Reportagem em Lviv. Onde a guerra fica a leste

É uma outra Ucrânia longe dos combates, mas claramente em guerra. Lviv, a maior cidade do Oeste ucraniano, fica a 100 quilómetros da fronteira. Estas são as primeiras impressões do repórter da Renascença nas primeiras horas de uma cidade fortemente procurada como plataforma para a fronteira ocidental.

06 mar, 2022 - 10:30 • José Pedro Frazão , enviado especial à Ucrânia



Soldado patrulha ruas de Lviv.  Foto: Vitaly Hrabar/EPA
Soldado patrulha ruas de Lviv. Foto: Vitaly Hrabar/EPA

Se não nos dissessem que há uma guerra, quase não acreditaríamos logo à saída para a rua ou até da estação de comboios.

Cheguei a Lviv em pleno recolher obrigatório pouco depois da meia-noite. Atravessei a cidade a partir da estação de comboios local graças ao condutor de uma carrinha com um lugar vago. Declinou pagamentos e deixou-me no centro ao início da madrugada, em horas em que não há táxis mas circulam carrinhas e carros particulares que vão buscar familiares à estação.

Vigora no país uma lei marcial que coloca o Exército no comando e no controlo efetivo das ruas. A lei está em vigor já há 10 dias e assim estará pelo menos até 24 de março. A medida implica uma restrição na saída do país de homens entre os 18 e os 60 anos e há também um recolher obrigatório entre as 22h00 e as 6h00 da manhã.

Uma cidade dita normal não tem um silêncio noturno tão profundo. Mas ao atravessar as ruas e avenidas, não se observa a presença massiva de militares e de polícias. Vemos veículos do Exército e Polícia a circular e se olharmos com atenção há trios de soldados que patrulham algumas ruas. Observei também trabalhos de vigilância em carrinhas descaracterizadas a baixa velocidade, laborando em várias camadas de vigilância.

Em busca de infiltrados

Nesta zona da Ucrânia não têm sido registados grandes problemas ao nível dos combates. Na última noite antes de chegar aqui soaram as sirenes pelas 21h00 obrigando as pessoas a recolher aos abrigos.

Uma das maiores preocupações das autoridades da Ucrânia, sobretudo a Oeste, é a prevenção total de infiltrações de inimigos entre a população.

Enquadra-se naquilo que o Estado Maior General das Forças Armadas (EMGFA) ucranianas chamava, em comunicado, de “operação de estabilização”, com a execução de tarefas de “defesa territorial” de forma a evitar “ações ofensivas”, atividades de sabotagem pelo inimigo e de grupos de reconhecimento. Isto ao mesmo tempo que mantém a defesa antiaérea, nomeadamente face a possíveis bombardeamentos.

Isto leva naturalmente os ucranianos a estado de alerta que implica passar tudo a pente fino em determinadas circunstâncias, como a entrada no país.



Mulher passeia com os dois filhos, que trazem bandeiras da Ucrânia. Foto: Vitaly Hrabar/EPA
Mulher passeia com os dois filhos, que trazem bandeiras da Ucrânia. Foto: Vitaly Hrabar/EPA

Da teoria à prática

No meu caso particular, entrei de comboio a partir da Polónia. E se à saída pouco mais fiz que mostrar o meu passaporte e a minha carteira profissional para embarcar, a verdade é que 30 minutos depois, já em território ucraniano, o comboio parou para controlo de passaportes e identificação, pessoa a pessoa, na carruagem. Primeiro com soldados e depois com elementos da guarda fronteiriça.

A atenção é dada a estrangeiros devido aos episódios já registados de inimigos infiltrados noutros pontos do país. Há relatos de soldados russos que envergam mesmo o uniforme ucraniano e que têm sido interpelados de forma a perceber, pelo domínio do idioma, se são efetivamente ucranianos.

Na operação de controlo, em plena carruagem, acabei por chamar a atenção por ser o único estrangeiro e, portanto, fui sujeito a um interrogatório por dois soldados. Pediram todo o tipo de identificação, requereram contactos, as minhas mochilas foram abertas para que visse também o gravador e o microfone da Renascença.

Para validar ainda mais a minha natureza profissional pediram acesso aos meus telefones para ver o meu histórico de chamadas, de fotografias tiradas e de utilização de redes sociais como o WhatsApp.


Voluntários preparam camuflados para os soldados em Lviv. Foto: Vitaly Hrabar/EPA
Voluntários preparam camuflados para os soldados em Lviv. Foto: Vitaly Hrabar/EPA

Alerta anti sabotagem

É uma situação habitual em tempos de guerra. Os militares, bastante jovens, são incisivos neste trabalho mas educados em todo o processo apesar de uma grande tensão em que estão. Estão claramente alerta , com caras fechadas, atentos a qualquer pormenor.

Apesar do escuro pude observar por diversas vezes alguns trabalhos de vigilância das linhas férreas em que os soldados, munidos de lanternas, procuravam algum engenho que pudesse estar escondido nos carris ou em vagões.

Na zona de combates no leste da Ucrânia foi dada nota pública da preocupação dos militares e da companhia de caminhos de ferro face a eventuais sabotagens ou destruição das linhas.

Balanço dos combates

Ao início deste décimo primeiro dia de guerra, o EMGFA ucraniano emitiu um comunicado onde avalia a situação militar. Na nota, pode ler-se que os russos, por via das baixas que vão sofrendo, fazem um “esforço constante para evitar o contacto directo “ - fogo directo - com as tropas ucranianas.

No comunicado sublinham-se as operações de defesa de várias cidades em particular no leste como Mariupol, que tem sido um dos cercos russos mais acentuados dos últimos dias . Mas também defesa de outras cidades como Chernivhi, situada no sul da Ucrânia, 300 quilómetros a leste de Lviv, muito próxima da fronteira com a Moldávia.

Os ucranianos reclamam a captura de diversos pilotos russos que se ejetaram das aeronaves em combate. Os ucranianos alegam que já abateram um total de 88 aviões e helicópteros. Garantem que estão a prestar cuidados médicos a esses pilotos, ao mesmo tempo que recolhem provas e declarações para uso posterior contra Moscovo.


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Relato de José Pedro Frazão, enviado especial à Ucrânia

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