O período da manhã está quase a terminar. No quadro, Susana Infante projeta exercícios de formação cívica e, a custo, tenta captar a atenção de Leandro e Micael, alunos do 2.º ano. David, que frequenta o 4.º, está a ter aula de inglês, noutra sala, com uma professora que vem à aldeia duas vezes por semana – de propósito. Lá fora, chove.
“Atravesso a estrada sempre na…?”, pergunta a professora. Ao que Leandro responde: “Passadeira.”
Micael recusa participar do exercício, mete o carapuço na cabeça e cobre o rosto.
“Caminho sempre do lado de dentro do…?”, continua Susana. “Passeio”, completa também Leandro.
“Porquê?” “Por causa dos carros.”
No ano letivo 2023/2024, a escola básica da aldeia do Salgueiro, freguesia dos Três Povos, no Fundão, conta apenas com três alunos. Na teoria, já não devia funcionar. E é muito provável que no próximo ano encerre.
Já há alguns anos que a meta de dezoito crianças - o número mínimo para um estabelecimento de ensino que agrega vários anos na mesma turma, de acordo com o Ministério da Educação - não é atingida. Mas num ato de resistência, impulsionado por Paulo Fernandes, presidente da câmara do Fundão, ainda mantém as portas abertas.
A fasquia é “desapropriada quando pensamos nas escolas rurais de territórios mais recônditos, dos territórios de menor densidade nos territórios de baixa densidade. O interior do interior, dito de outra maneira”, explica o autarca à Renascença.
Por determinação do município, as unidades escolares rurais devem continuar a funcionar sempre que houver pelo menos 10 alunos – somatório das crianças da creche, pré-escolar e primeiro ciclo. E mesmo quando esse número não é atingido, “decidimos aguardar um ciclo de dois, três anos, para ver se há alguma inversão”, conta Paulo Fernandes.
A sobrevivência da escola do Salgueiro está nesse limbo. Há dois anos, o serviço de pré-escolar fechou, os alunos mais novos foram recolocados na unidade da aldeia da Capinha – que também só tem seis crianças a frequentar o primeiro ciclo.
O edifício, colado à rua Estrada Principal 15, assemelha-se a tantos outros do interior, que nas últimas décadas foram sendo abandonados, reconvertidos em clubes recreativos, sedes de ranchos folclóricos, devido à falta de crianças. A única coisa que o distingue é estar pintado de amarelo, em vez do tradicional branco.
Nas traseiras, há um pequeno campo de futebol improvisado, com um retângulo de relva sintética, pouco maior que um court de ténis.
Susana Infante é professora primária há mais de 20 anos e é natural do Fundão. Este é, em todo o caso, o primeiro ano em que dá aulas a tempo inteiro no Salgueiro. No último ano letivo, foi colocada em Castelo Branco, teve uma turma de 2.º ano com 24 alunos.
Foi uma mudança “do oitenta para o oito”, admite.
Aliás, quando soube que tinha sido colocada no Salgueiro – onde já tinha estado em duas ou três ocasiões, em substituição de colegas, anos antes – Susana ficou “triste ao ponto de chorar”.
“[Lembro-me] de ir a conduzir e ir a chorar. Por ter poucos alunos”, diz.
A docente sabia que tinha um desafio pela frente, precisava de tempo para se mentalizar. No início dos anos 2000, conhecera uma professora, na localidade Lavacolhos, que dava aulas apenas a uma aluna.
“Temos de trabalhar, temos de ensinar. Não é por termos só um ou dois ou três alunos que nós não temos de cumprir a nossa vocação, e darmos os conteúdos. É avançar, temos de fazer tudo para que eles se sintam confortáveis, para que aprendam. E puxar o máximo por eles”, diz.