Bento XVI sintetiza, assim, os três níveis de ação que viria a
desenvolver no seu pontificado: o primeiro é o da
justiça. “Excluiremos
rigorosamente os pedófilos do ministério sagrado: é absolutamente
incompatível e quem é realmente culpado de ser pedófilo não pode ser
sacerdote. A este primeiro nível podemos fazer justiça e ajudar as
vítimas, que estão profundamente provadas”. Depois, há o nível pastoral.
“As vítimas terão necessidade de se curar, de ajuda, assistência e
reconciliação. Este é um grande compromisso pastoral e sei que os Bispos
e os sacerdotes e todos os católicos nos Estados Unidos farão o
possível para ajudar, assistir, curar”, acrescenta.
Com efeito, o Papa ordenou várias inspeções nos seminários, para
assegurar aos seminaristas uma profunda formação espiritual, humana e
intelectual. “Só pessoas sadias poderão ser admitidas ao sacerdócio e só
pessoas com uma profunda vida pessoal em Cristo e que tenham também uma
profunda vida sacramental”, afirmou defendendo a necessidade de “um
discernimento muito severo, pois é mais importante ter bons sacerdotes
do que ter muitos”. E por fim, o terceiro nível: “poder fazer tudo o que
estiver ao nosso alcance para sarar estas feridas.”
“Excluiremos rigorosamente os pedófilos do ministério sagrado: é absolutamente incompatível e quem é realmente culpado de ser pedófilo não pode ser sacerdote", sintetizou Bento XVI.
Dois anos depois, a questão dos abusos atinge gravemente a Irlanda. Em março de 2010, o Papa escreve uma Carta aos católicos do país,
lida publicamente em todas as paróquias. Bento XVI reconhece que houve
erros graves na forma como os bispos lidaram com as alegações de
pedofilia. E diz que os culpados dos abusos "devem responder perante a
Deus e perante os tribunais, pelas ações pecadoras e criminais que
cometeram".
Manifestando uma grande tristeza pelos casos de abuso que continuam
a revelar-se, Bento XVI aborda, de novo o assunto com os jornalistas,
em 2010, a caminho de Lisboa, “os ataques ao Papa e à Igreja vêm não só
de fora, mas que os sofrimentos da Igreja vêm justamente do interior da
Igreja, do pecado que existe na Igreja” e, meses depois, na viagem em
direcção à Escócia. “É difícil compreender como esta perversão do
ministério sacerdotal tenha sido possível. É triste também que a
autoridade da Igreja não tenha sido suficientemente vigilante nem
rápida, decidida, em tomar as medidas necessárias. Por tudo isto estamos
num momento de penitência, de humildade, e de renovada sinceridade,
como escrevi aos bispos irlandeses”, refere. E, neste contexto, o Papa
volta a sublinhar três aspectos. O primeiro é “como podemos reparar e o
que podemos fazer para ajudar estas pessoas a superar o trauma, a
reencontrar a vida, a voltar também a ter confiança na mensagem de
Cristo.”
O segundo aspeto, é o problema das pessoas culpadas: “a justa pena
é excluí-las de qualquer possibilidade de contacto com os jovens,
porque sabemos que se trata de uma doença e a livre vontade não funciona
onde há esta doença”, disse Bento XVI. E o terceiro aspecto é “a
prevenção na educação, na escolha dos candidatos para o sacerdócio:
estar muito atentos para que, segundo as possibilidades humanas, sejam
excluídos casos futuros”.
Em 2012, os episcopados de todo o mundo foram convidados a adoptar
um conjunto de diretivas, a partir do Código de Direito Canónico que
definia duras sanções contra um clérigo que abuse sexualmente de
menores, que podem chegar à suspensão do exercício do sacerdócio e à
demissão do estado clerical.
A “dor e vergonha” de Francisco
O Papa Francisco herdou este pesado dossier do pontificado
anterior. Em março de 2014, cria a Comissão para a Tutela de Menores e,
em agosto desse mesmo ano, escreve uma
carta aos fiéis do mundo inteiro
após ser divulgado um relatório onde se refere a existência de “pelo
menos 1.000 sobreviventes, vítimas de abuso sexual, de poder e de
consciência, nas mãos de sacerdotes durante, aproximadamente, setenta
anos”.
Na viagem aos Estados Unidos da América, em setembro de 2015,
Francisco encontrou-se em privado com três mulheres e dois homens,
vítimas de abusos sexuais. O Papa confessou “vergonha” por ver que
“pessoas que tinham a seu cargo o cuidado terno desses pequenos os
tenham violado e causado danos profundos”, E acrescentou: “Lamento-o
profundamente. Deus chora”.
Francisco afirmou que os “crimes e pecados de abusos sexuais a
menores não podem ser mantidos em segredo durante mais tempo”. E
comprometeu-se a uma “zelosa vigilância” da Igreja Católica “para
proteger os menores”. E acrescentou: "Comprometo-me a seguir o caminho
da verdade, onde quer que possa levar. O clero e os bispos terão que
prestar contas das duas ações, quando abusarem ou não protegerem os
menores”.
"Crimes e pecados de abusos sexuais a menores não podem ser mantidos em segredo durante mais tempo", sublinhou Francisco.
Em 2016 o Papa reafirma a política de ‘tolerância zero’ na Igreja
Católica para casos de abuso sexuais e critica os bispos que ignoram ou
encobrem estas situações. “Um bispo que muda de paróquia um sacerdote
quando se reconhece um caso de pedofilia é um inconsciente e a melhor
coisa que pode fazer é apresentar a renúncia. Está claro?”, disse aos
jornalistas, no regresso a Roma, durante o voo a partir da Ciudad
Juárez, onde concluiu a sua visita ao México.
Em agosto de 2018, Francisco publica uma nova Carta, numa altura em
que voltam a surgir centenas de casos de abuso sexual no seio da Igreja
Católica e o seu encobrimento, nos EUA, na Irlanda, no Chile e
Austrália. "Com vergonha e arrependimento, reconhecemos, como comunidade
eclesiástica, que não estivemos onde devíamos ter estado, que não
agimos de forma atempada, percebendo a magnitude e a gravidade dos danos
causados a tantas vidas”, escreve o Papa.
Francisco lamenta o "sofrimento vivido por muitos menores por causa
de abusos sexuais, de poder e de consciência cometidos por um número
notável de clérigos e pessoas consagradas" e refere-se à impossibilidade
de reparar os danos retroactivamente. Mas promete fazer tudo para "
gerar uma cultura capaz de evitar que essas situações não só não
aconteçam, mas que não encontrem espaços para serem ocultadas e
perpetuadas”.