doses estavam prestes a expirar", afirmou, acrescentando não ter conseguido encontrar ninguém que pudesse precisar da vacina antes de expirar. "Ligámos para todos que conhecíamos. Cada pessoa”, garantiu.

A cidade de Filadélfia decidiu cortar relações o centro de vacinação dirigido por Doroshin – o Philly Fighting COVID (PFC), dizendo que perdeu “a confiança”. É quem além da polémica vacinação do seu CEO, surgiram várias outras, entre as quais o facto de o PFC ter fechado, de repente e sem aviso prévio, as suas instalações enquanto centro de testes Covid para passar a concentrar-se na administração de vacinas.

Além disso, passou de organização sem fins lucrativos a entidade com fins lucrativos – uma mudança que as autoridades de saúde locais souberam através dos meios de comunicação social.

Como se tudo isto não bastasse, o centro terá feito alterações na política de privacidade de modo a permitir a venda de dados dos pacientes.

“A confiança é a coisa mais importante que temos quando distribuímos a vacina e não poderíamos pedir aos cidadãos de Filadélfia que confiassem numa empresa em que deixámos de confiar”, afirmou James Garrow, porta-voz do Departamento de Saúde Pública da Filadélfia, à CNN, na quinta-feira, para explicar o fim da ligação ao PFC.

Andrei Doroshin já reagiu e, numa entrevista ao “Action News”, garante que fez o que tinha de fazer.

“Fizemos o trabalho. Vacinamos quase 7.000 pessoas”, afirmou. No site da empresa, o CEO escreve também um texto em defesa própria e do centro que dirige.


Milionários ou indígenas?

Rodney e Ekaterina Baker, um casal milionário do Canadá, fizeram-se passar por trabalhadores indígenas para receber a vacina contra o novo coronavírus antes da sua vez.

Ele é o ex-presidente e CEO da Great Canadian Gaming Corporation (uma empresa listada na Bolsa e proprietária de vários centros de jogos, incluindo casinos), ela a sua mulher e atriz.

Fretaram um avião e viajaram em segredo para uma comunidade remota no território de Yukon – Beaver Creek, com cerca de 125 residentes – onde se fizeram passar por funcionários de um motel local, com vista a receber a vacina destinada, então, apenas a residentes indígenas idosos e vulneráveis.

As comunidades indígenas são um dos grupos prioritários para a vacinação da Covid-19 no Canadá, pois são afetados com frequência e de forma mais intensa pelo novo coronavírus, dado poderem estar em áreas onde o acesso à assistência médica é limitado.

O casal foi vacinado e a falcatrua foi descoberta. Contudo, não é por ter sido vacinado que estão a ser julgados, mas sim por não terem cumprido a quarentena necessária à chegada a Yukon. O casal habilita-se agora a penas de prisão por quebra das regras de saúde pública.

Os Bakers chegaram primeiro a Whitehorse, no Yukon, provenientes de Vancouver, e seguiram depois para Beaver Creek. Mas deveriam ter cumprido 14 dias de autoisolamento em Whitehorse, de acordo com as autoridades.

“Estou indignado com esse comportamento egoísta e acho perturbador que as pessoas optem por colocar outros canadianos em risco dessa maneira”, defendeu o ministro de Serviços Comunitários de Yukon, John Streicker.

“Relatórios alegam que esses indivíduos foram enganosos e violaram medidas de emergência em seu próprio benefício, o que é completamente inaceitável em qualquer momento, mas especialmente durante uma crise de saúde pública”, afirmou ainda à CNN.

Segundo o ministro o casal apareceu numa clínica móvel na última quinta-feira, em Beaver Creek, lar de uma comunidade indígena, onde um dos elementos apresentou um cartão de saúde da Colúmbia Britânica, o outro um de Ontário – o casal é de Vancouver, British Columbia, a sudeste do território Yukon.

Após uma denúncia e investigação, o casal foi localizado no aeroporto de Whitehorse e o motel informou que os dois não trabalhavam lá.

Para já, Rodney e Ekaterina Baker foram multados em 1.800 dólares norte-americanos (quase 1.500 euros) por violarem a Lei de Medidas de Emergência Civil de Yukon. O valor da multa já foi contestado por ser insignificante para um casal milionário. No domingo, Rodney Baker renunciou ao cargo de executivo de um casino.

Ambos têm ainda ordem para comparecer em tribunal no dia 4 de maio e, se a acusação vencer, podem ser condenados a uma pena de prisão até seis meses.

Depois deste caso, o Canadá alterou as regras de vacinação, exigindo comprovativo de residência na região do Yukon para que possa ser administrada a vacina contra a Covid-19.

Fura-filas no Brasil

No Brasil, também tem havido casos de “fura prioridades” na vacinação contra o SARS-Cov-2. Na segunda-feira, o Ministério Público notificou a Prefeitura de Taquarivaí, no estado de São Paulo, depois de uma denúncia: três pessoas não pertencentes ao grupo prioritário terão recebido a primeira dose da vacina.

A denúncia indicava duas mulheres e um homem que não trabalham na linha de frente de combate à Covid-19 e nem são funcionários da diretoria de Saúde de Taquarivaí – requisitos para receber a vacina.

A secretária de Saúde municipal diz não ter havido qualquer irregularidade e garante terem sido cumpridas todas as regras da Vigilância Epidemiológica do estado. Segundo a mesma responsável, citada no G1, a indicação de quem deve tomar a vacina decorre do estado de São Paulo e não da prefeitura.

Para evitar fraudes e burlas no processo de vacinação, o estado de Pernambuco emitiu uma nota, informando que quem passar à frente dos prioritários e não esperar pela sua vez incorre em 14 tipos de crimes, desde corrupção a peculato, passando por dano qualificado.

A nota técnica do Ministério Público daquele estado brasileiro foi divulgada na semana passada, no dia 25 de janeiro. Quarenta municípios receberam recomendações para fiscalizar a administração da vacina.

Em Espanha, foi um general a furar as regras

Foi a primeira vez que um Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas se demitiu em Espanha. Mas Miguel Ángel Villarroya diz que não fez nada de errado - apenas pediu a demissão para "não prejudicar a imagem" das Forças Armadas.

O general tomou a vacina contra a Covid-19, juntamente com outros altos mandatários do Exército espanhol, apesar de não fazerem parte de qualquer grupo prioritário. A notícia chega no dia 23 de janeiro, dia em que se soube que Villarroya pediu a demissão.

Na carta enviada à ministra da Defesa, o general sustenta que a decisão de se vacinar foi a "acertada", tendo sido tomada "no cumprimento das suas obrigações, de acordo com os protocolos estabelecidos e com a única finalidade de preservar a integridade, continuidade e eficácia da cadeia de comando das Forças Armadas".

Reconhece, contudo, que a decisão deteriorou “a imagem pública” do Exército e colocou em dúvida a sua "própria honra".

Em Portugal, são quase diários os casos de vacinas administradas a pessoas não consideradas prioritárias nesta fase. Na maioria dos casos, a justificação é que estava prestes a terminar o prazo e não havia ninguém dentro da lista prioritária a quem administrar.

Seja como for, os casos já deram origem a demissões.

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  • Ivo Pestana
    04 fev, 2021 RAM 12:52
    Novidade. Bandidos há em todo o mundo.
  • karina
    02 fev, 2021 Toronto 19:32
    Esse artigo sobre o casal Canadiano merece mais atenção na tradução começando pelos dólares norte-americanos. O que são?

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