25 jan, 2024 - 06:30 • Maria João Costa
“Se formos a bairros pobres e a barracas que estão a regressar, encontramos muitos dos problemas com que a Maria Lamas se deparou”. Quem o afirma é Jorge Calado, o curador da exposição “As Mulheres de Maria Lamas”, que inaugura sexta-feira, na Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Setenta e seis anos depois de Maria Lamas ter publicado o livro “As Mulheres do Meu País”, o olhar fotográfico da jornalista e defensora dos direitos humanos “continua a dar-nos uma grande lição de cidadania”, considera o curador, que sublinha o facto de ser a primeira vez que este espólio fotográfico é mostrado em Portugal.
Ao todo, 67 fotografias a preto-e-branco revelam o país de então que Maria Lamas percorreu de máquina Kodak na mão. “Ela andou por Portugal de comboio, de carro, de carroça, de burro, a pé e foi a sítios onde nunca ninguém tinha entrado”, refere Jorge Calado.A escritora, fotógrafa, jornalista e tradutora foi uma mulher à frente do seu tempo, indica o curador. “Foi a mulher mais notável no Portugal do século XX, não só como jornalista, como escritora. Tinha uma polivalência extraordinária, porque não só foi notável a sua obra de literatura infantil, mas também traduziu grandes obras como “As Memórias de Adriano”, de Marguerite Yourcenar, muitos livros para crianças e adaptou o “David Copperfield”, do Charles Dickens”, indica Calado.
Sobre a autora de “As Mulheres do Meu País”, o investigador salienta os seus “romances e novelas e, até, um livro de poemas”. Além da escrita, Calado fala ainda de outra dimensão: “Foi uma mulher de ação, uma mulher em defesa dos direitos e da condição das mulheres”.
As fotografias agora expostas revelam as “condições em que viviam e trabalhavam” as mulheres que Maria Lamas encontrou no Portugal do campo, mas também do litoral. A pobreza era uma marca. “Aquilo que nos impressiona mais é a pobreza de muitas delas e ela revolta-se até com um certo conformismo que notava nelas, porque elas diziam que eram escravas, que era algo do destino”, explica Jorge Calado.
Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, o curador diz que Maria Lamas “procurava incutir um determinado espírito de luta” nas mulheres com que se cruzou. Na exposição patente até 28 de maio são também mostrados “objetos pessoais”, como a “sua máquina de escrever” e “vários retratos dela”.
Jorge Calado considera que a exposição tem “uma celebração tripla”, mostrando a mulher, a obra e o livro “As Mulheres do Meu País” com as imagens que Maria Lamas recolheu ao longo de dois anos em Portugal.
Além disto, a mostra inclui também fotografias de Lyon de Castro, Artur Pastor, Domingos Alvão, Maria Mendonça e Júlio Vidal. Será ainda lançado um catálogo com textos de Jorge Calado, Alexandre Pomar, Raquel Henriques da Silva e Alice Vieira – prima de Maria Lamas.