21 jul, 2023 - 13:22 • Marta Pedreira Mixão
Apesar de apenas ter sido fundada em 2010, a história da Orquestra Maré do Amanhã começa em 1999, quando o maestro português Armando Prazeres, radicado no Brasil, foi sequestrado no bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, e assassinado.
Transformando a mágoa e a dor em esperança e “o luto em luta”, foi ali – naquela que é uma das regiões mais violentas do Brasil – que Carlos Eduardo Prazeres, filho do maestro português, decidiu fundar a orquestra, não só levando a música clássica à favela, mas também ajudando vários jovens a fugir a uma realidade de crime e violência.
Formado em jornalismo e sem formação musical, Carlos Eduardo Prazeres tinha-se juntado ao pai na Orquestra Petrobras Sinfónica, criada em 1987, com o objetivo de fazer a música clássica chegar a todos, incluindo às favelas.
Quando esse sonho desapareceu, após a morte do pai, tentou manter a orquestra no rumo que tinham definido. Contudo, os maestros que vieram depois não partilhavam a mesma missão social e Carlos Eduardo Prazeres acabou por ser “expulso” da orquestra que coordenou com o pai durante 15 anos.
“Os maestros que vieram depois dele não tinham essa mesma ‘pegada social’, queriam que a orquestra fosse tocar nos teatros, que tocasse para as elites”, conta Carlos Eduardo Prazeres à Renascença.
Virada a página para dar uma oportunidade às crianças, foi precisamente no Complexo da Maré onde decidiu fazer renascer o sonho do pai, há 13 anos.
Desde então, este projeto social, que começou com apenas 26 alunos, já conta com mais de 4.200 crianças, sendo que 3.700 estão em "pré-escolas".
“Pensei: ‘o que é que eu faço da minha vida?’ Depois, a idade com que eu estava, 47 anos, já não tinha mais como voltar ao jornalismo.”
“Resolvi criar um projeto, não só que levasse música às favelas, mas que formasse músicos, porque eu não era músico, precisava de começar do zero. E escolhi a Maré. Porquê a Maré? Porque no meu coração seria uma forma de fechar o ciclo”, descreve, relembrando que foi naquele local onde encontraram o carro do maestro Armando Prazeres e que a polícia apurou que o assassino viveria ali.
“Vou tentar transformar aquela região num lugar de paz, para poder manter a memória do meu pai viva e fazer um projeto que seja interessante. Sei que ele vai ficar super orgulhoso e feliz. E começamos a fazer essa orquestra no local onde o assassino dele moraria. A partir de uma dor, conseguimos trazer esperança para as crianças.”
Atualmente, o projeto já conta também com 12 professores e tem uma equipa de produção e um edifício próprios.
“Temos uma verba consistente que a Galp nos dá, a Petrogal, que nos permite manter essa orquestra viva. E hoje estamos já a mudar a vida de 4.000 crianças. Todas as crianças matriculadas numa pré-escola no Complexo da Maré têm aulas com professores, que são os meninos que estão aqui em Lisboa para se apresentar.”
Segundo conta o fundador, começam a ensinar crianças de quatro a seis anos. Depois, já mais crescidas, vão para duas escolas onde há orquestras infantis e instrumentos e, consoante o seu talento, vão fazendo o seu percurso até chegarem à escola profissional A Maré do Amanhã.
“Vamos formando e hoje eles são monitores e multiplicadores dentro da Maré. Fazem com que a coisa aconteça dentro da comunidade.”
Estes jovens dão agora aulas às crianças da pré-primária, mostrando às gerações mais novas que a mudança é possível.
É com a ajuda da orquestra que muitos destes jovens têm oportunidade de prosseguir os seus estudos e chegam até a estudar na faculdade. A orquestra apoia-os através de uma bolsa no valor de um salário mínimo, bolsas de estudo em escolas particulares, aulas particulares de instrumentos e apoio psicossocial.
“Eles não tinham uma perspetiva maior, não sonhavam alto. Se deres oportunidade [às pessoas das favelas], vais encontrar desde jogadores de futebol a cientistas, porque são pessoas como outras quaisquer, só não têm condições de lutar pelas mesmas oportunidades. Só isso. Na favela, o que acontece é que essas crianças não têm oportunidades. Ninguém lhes vai dar a oportunidade de mudar de vida.”
Segundo conta, uma das primeiras coisas que disse aos jovens foi: “Não esperem que eu vá transformar a Maré. Eu não moro na Maré. Eu vou transformar-vos a vocês e vocês vão transformar a Maré. São vocês que têm de mudar aquele local.”
Trazer a Orquestra “Maré do Amanhã” a Portugal é a realização de um sonho para o filho de Armando Prazeres. “A vida inteira sonhei em prestar essa homenagem ao meu pai.”
Carlos Eduardo Prazeres conta que, desde 2019 – data em que iam assinalar os 20 anos da morte do pai e o que seriam os seus 85 anos de vida –, enviava email para um dos mecenas do projeto a pedir auxílio para realizar a viagem a Portugal, mais precisamente a Arouca, local onde o maestro Armando Prazeres nasceu.
“Queria levar o projeto, levar a orquestra que ele me inspirou a criar, à cidade onde ele nasceu.”
Com uma pandemia pelo meio, foram precisos quatro anos para o sonho se realizar e agora, em 2023, vai tocar “na Praça Brandão Vasconcelos e também na igreja onde ele [maestro Armando Prazeres] foi batizado, a Santo Estevão de Moldes”, em Arouca.
Realçando que a sua vida teve “muitas coincidências” com a vida do seu pai, conta ainda como ambos criaram orquestras e tiveram experiências com o Papa, - a Orquestra Maré do Amanhã tocou para o Papa Francisco em 2017, no Vaticano, e o pai regeu a missa campal para o Papa João Paulo II, quando o sumo pontífice foi pela primeira vez ao Brasil, em 1980.
“Nós os dois criámos uma orquestra. Nós os dois estivemos com o Papa. Acho isso um privilégio. Tanto ele como eu, tenho a certeza, fomos agraciados por Deus dessa forma, porque não é fácil conseguir um patrocínio no Brasil, não é fácil manter um projeto social e cultural no Brasil e nós conseguimos.”
O fundador da orquestra defende que o Brasil precisa de “investir na segurança através da transformação do problema”, mas que “os políticos não conseguem ver o futuro”, o que dificulta o acesso a estes financiamentos para projetos sociais como a Maré do Amanhã.
“Eles querem que as coisas aconteçam enquanto estão no poder e ninguém transforma a vida de uma pessoa em quatro anos. Isso demora anos, então teria de ser um investimento a longo prazo.”
Assegura ainda que a “solução do Rio de Janeiro não passa por invadir a favela, matando pessoas. Isso só gera mais violência. Passa por darem oportunidade aos jovens de sonhar, de acreditar que eles podem ser pessoas diferentes”.
“É por aí que a coisa vai mudar, mas, infelizmente, não conseguimos, até hoje, alguém que pensasse dessa forma. Mas um dia vai acontecer.”
Entre 20 de julho a 6 de agosto, estes jovens vão apresentar-se em Lisboa, Cascais, Porto e Arouca, com concertos de entrada livre, e vão também atuar no Festival Musicas do Mundo (FMM) de Sines e na programação do Festival JMJ Cascais, no âmbito das atividades previstas durante a Jornada Mundial da Juventude.
Em Lisboa, podem-se esperar várias “flashmobs” em pontos turísticos como o Jardim do Império, Torre de Belém, Padrão dos Descobrimentos, Largo da Graça, miradouro de São Pedro de Alcântara, Portas do Sol, Castelo de São Jorge, Largo Camões, entre outros.
O fundador espera que a digressão “seja um sucesso”, numa altura em que vão estar muitos peregrinos e turistas em Lisboa e que coincide com a realização da JMJ, período durante o qual vão realizar algumas das suas apresentações.
Porém, trabalhar num meio onde metade da população teme balas perdidas e é rodeada por violência não é uma tarefa simples e é por isso que Carlos Eduardo Prazeres insiste que os jovens “precisam da proteção e da bênção de Deus para manter este trabalho vivo e sem riscos”.
Por isso mesmo, um dos pedidos do fundador da orquestra social é que o Papa Francisco abençoe “a meninada”, por viverem num lugar perigoso, que está sempre em conflito.
“Queria muito que o Papa os abençoasse e que essa bênção pudesse ser extensiva à comunidade da Maré, para conseguirmos vencer lá a violência”, apela Carlos Eduardo, relembrando que Francisco já abençoou a geração anterior, aquando da atuação no Vaticano.
O repertório da Maré do Amanhã é variado consoante os eventos e vai desde Guns’n’ Roses a Anitta, passando pelos Queen e música clássica.
Datas dos concertos:
21/7 - LISBOA
16h00 / 17h00 / 18h00 - Flashmobs por Lisboa
19h30 - Concerto no Parque dos Moinhos para convidados.
22/7 - LISBOA
10h00 / 11h00 / 17h00 / 18h30 / 20h00 - Flashmobs por Lisboa
23/7 - LISBOA
20h00 - Flashmob em Lisboa
25/7 - SINES
Concerto no Festival “Músicas do Mundo”
28/7 - PORTO
17h00 – Concerto para peregrinos da JMJ na Catedral da Sé no Porto
29/7 - PORTO
15h30 / 16h30 / 17h30 / 18h30 - Flashmobs no Porto
30/7 - AROUCA
15h00 – Concerto na Igreja São Estevão, em Moldes
19h00 – Concerto na Praça Brandão de Vasconcelos
02/8 - CASCAIS
21h00 - Concerto na Fiartil - Feira de Artesanato de Estoril
03/8 - CASCAIS
19h30 – Festival JMJ Cascais - Concerto no Hipódromo Manuel Possolo
04/8 - CASCAIS
18h00 - Concerto na Cidadela
05/08 - CASCAIS